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Mark Carney, primeiro-ministro do Canadá, e Emmanuel Macron, Presidente de França
As mais recentes reformas encetadas pelo governo de Otava são um modelo para as vítimas da guerra comercial de Washington em todo o mundo.
Os discursos de chefes de governo raramente merecem uma leitura, mas a intervenção do primeiro-ministro canadiano Mark Carney no Conselho de Relações Exteriores, a 22 de setembro, é uma exceção a esta regra.
Segundo o Foreign Policy, Carney faz um diagnóstico sem rodeios: para uma economia aberta e democrática como é a do Canadá, o fim da ordem mundial baseada em regras e os desafios comerciais resultantes tanto dos Estados Unidos como da China representam ameaças existenciais.
Nem tudo está perdido, porém. Como refere Carney, os países podem ainda “continuar em frente — com aquilo que conseguem controlar“.
Concentrar-se nas áreas onde o Canadá mantém alguma margem de manobra é precisamente o objetivo de muitas das reformas que Otava tem vindo a adotar recentemente.
Para outras economias abertas e desenvolvidas, como as da União Europeia, estas políticas constituem um modelo para uma resposta sensata aos atuais desafios económicos.
Estas políticas incluem o apoio à exportação através do aprofundamento do mercado interno, redobrar de esforços em novos acordos de comércio livre e o aproveitamento dos ativos existentes — que permitam a estas economias tornarem-se fornecedoras de bens críticos a países aliados com ideias afins.
Numa altura em que as tarifas aduaneiras norte-americanas captam as manchetes, a primeira prioridade para as economias desenvolvidas é ajudar os exportadores que parecem destinados a perder quota de mercado nos Estados Unidos.
Mas olhar para dentro é frequentemente um bom primeiro passo, diz o Foreign Policy. Se fazer negócios no estrangeiro se está a tornar mais complicado, então talvez reforçar as vendas internas possa ajudar.
Duas estatísticas ilustram como tal plano poderia ser importante para o Canadá.
Em primeiro lugar, entre junho de 2023 e outubro de 2024, apenas 27% das empresas canadianas venderam bens ou serviços fora da sua região de origem, o que evidencia como o país tem ainda algum caminho a percorrer para aprofundar o seu mercado interno.
Em segundo lugar, as exportações canadianas para o estrangeiro valem o dobro do comércio entre regiões.
As empresas canadianas interessadas em crescer no mercado interno enfrentam três tipos de barreiras. As primeiras destas barreiras são geográficas: longas distâncias e invernos rigorosos.
Em segundo lugar, há proibições ao comércio inte-regional: por exemplo, em muitos casos, o vinho produzido numa província não pode ser vendido diretamente noutras.
O terceiro tipo de barreira tem a ver com discrepâncias regulamentares entre províncias: por exemplo, muitas jurisdições têm o seu próprio conjunto de regras de eficiência energética para máquinas de lavar louça.
Os impedimentos às vendas inter-regionais têm um preço elevado: o Fundo Monetário Internacional (FMI) calcula que em 2015, excluindo a geografia, tais barreiras equivaliam a uma tarifa de 21% — cerca de seis vezes a tarifa média do Canadá para importações estrangeiras. Por outras palavras, é frequentemente mais fácil comprar bens do estrangeiro do que de outra província.
Durante muito tempo, as discussões sobre as barreiras comerciais inter-regionais do Canadá confinaram-se aos círculos académicos.
As tarifas do Presidente norte-americano Donald Trump, contudo, colocaram o assunto na ordem do dia, e fomentaram a rápida adoção da Lei de Uma Economia Canadiana em junho, que visa remover barreiras regulamentares e técnicas ao comércio intra-canadiano.
As províncias têm a maior autoridade nesta área, mas o governo federal não está parado: em junho, removeu todas as 53 exceções federais ao Acordo Canadiano de Comércio Livre, eliminando uma longa lista de barreiras ao comércio livre entre províncias.
A tentativa do Canadá de remover barreiras internas ao comércio vai ao encontro de apelos recentes para que a UE aprofunde o seu mercado interno. Tal como o do Canadá, o “mercado único” da UE é tudo menos isso.
O FMI calcula que a coexistência de 27 conjuntos de regulamentações nacionais, regras alfandegárias e leis fiscais coloca o equivalente a uma tarifa de 44% no comércio de bens intra-UE.
Assim, enquanto o bloco europeu tenta construir uma resposta aos ataques comerciais de Trump, olhar para o outro lado do Atlântico para o que está a acontecer no Canadá poderia ser uma jogada sábia para Bruxelas.
E em vez de estar a debater cada declaração de Trump, os decisores políticos da UE poderiam ser bem aconselhados a pedir aos canadianos alguns consehos de política, conclui o Foreign Policy.