Estudo mostrou que o bloqueio da proteína Rac1 permite proteger e restaurar a função das células nervosas, travando a progressão da doença.
a cientista Márcia Liz liderou a investigação, desenvolvida em colaboração com o Departamento de Neuropatologia do Hospital de Santo António. Foto: i3S
Um trabalho de investigação desenvolvido no Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da Universidade do Porto (i3S) e liderado pela cientista Márcia Liz, permitiu descobrir um novo alvo terapêutico para prevenir ou tratar a Amiloidose Hereditária por Transtirretina, também conhecida como Polineuropatia Amiloidótica Familiar (PAF) ou “doença dos pezinhos”. O estudo foi recentemente publicado na prestigiada revista Cell Reports e abre portas para futuros estudos pré-clínicos com vista a melhorar a qualidade de vida destes doentes.
Apesar de se tratar de uma condição genética rara, com 10 mil casos estimados em todo o mundo, a doença tem um impacto relevante em Portugal, já que quase metade dos doentes identificados na Europa são portugueses. A doença é causada por mutações no gene TTR, que é responsável pela produção da proteína transtirretina, que é naturalmente produzida pelo nosso fígado e responsável pelo transporte da vitamina A e da hormona tiroideia. Mas quando a transtirretina está alterada, tende a acumular-se de forma desorganizada sobretudo nos nervos periféricos, levando à formação de depósitos e à perda de sensibilidade e de força muscular.
Neste estudo desenvolvido no i3S, e em colaboração com o Departamento de Neuropatologia do Hospital de Santo António, “utilizámos um modelo de ratinho para compreender melhor como esta doença danifica os nervos periféricos e descobrimos que, antes destes começarem a degenerar, já existem alterações na estrutura interna das células nervosas, especialmente no citoesqueleto que dá forma às células e que é crucial para a função dos neurónios”, explica Márcia Liz, agora investigadora na Unidade de Multidisciplinar de Investigação Biomédica (UMIB) do Instituto de Ciências Biomédicas da U.Porto (ICBAS).
Estas alterações na estrutura das células nervosas, continua a investigadora, “estão associadas a uma ativação excessiva de uma proteína chamada Rac1. Decidimos então bloquear a atividade da Rac1 e verificámos que as células nervosas ficaram protegidas”.
Além disso, adianta Márcia Liz, “em doentes com uma forma de doença mais tardia, identificámos uma variação genética num regulador desta proteína Rac1 que leva à redução da sua atividade, o que reforça o potencial neuroprotetor da inibição da Rac1”.
Estes resultados mostram que controlar a atividade da proteína Rac1 “pode ser uma nova estratégia para prevenir ou tratar a designada «doença dos pezinhos», atuando na disfunção neuronal e evitando a sua degeneração. Ao focar-se diretamente na proteção e restauração da função das células nervosas, este estudo complementa as abordagens que visam reduzir os depósitos de transtirretina”, explica Márcia Liz.
A investigadora acrescenta ainda que “ao corrigir as alterações que ocorrem dentro do neurónio, abrem-se novas perspetivas para terapias mais eficazes e duradouras, capazes de travar a progressão da doença antes que o dano nervoso se torne irreversível”.