“Em cima da mota, estás sozinha. Tens de confiar no teu instinto. Acontece o mesmo na política”. Sanae Takaichi, a nova primeira-ministra do Japão, diz ter aprendido muito sobre liderança e sobre autoconfiança por ter, em jovem, comprado uma Kawasaki e nela ter viajado longos quilómetros nas montanhas de Nara e noutros locais do Japão.
Esse é apenas um dos aspetos pouco usuais do perfil de Sanae Takaichi, a primeira mulher a chefiar um governo em toda a História do país. Além da paixão pelas duas rodas, também tocava bateria numa banda de heavy metal e tem dois ídolos (ambos britânicos): na música, os Iron Maiden e, na política, a antiga primeira-ministra Margaret Thatcher.
A admiração por Thatcher levou a que Sanae Takaichi passasse, também ela, a ser conhecida como a “Dama de Ferro” do Japão. Ascendeu ao topo da política japonesa, dominada por homens há várias gerações, e tem um pensamento fortemente conservador na área dos costumes. Por outro lado, defende um intervencionismo do Estado na economia.
Sanae Takaichi eleita primeira mulher a liderar o Governo do Japão
Hoje com 64 anos, nasceu em 1961 na província japonesa de Nara. Cresceu no seio de uma família de classe média em que o pai trabalhava numa empresa ligada à indústria automóvel e a mãe era agente da polícia – logo aí, uma relativa raridade à época.
Uma amiga de infância, Motoko Shimada, recordou, ao The New York Times, a rapariga bem comportada que partilhava a sua marmita de onigiri (bolinhos de arroz) e omeletes enroladas com colegas que se tinham esquecido de levar lancheira para as visitas de estudo.
“Era muito sorridente e muito reservada. Não tinha aquela imagem de mulher forte, mas conseguia perceber quando alguém não se estava a adaptar bem ou tinha dificuldades – e ia sempre ajudar essa pessoa“, acrescenta a amiga de infância.
FOTO: Cortesia de Sanae Takaichi, via CNN
Quando foi para a faculdade, entrou na universidade japonesa de Kobe para estudar gestão de empresas. E, depois de ter tido uma educação austera, foi nessa fase que o seu lado mais rebelde começou a vir ao de cima: formou uma banda de heavy metal e tocava bateria com enorme paixão e energia. Além dos Iron Maiden, Sanae Takaishi é uma fã devota dos (também britânicos) Black Sabbath.
Esse gosto pela música mais pesada, que manteve discretamente ao longo da vida, era uma espécie de escape face à rigidez social japonesa, incluindo a dos seus próprios pais, reconheceu em algumas entrevistas que foi dando ao longo da sua carreira.
Como Sanae Takaichi foi eleita primeira-ministra do Japão
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Sanae Takaichi foi esta terça-feira nomeada primeira-ministra do Japão, tornando-se a primeira mulher a ocupar este cargo, graças a uma coligação parlamentar formada na véspera, após negociações de última hora.
A Câmara Baixa do Parlamento japonês nomeou Takaichi, de 64 anos, logo na primeira votação e a sua nomeação será oficializada quando se encontrar com o imperador Naruhito ainda esta terça-feira.
A quinta líder do arquipélago no mesmo número de anos enfrenta uma situação política delicada no país, mas também uma agenda internacional densa, que tem como primeiro ponto mais alto a visita ao Japão do Presidente norte-americano, Donald Trump, já na próxima semana.
Sanae Takaichi conquistou, a 4 de outubro, a presidência do Partido Liberal Democrático (PLD), a formação conservadora de direita no poder, quase ininterruptamente desde 1955, mas que nos últimos meses perdeu a maioria nas duas câmaras do Parlamento nipónico devido, nomeadamente, a escândalos financeiros.
O aliado tradicional do PLD, o partido centrista Komeito, abandonou a coligação em vigor desde 1999, incomodado com os escândalos e as opiniões conservadoras de Sanae Takaichi.
Para garantir a eleição para a chefia do Governo e suceder ao primeiro-ministro cessante, Shigeru Ishiba, Takaichi formou na segunda-feira uma aliança com o Partido Japonês para a Inovação (Ishin), uma formação reformista de centro-direita.
Num perfil feito pela norte-americana CNN, conta-se que Takaichi costumava ter pelo menos quatro pares de baquetas sobressalentes, para ir substituindo aquelas que se partiam devido à forma agressiva como tocava a bateria.
Ainda hoje gosta de tocar, acrescenta-se, mas tem em casa uma pequena bateria eletrónica – só para aliviar o stress. “Costumo tocar depois de o meu marido ir dormir“, contou, entre risos, numa entrevista a um youtuber japonês.
Casou com Irie Taikichi, também deputado pelo mesmo partido, em 2004 – sem nunca ter aceitado uma saída amorosa com ele, disse Sanae numa entrevista recente citada pela CNN.
Quando conheceu o marido, que estudou para ser chef de cozinha, ele prometeu-lhe que se se casasse com ela iria, para o resto da vida, comer sempre boas comidas. “Portanto, arrisquei“, afirmou a agora primeira-ministra japonesa, que confessa que não é uma cozinheira especialmente dotada.
Pela mesma altura, ainda bem jovem, ganhou o gosto pelas motas. Conduzia uma Kawasaki (Z400GP), algo raríssimo entre as mulheres japonesas nos anos 1980, e que viria a tornar-se uma das suas marcas pessoais.
Era ainda estudante quando comprou a mota. Tanto que, por vezes, quando se atrasava a sair de casa de manhã, usava o veículo para chegar mais rapidamente às aulas. Para que ninguém reparasse – uma mulher chegar de mota à escola ia contra as regras – estacionava a mota numa ruela atrás da escola.
Mais tarde, aos 32 anos, viria a desistir de conduzir motas após ter sido eleita deputada, por entender que estaria exposta a perigos que podiam impedi-la de cumprir o seu papel político.
Depois de concluir a licenciatura, Takaichi decidiu partir para os EUA, onde trabalhou como assistente no Congresso, no gabinete da democrata Pat Schroeder. Essa experiência despertou-lhe um fascínio pela política ocidental e, sobretudo, por uma figura que marcaria a sua visão ideológica: Margaret Thatcher.
A “Dama de Ferro” britânica viria a tornar-se o seu grande modelo político — pela firmeza, pela clareza de ideias e pela convicção de que a liderança exige coragem mais do que consenso. Anos depois, Takaichi recordaria que foi ao ouvir um discurso de Thatcher que percebeu que queria dedicar-se à política e lutar para conquistar respeito num meio dominado por homens e, também, protagonizado sobretudo por pessoa de linhagens familiares de destaque – o que não era o seu caso.
Video: Takaichi Sanae is set to become Japan’s first female Prime Minister.
In the 1990s she was a TV presenter and also appeared in this commercial for APLUS, a credit card/consumer credit company. pic.twitter.com/cFEiWkx7ac— Jeffrey J. Hall ???????????????? (@mrjeffu) October 5, 2025
De regresso ao Japão, chegou a trabalhar em televisão – protagonizou, até, alguns anúncios publicitários – e iniciou a carreira política no início da década de 1990, sendo eleita pela primeira vez para o Parlamento em 1993. Começou como independente, mas pouco depois integrou o Partido Liberal Democrata (LDP), a força política hegemónica no país desde o pós-guerra.
Ao longo das décadas seguintes, ocupou vários cargos de relevo, incluindo o de ministra dos Assuntos Internos e Comunicações e o de ministra responsável pela segurança económica. A ascensão no partido foi sustentada tanto pela lealdade às ideias de Shinzo Abe, de quem é considerada uma discípula, como pela sua reputação de trabalhadora incansável e disciplinada.
Abenomics. O programa das três flechas de Shinzo Abe que nunca atingiu em cheio a economia do Japão
Politicamente, Sanae Takaichi sempre se posicionou na ala mais à direita do LDP. Defende uma política económica intervencionista, inspirada no modelo criado por Shinzo Abe (a “Abenomics”), acreditando que o Estado deve ser um promotor ativo do investimento em setores estratégicos como tecnologia, defesa e energia.
Em temas sociais, porém, é profundamente conservadora: opõe-se ao casamento entre pessoas do mesmo sexo e rejeita mudanças na lei que permitiriam a casais manter apelidos diferentes, por considerar que essas alterações “fragilizariam a estrutura familiar tradicional”.
Também as suas posições sobre história e identidade nacional a tornaram uma figura controversa — as suas visitas regulares ao Santuário Yasukuni, onde são homenageados soldados japoneses da Segunda Guerra Mundial, incluindo criminosos de guerra, têm provocado críticas dentro e fora do país.
Na última semana, teve uma oportunidade para voltar a visitar esse santuário, símbolo do passado militarista japonês, agressivo contra os vizinhos do Japão, porém decidiu não ir.
Colegas e assessores descrevem-na como uma mulher reservada, metódica, mas também surpreendentemente amigável e calorosa em círculos privados. Fala com entusiasmo sobre música e sobre os passeios de mota que fez quando era jovem.
A eleição de Takaichi para líder do LDP, a 4 de outubro de 2025, e a sua nomeação como primeira-ministra, a 21 do mesmo mês, ilustram uma carreira construída à força de determinação e paciência. Essas vão ser qualidades importantes, já que a coligação com o Ishin representa apenas 231 assentos no Parlamento – abaixo dos 233 necessários para a maioria absoluta – pelo que terá que negociar com outros partidos para governar.
O Japão, que continua a debater-se com um grave envelhecimento populacional, estagnação económica e tensões regionais com a China e a Coreia do Sul, elege para liderar o governo uma mulher que promete firmeza e continuidade. Além disso, garante que irá reunir um Executivo com um número de mulheres “à escandinava”, em contraste com apenas duas que havia na equipa do antecessor.
O país está classificado em 118.º lugar entre 148 no relatório de 2025 do Fórum Económico Mundial sobre a disparidade entre os sexos e a câmara baixa do Parlamento nipónico é exemplo disso mesmo, contando com apenas 15% de mulheres. Takaichi quer trazer para agenda das políticas públicas uma nova sensibilidade para as dificuldades relacionadas com a saúde das mulheres e não hesita em falar abertamente sobre os seus sintomas relacionados, por exemplo, com a menopausa.
No plano internacional, nesta terça-feira uma das primeiras palavras que teve foi para Donald Trump, com quem quer ter uma “relação próxima”, baseada numa “troca franca de opiniões e pontos de vista”. Takaichi quer reunir-se, o quanto antes, com o Presidente dos EUA, salientou.
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