Da humilde vila de Hällevik para o Mundo. Quis o destino que 20 de outubro de 2025 surpreendesse o universo futebolístico com um campeão inédito na Suécia, o Mjällby. Sediados no sul, numa localidade agrícola e piscatória com pouco mais de 1300 habitantes, estes heróis fizeram do Strandvallen – estádio fundado em 1953 e com capacidade para 6500 adeptos – uma autêntica fortaleza. E, claro, ao leme está alguém destinado à glória, juntando-se ao lote reservado a figuras como Claudio Ranieri (Leicester), Jaime Pacheco (Boavista) e Augusto Silva (Belenenses).
Vamos por partes.
🙌 | VI ÄR MJÄLLBY AIF FRÅN LISTERLANDET!#MjällbyAIF #Allsvenskan2025 pic.twitter.com/yYwtFOxNxY
— Mjällby AIF (@MjallbyAIFs)
October 20, 2025
Esta segunda-feira, o Mjällby triunfou na visita ao Gotemburgo (2-0), na 27.ª ronda do campeonato sueco, atingindo os 66 pontos, 11 de vantagem para o Hammarby. Uma vez que só restam três jornadas, a festa soltou-se de vez em Hällevik, às portas do Mar Báltico e da Dinamarca.
Por agora, os novos campeões levam uma derrota, seis empates e 20 triunfos, não perdendo em casa para o campeonato desde maio de 2024.
A este propósito, o percurso foi abrilhantado por Abdoulie Manneh – avançado do Gâmbia, de 21 anos, que apontou sete golos – num jovem plantel valorizado pela força coletiva. Neste balneário com média de 22 anos há 19 suecos, dois finlandeses, dois nigerianos e um representante de Noruega, Dinamarca, Gâmbia, Camarões e Paquistão.
No banco encontramos o núcleo desta história. O sueco Anders Torstensson, de 59 anos, até jogou na formação do Mjällby, mas sem alcançar a equipa principal. Por isso, abdicou do futebol em 1985 e abraçou a vida de militar durante dez anos, até enveredar pela carreira de professor. Escalou a hierarquia até alcançar o cargo de diretor, sendo elogiado pela ética, organização e capacidade de agregar valor ao outro. Em simultâneo, alimentava a paixão pelo futebol enquanto treinador em clubes locais.
Nas voltas da vida – tantas vezes difíceis de interpretar – regressou ao Mjällby em 2007, enquanto treinador-adjunto, numa casa com graves problemas estruturais e financeiros. Entre frustrações, Torstensson saiu. Ainda assim, aceitou o cargo de treinador principal em 2023.
Nesta fase, o Mjällby já se havia afastado do abismo da falência que pairou até 2019, graças a outros heróis de Hällevik. Se no topo da pirâmide está o empresário Magnus Emeus, junto ao relvado evidenciou-se Hasse Larsson, antigo médio e capitão, formado no Mjällby – hoje com 63 anos – que em 2016 arriscou acumular a gestão do negócio agrícola da família com o cargo de diretor desportivo. A dupla resgatou e revalorizou o expoente desportivo da humilde Hällevik.
🇸🇪 MJÄLLBY AIF OFICJALNIE MISTRZEM SZWECJI 👑
W Hällevik mieszka półtora tysiąca osób. Cała gmina to lekko ponad 17 tysięcy mieszkańców. pic.twitter.com/2nhObWOpCJ
— Piotr Piotrowicz (@Piotrowicz17)
October 20, 2025
O regresso à principal divisão – depois de décadas de ausência – aconteceu em 2020. Quatro anos volvidos, já com Anders Torstensson no leme técnico, o Mjällby foi quinto classificado, ainda que descrito como rara sensação. Até porque apresentaram um orçamento de 84,7 milhões de coroas suecas (41,56 milhões de euros), oito vezes menor do que o “bolo” do gigante Malmö – campeão em 2014, 2016, 2017, 2020, 2021, 2023 e 2024, e que encerra 2025 com a receção ao FC Porto na Liga Europa, a 11 de dezembro.
Nem um grave diagnóstico os travou
O projeto em ascensão revelou-se dor de cabeça para os rivais e culminou na inédita conquista do campeonato. Como já referido, o Mjällby não perde em casa há mais de ano, regista um desaire nesta edição do campeonato e caiu nos “quartos” da Taça.
Para lá da melhor defesa (17 golos sofridos) e do segundo melhor ataque (49 golos) – somente atrás do Hammarby (53) – o mérito também recai sobre Karl Marius Aksum, jovem norueguês doutorado em perceção visual aplicada ao futebol. Este taticista potenciou as ideias de Torstensson, aprimorando transições, pressão e construção.
Outro pilar desta estória é a pacatez da região, descrita pelos jogadores como «uma grande família», com vista para o Mar Báltico. Aliás, esta paisagem é usual no princípio dos treinos, de manhã, quando Torstensson reúne plantel e staff para um café.
Voltamos às voltas da vida. Nem o diagnóstico de uma leucemia linfocítica crónica recebido pelo treinador em agosto travou o projeto. Pelo contrário, fortaleceu laços. Por agora, Anders Torstensson diz-se bem de saúde, ainda que consciente do quadro clínico.

Estes dias prometem festa rija em Hällevik, contrariando a pacatez tradicional. E o sonho vai continuar a crescer porque, no verão, a vila vai tornar-se no local mais pequeno a receber a Champions, a propósito da primeira pré-eliminatória.
A história da Suécia tem Gotemburgo (Taça UEFA, 1982 e 1987) no topo e conta com um estreante. O Mjällby é o 21.º emblema a conquistar o campeonato, numa lista encabeçada pelo Malmö (24). Antes dos novos campeões, o Häcken conquistou o inédito título em 2022.
O sonho continua dentro de momentos.