Sete anos depois, Calvin trabalha para construir seu próprio colosso na Costa Oeste americana: uma estátua de 137 metros de altura do deus grego Prometeu na ilha de Alcatraz, grande o suficiente para que sua cabeça ultrapasse a icônica ponte Golden Gate.

O monumento ao titã que desafiou os deuses ofuscaria a própria Estátua da Liberdade, que tem “apenas” 93 metros de altura em comparação. Para Calvin, Prometeu representa o “dinamismo fundamental que define o Ocidente” — ele não mencionou, porém, a lição clássica de Prometeu sobre os riscos da arrogância.

Para erguer a estátua, Calvin precisa primeiro que o presidente Donald Trump reclassifique Alcatraz — já um parque nacional — como monumento nacional. Ele deixou o projeto em segundo plano durante o governo Joe Biden, mas acredita que Trump, que há muito demonstra fixação por estética, estará ao seu lado.

— Felizmente, meu negócio me dá um certo acesso extra (ao governo) — diz Calvin, que vive em Denver e administra uma empresa de mineração de Bitcoin com operações no Oriente Médio.

Ele planeja apresentar à equipe de Trump uma proposta — com imagens do monumento e de um museu de tecnologia também na Ilha de Alcatraz — até o fim de janeiro. Segundo ele, o projeto custaria US$ 450 milhões e usaria uma liga de níquel e bronze para a figura de Prometeu, que refletiria a luz de forma diferente ao longo do dia. Com 137 metros de altura a partir da linha d’água, seria visível de praticamente toda a região da baía.

Para Calvin, o monumento é uma ferramenta para afirmar os valores ocidentais — ou, ao menos, a sua versão deles. E ele não está sozinho. Após a remoção de dezenas de memoriais confederados e outras estátuas impopulares nos últimos anos, uma nova geração de “homens dos monumentos” quer construir algo tangível para marcar o que consideram a era atual do poder ocidental.

Ross Calvin — Foto: Lizzie Chen/Bloomberg Ross Calvin — Foto: Lizzie Chen/Bloomberg

Suas visões são mais grandiosas do que nunca — o Prometeu de 137 metros, um George Washington de 198 metros — e inspiradas, como diz Calvin, em “símbolos de patriotismo, excelência, força, transcendência e poder”.

A figura mais poderosa impulsionando a construção de novas estátuas é o próprio Trump. O projeto de lei de impostos e gastos de seu governo, que se tornou lei em julho, destinou US$ 40 milhões para construir um Jardim Nacional dos Heróis Americanos — local ainda a ser definido — retratando 250 personalidades em estilo neoclássico, incluindo George Washington, Billy Graham e Elvis Presley.

Em agosto, Trump assinou uma ordem executiva para estabelecer a arquitetura clássica como estilo preferencial para prédios cívicos dos EUA. Ele começou a construção de um salão dourado na Casa Branca e falou sobre restaurar monumentos confederados.

No início deste mês, um repórter encontrou planos na Casa Branca para um arco triunfal, uma proposta para o próprio Arco do Triunfo americano em Washington, do outro lado do Rio Potomac em relação ao Lincoln Memorial.

Além de Trump e Calvin, o grupo dos “novos homens dos monumentos” da direita está crescendo: há Joe Lonsdale, cofundador da Palantir e investidor em tecnologia de defesa, que há muito promove “estética clássica” por meio de sua filantropia; o investidor e empreendedor do Vale do Silício Elad Gil, que quer “trazer de volta monumentos inspiradores em grande escala”; e Mo Mahmood, um universitário que abandonou a faculdade em Austin, que está atraindo apoiadores para construir um mega monumento a George Washington e planeja revelar uma versão de 15 metros para o 250º aniversário dos Estados Unidos no próximo ano.

Guinada à direita do Vale do Silício

Tradicionalmente lar de democratas com inclinação libertária, o Vale do Silício — e o universo tecnológico de forma mais ampla — fez uma guinada à direita durante a pandemia, reagindo ao que muitos viam como ataques às liberdades pessoais e à vilanização das grandes empresas de tecnologia. Eles encontraram braços abertos no movimento MAGA (“Make America Great Again”), e as duas culturas se entrelaçaram desde então.

Nascido dessa fusão está um híbrido hipercapitalista e hiperpatriótico, composto por frequentadores de Mar-a-Lago e desertores da área da baía (como é conhecido nos EUA essa região mais ampla da Califórnia). Gil, Lonsdale e Calvin atuam em setores — IA, tecnologia de defesa e criptomoeda, respectivamente — que são prioridades políticas em um eventual segundo mandato de Trump.

Os três querem construir monumentos ou defender o classicismo para celebrar o momento atual, como inspiração para o futuro ou como afirmação da supremacia ocidental.

Em dezembro, Calvin trabalhou em uma carta com o arquiteto clássico Richard Cameron, que foi entregue pessoalmente a Trump em Mar-a-Lago por um amigo em comum, o designer neoclássico e defensor Rodney Mims Cook Jr. Após receber a carta, que, segundo Calvin, discutia a “renovação, embelezamento e enobrecimento do nosso país”, Trump postou no Truth Social: “A América vai começar a construir monumentos aos nossos grandes heróis e heroínas novamente!!!”

A Casa Branca não respondeu a um pedido de comentário.

Calvin, que na verdade não prefere o estilo clássico e contratou um escultor futurista para Prometeu, vê o deus grego que deu a tecnologia ao homem contra a vontade dos Olímpicos — e que foi punido por Zeus a ter seu fígado devorado diariamente por uma águia — como uma personificação das maiores qualidades do Ocidente.

— Prometeu é meio que o santo padroeiro do que significa ser americano. O Ocidente é o lugar onde coisas originais acontecem, e isso é um ativo muito raro na história humana, e precisamos preservar as estruturas sociais que tornam isso possível — diz Calvin.

Zuckerberg fez estátua da esposa: ‘tradição romana’

Em contextos privados, é comum que os ultrarricos comissionem estátuas. Mark Zuckerberg mandou fazer uma estátua de 2,1 metros de sua esposa, Priscilla Chan, dizendo que estava “revivendo a tradição romana de fazer esculturas da sua esposa”.

Lonsdale encomendou uma escultura do escultor escocês Alexander Stoddart representando as três deusas gregas conhecidas como as Três Graças em homenagem às suas filhas, diz Cook, que também é amigo dele.

Lonsdale também comissionou um busto neoclássico de Bari Weiss, a executiva da mídia conservadora recentemente nomeada editora-chefe da CBS News, para a Universidade de Austin, que Weiss e Lonsdale cofundaram com o historiador britânico Niall Ferguson.

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Há também uma longa história de pessoas ricas patrocinando financeiramente a criação de obras públicas, incluindo parques, museus e prédios universitários. Com os monumentos, no entanto, os benfeitores frequentemente escolhem quem será homenageado — pelo menos por um tempo.

Há cerca de um século, o investidor rico Paul Goodloe McIntire financiou quatro estátuas para exibição pública na Virgínia, para comemorar soldados confederados e homens que auxiliaram no deslocamento forçado de indígenas americanos.

Em 2017, autoridades locais tentaram remover duas dessas estátuas, incluindo um bronze do general confederado Robert E. Lee a cavalo em Charlottesville, o que provocou o comício Unite the Right, organizado por um neonazista, e um comício separado da Ku Klux Klan. Em 2021, em meio ao despertar nacional do movimento Black Lives Matter, todas as estátuas de McIntire foram removidas.

Lonsdale, cofundador da Palantir e da empresa de investimentos em tecnologia de defesa 8VC, se interessou pelo estilo neoclássico preferido por Trump muitos anos atrás, quando Cook veio falar em uma convenção de investidores da qual ele e Peter Thiel participaram.

Segundo Cook, ex-nomeado de Trump para a Comissão de Belas Artes dos EUA, os planos iniciais para este órgão incluíam estruturas com aparência futurista, que ele disse ao grupo serem “baratas” e “anti-humanas”. Após a palestra, Lonsdale abordou Cook e pediu para almoçarem juntos.

Desde então, Lonsdale tem sido um apoiador financeiro da National Monuments Foundation de Cook e um defensor da “estética clássica”, que, segundo Cook, é “inequivocamente a mais bela”. Cook iniciou sua organização há duas décadas para proteger monumentos existentes e construir novos no estilo clássico, afirmando:

— Estávamos perdendo algo de enorme importância para o mundo ocidental.

Ele descreve Lonsdale como “primeiro um classicista, segundo um tradicionalista e nunca um modernista.”

Um representante do Cicero Institute, de Lonsdale, não respondeu a pedidos de entrevista ou comentários.

‘Cite uma autocracia que não tem uma obsessão neoclássica’

O fato de Trump, Lonsdale e Cook preferirem o estilo clássico é revelador, diz Erika Doss, cujo livro Memorial Mania examina memorials no contexto da resposta emocional. A afinidade pelo design clássico remete aos impérios romano e grego, sociedades que os adeptos percebem como masculinas e triunfantes, afirma ela.

— É diretamente do manual fascista. Cite uma autocracia que não tenha uma obsessão neoclássica. — diz Doss.

—Suponho que alguns fascistas e autoritários tenham bom gosto em arquitetura — diz Cook. — Não há nada que eu possa fazer quanto a isso.

Doss, que também é titular no Edith O’Donnell Institute of Art History da University of Texas em Dallas e professora emérita de estudos americanos na University of Notre Dame, afirma que o interesse de Trump e de outros em celebrar vitórias é típico da relação dos americanos com monumentos:

— Não podemos ter monumentos sobre a vergonha. Precisamos estar cercados pelo triunfo — diz ela.

O triunfo é exatamente o foco de Gil, o investidor do Vale do Silício que busca um parceiro de longo prazo para iniciar uma organização que ele chama de Monumental. No podcast My First Million, no ano passado, Gil disse que queria investir em projetos como um grande monumento próximo à ponte Golden Gate como “uma ode ao futuro”. (Não está claro se Gil conhece o projeto de Calvin. Calvin afirma que entrou em contato com Gil sobre Prometeu.)

Por e-mail, Gil disse que se interessa menos pelos valores ocidentais e mais pelas “verdades humanas universais e formas de beleza”, mencionando como exemplos templos astecas e maias, a Esfinge de Gizé e a Grande Muralha da China.

— Se você olhar para cada sociedade em seu auge, elas construíam monumentos em grande escala em prol do progresso — diz Gil no podcast. — Há um lado de ostentação nisso, e há um lado de inspiração. Onde estão hoje as obras de beleza e arte em grande escala que inspiram a sociedade?

Os Estados Unidos produziram vários monumentos impressionantes e em grande escala na história recente, diz Doss; eles apenas não correspondem à ideia de Gil de celebrar o progresso. Ela aponta o National Memorial for Peace and Justice em Montgomery, Alabama — um memorial de 2018 às vítimas negras de linchamento composto por mais de 800 retângulos de aço suspensos — e o chama de “projeto deslumbrante”.

O National Memory, em Montgomery, no estado do Alabama — Foto: Bloomberg O National Memory, em Montgomery, no estado do Alabama — Foto: Bloomberg

— Não é negativo, é criticamente engajado. Rejeita a narrativa do excepcionalismo americano em favor de uma que se concentra no que ainda precisa ser feito.

Tecnologia, religião e pirâmides

Muitos monumentos construídos nos EUA nas últimas décadas incentivam os espectadores a refletir sobre narrativas menos triunfantes da América, enquanto outros celebram heróis dos direitos civis. Em 1982, o Vietnam Veterans Memorial abstrato, de Maya Lin, desafiou o que um monumento pode ser, deslocando o foco da escultura figurativa para a paisagem experiencial.

No início deste ano, a estátua de Thomas J. Price de uma mulher negra anônima na Times Square forçou os observadores a considerar por que ver alguém, qualquer pessoa, representada monumentalmente pode despertar tantas emoções.

Mas não importa quem, o quê ou como algo está sendo memorializado, pode ter certeza de que alguém ficará insatisfeito. Doss diz que gostaria de ver mais monumentos temporários que rotacionem em espaços designados, como o pedestal vazio do Fourth Plinth na Trafalgar Square, em Londres. Cook, por outro lado, gostaria de consagrar todos os monumentos à imortalidade.

— Você nunca derruba. Você acrescenta. Aqui é onde estávamos. Aqui é onde estamos. Nunca esqueça de nada disso — diz ele.

Mo Mahmood, fundador da More Monuments, a startup por trás da gigante estátua de George Washington, diz que quer se concentrar em celebrar a América e construir monumentos que façam as pessoas se sentirem bem. Ele não gosta de memoriais abstratos, como o de Montgomery.

— Quando você olhar para a minha estátua, poderá perceber que é George Washington, e acho que isso é importante — diz Mahmood, falando da França, onde vive seu escultor principal. — Quando as pessoas a olharem, quero que sintam esperança e otimismo.

Mahmood concebeu seu projeto de monumentos após abandonar a University of Delaware durante a pandemia. Ele queria criar algo de importância duradoura, diz ele, e elaborou uma lista de três coisas que resistem ao tempo: tecnologia, religião e as Pirâmides de Gizé.

Em dezembro, a More Monuments concluiu seu primeiro projeto — uma estátua de 16 metros de uma torre de petróleo, agora o maior monumento nos arredores de Austin, Texas. A construção, de aproximadamente US$ 40 mil, foi financiada por 125 pessoas, incluindo o investidor de capital industrial Rayyan Islam.

“Esta estátua é um símbolo do que acontece quando os mais brilhantes, ousados e corajosos entre nós trabalham arduamente para liberar o progresso industrial”, escreveu Islam em um post no LinkedIn sobre a estátua. “O próprio progresso industrial, como objetivo em si, deve sempre ser celebrado.”

A estátua de Washington ainda apresenta algumas questões pendentes: Mahmood não decidiu onde irá colocá-la (está de olho no Sudoeste), de que material será feita (está considerando acabamento em aço inoxidável), quanto a versão final custará (pelo menos dezenas de milhões de dólares) ou quanto tempo levará para ser concluída (provavelmente bastante, para algo “projetado para durar séculos”).

Mas ele já arrecadou US$ 175 mil e fez sua equipe construir uma série de modelos de gesso. O mais recente tinha 3,35 metros de altura, diz Mahmood; o próximo, a ser revelado no dia 4 de julho, terá 15 metros, com o resultado final chegando perto de 198 metros, incluindo um pedestal de 46 metros.

— Eu gosto de coisas grandes — ele diz.