Os riscos para a biodiversidade resultantes da “instalação massiva” de projectos fotovoltaicos e eólicos que estão a ser programados para nordeste algarvio preocupam a Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA), que acaba de lançar um alerta destacando as ameaças que pairam sobre espécies ameaçadas e protegidas pela legislação nacional e europeia.

A organização ambientalista salienta as consequências que as futuras centrais solares e eólicas a instalar na região algarvia, podem vir a projectar-se em várias espécies de aves: a águia-de-Bonelli (que aqui tem o seu principal núcleo reprodutor do país), a águia-imperial-ibérica (classificada como Criticamente em Perigo), a águia-real e o grifo, que utiliza o importante corredor de dispersão e migração de aves que atravessa as serras algarvias.

Num apelo subscrito pelas organizações Fapas, Geota, Liga para a Protecção da Natureza, Quercus e WWF Portugal, a SPEA faz uma alusão às “lacunas graves dos processos de avaliação de impacte ambiental”, nomeadamente destacando os projectos de hibridização, que “apresentam falhas graves”, como a ausência de estudo de alternativas de localização, análise insuficiente dos padrões de voo e uso do espaço pelas aves planadoras, subestimação do risco de perturbação dos casais reprodutores e do risco de colisão, e a subvalorização dos impactes cumulativos.

Os projectos de hibridização (ou seja, juntando solar e eólico) das centrais fotovoltaicas de Viçoso, Pereiro, São Marcos e Albercas “prevêem aerogeradores a apenas um quilómetro de ninhos activos de águia-de-Bonelli e de águia-imperial-ibérica, sem analisar os seus efeitos no abandono do território e na dinâmica populacional a nível regional, nacional e ibérico.”

Por sua vez, o parque eólico do Malhanito, com 29 aerogeradores, que se situa no corredor de dispersão e migração do nordeste algarvio, ficará próximo dos projectos agora em avaliação. Implantado em zonas de vales encaixados e cumeadas que originam correntes orográficas e térmicas que concentram o movimento das aves planadoras, “o parque expõe-nas a um elevado risco de colisão – um impacto evitável mediante uma ponderação mais criteriosa da localização do projecto”, adverte a SPEA, lamentando que os Estudos de Impacto Ambiental (EIA) dos projectos em análise para áreas adjacentes “tenham ignorado estas evidências”.

Critérios contestados

A organização ambientalista contesta os critérios seguidos nos EIA destes projectos de hibridização, que tendem a “subestimar o risco de perturbação dos casais reprodutores e do risco de colisão”, notando ainda uma “subvalorização dos impactes cumulativos”.

As medidas para “minimizar a mortalidade por colisão com aerogeradores”, como a instalação de sistemas automáticos de detecção e paragem de avifauna “baseados em vídeo e inteligência artificial” – sistemas que a SPEA considera terem sido “pouco testados” e “de eficácia incerta” – não podem justificar a instalação de aerogeradores em zonas ecologicamente inadequadas”. Este tipo de medidas, afirmam, viola o princípio da hierarquia de mitigação previsto na legislação europeia, que “primeiramente exige evitar e só depois minimizar e compensar”.

A organização defende ainda que a instalação de projectos localizados em áreas ecologicamente sensíveis, e que se revelem fundamentais para a conservação de espécies protegidas e ameaçadas – como é o caso do nordeste algarvio – “não devem ser viabilizados”. E acrescenta: “A ausência de alternativas viáveis, a pressão para licenciamentos rápidos e a desvalorização dos impactes sobre o património natural comprometem a credibilidade e a confiança nestes processos”, que devem ser “compatíveis com os valores ecológicos dos territórios em que se inserem e não impostos a comunidades e ecossistemas já vulneráveis”.

“A transição energética não pode ser feita à custa da biodiversidade. A forma como estes projectos estão a ser planeados compromete décadas de esforço na conservação de espécies emblemáticas e o seu futuro”, refere ainda Rita Ferreira, técnica sénior de conservação na SPEA, citada no comunicado.

Aceleração de renováveis

Durante a apresentação do Pacote de Medidas para Reforçar a Segurança do Sistema Eléctrico Nacional realizada segunda-feira, a ministra do Ambiente e Energia, Maria da Graça Carvalho, salientou que Portugal continua a ter “um problema bom” ao ser procurado por investimento estrangeiro e nacional para instalar projectos industriais, de hidrogénio verde ou de energias renováveis.

Sines é uma das zonas consideradas de grande procura, mas o Governo pretende disponibilizar outros espaços para investimento espalhados pelo país. “Queremos dar confiança aos investidores que podem solicitar a ligação à rede de forma simples e célere, pois representa um importante contributo para a economia nacional” acentua Graça Carvalho.

Em reforço desta medida, o Governo vai criar um “Mapa Verde” que reúna essas áreas de “​aceleração”​ de energias renováveis. A medida passa pela identificação de zonas onde a produção renovável terá menos impacto ambiental e “onde possam competir com outros valores igualmente importantes como sejam a agricultura, a biodiversidade ou a paisagem”.

As áreas a incluir no futuro mapa estarão sujeitas a um estudo ambiental estratégico “muito simples”, ao contrário dos documentos detalhados dos Estudos de Impacte Ambiental, que a ministra do Ambiente e Energia diz serem “mais morosos, para além de implicarem pareceres de muitas entidades”. É uma medida marcada pela “simplificação, que vai acelerar a descarbonização e também atrair mais investimento”, concluiu Graça Carvalho.

“Poluição luminosa polarizada”

No contexto mundial, o impacto das centrais eólicas e solares também apresenta resultados preocupantes. Um grupo de investigadores liderados pela ecóloga Trish Fleming concluiu que os painéis solares geram um fenómeno chamada “poluição luminosa polarizada”: a luz, ao reflectir nas superfícies lisas e escuras como os painéis, torna-se linearmente polarizada, “imitando a assinatura óptica de corpos de água”, de acordo com o estudo publicado na Renewable and Sustainable Energy Reviews, em Dezembro do ano passado.

Os insectos aquáticos diurnos, como, “libélulas e besouros mergulhadores”, confundem os painéis com áreas de reprodução ou alimentação, depositando ovos nas superfícies de vidro onde as larvas acabam por morrer, queimadas pelas elevadas temperaturas que as superfícies espelhadas geram.

A ilusão criada pelo brilho reflectido “imita a aparência de corpos de água, também confundem as aves migratórias desviando-as do seu curso”, explica Trish Fleming. Esse fenómeno, chamado de “efeito lago”, é particularmente perigoso para espécies nocturnas. “Cerca de 80% das aves migratórias voam à noite usando a polarização do luar como bússola, um sistema que os painéis podem distorcer”, assinala a bióloga.

Um outro risco associado às centrais solares reside nas lagoas de evaporação, usadas para limpar painéis ou resfriar turbinas. As águas acumulam metais pesados, como chumbo, cádmio ou selénio, que lixiviam dos painéis, especialmente quando danificados ou expostos à chuva ácida. Estas superfícies líquidas atraem aves aquáticas, que se afogam ou são envenenadas.

O estudo estima que em 2023 os painéis solares, que cobriam então aproximadamente 37.886 quilómetros quadrados da superfície da Terra, terão causado a morte a 17,3 milhões de aves. “À medida que governos e indústrias investem pesadamente em energia renovável, aumenta a importância de integrar a consciencialização ambiental no desenvolvimento deste tipo de infraestruturas”, conclui a ecóloga.