“Pela noite fora”. Assim vão ser as últimas negociações sobre a polémica lei da nacionalidade, até à última e com o PSD a desconfiar de que o Chega vai “fazer-se caro” — “vai ser uma noite muito complicada“. As polémicas alterações à lei da nacionalidade vão ser votadas esta quarta-feira, na Comissão de Assuntos Constitucionais, e os partidos estão até à última hora a tentar limar as medidas ou retirar normas “excessivas” da proposta do Governo, que garante que vai negociar com todos “até ao fim”.

Apesar de haver aproximações maiores à direita — ao mesmo tempo que se antecipam possíveis problemas no Tribunal Constitucional — há conversas a decorrer com PS, Chega e IL, tendo os liberais entregado propostas de alteração de última hora. “Estamos com algumas barreiras que se mostram difíceis“, explicava ao início da noite uma fonte conhecedora do processo ao Observador, falando num processo que se está a fazer “step by step” e com o “evoluir da noite”.

“Estávamos convencidos de que com o Chega [haveria acordo], mas arranjará sempre dificuldades para vender cara” uma aprovação, comenta fonte do PSD, frisando que os sociais democratas tentaram que “não houvesse qualquer acusação de inconstitucionalidade” quando separaram a proposta em duas para tentar que a questão da perda da nacionalidade não contaminasse o resto da lei — e o Chega não faz o mesmo, apesar de se aproximar do PSD alinhando na ideia de que a perda de nacionalidade não pode ser automática, mas decidida por um juiz. Os sociais democratas já estão mentalizados de que essa norma pode cair, mas para o Chega será mais difícil abdicar da bandeira, mesmo que haja muitas dúvidas legais a ser levantadas.

As conversas decorrem em várias frentes e entre os sociais democratas também se constata que a proposta liberal é “nobre” do ponto de vista dos princípios, mas pode trazer novos riscos de inconstitucionalidade. Assim, as conversas que decorrem durante a noite vão corresponder também a um esforço de que as soluções finais não gerem ainda mais dúvidas de legalidade.

No caso de PS e Livre, as últimas propostas tentam reduzir os prazos para que um estrangeiro possa obter a nacionalidade portuguesa e criar regimes transitórios para diminuir os impactos das mudanças — e o Livre quer que se faça uma “cerimónia pública de celebração da cultura portuguesa” para que todos os anos quem se naturalize português possa participar, tentando ajudar à integração destas pessoas.

Já a Iniciativa Liberal entregou, esta terça-feira, propostas de alteração próprias, num novo modelo que não “discrimina” os requerentes da nacionalidade portuguesa segundo a sua origem, mas prevê que só se possa pedir nacionalidade dez anos depois de se começar a viver legalmente em Portugal — ou sete, se se conhecer “profundamente” a língua e cultura portuguesas.

A direita está assim, genericamente, de acordo na necessidade de aumentar o prazo de residência para obter a nacionalidade portuguesa, assim como de fazer com que certos crimes possam levar à perda da nacionalidade. Mas aqui há diferenças jurídicas e de forma — antecipando o PSD que essa proposta em concreto pode provocar problemas junto do Tribunal Constitucional e que por isso mais vale separá-la do resto da lei.

O PS acredita que as alterações que o Governo propõe, em termos de prazos (é preciso ter residência legal há sete anos, em caso de cidadãos da CPLP ou UE, ou dez anos, nos casos restantes), são “excessivas” e não condizem com o histórico da legislação portuguesa. Por isso, reduz esses prazos: na proposta socialista, é preciso ter residência há cinco anos, para os primeiros, e sete anos, nos segundos; e, caso um filho de estrangeiros nasça em Portugal, só é preciso que um dos pais more no país há um ano (o Governo quer que sejam três).

Além disso, o PS recupera regimes que o Governo quer eliminar: no caso do regime de naturalização para os descendentes de judeus sefarditas, o PS argumenta que, em vez de revogar todo o regime, deve exigir-se um prazo de residência de cinco anos (atualmente era de dois). E continua a exigir que o cidadão que pede nacionalidade portuguesa tenha sido condenado a uma pena igual ou superior a três anos de prisão para poder ser impedido de se naturalizar, como acontecia até agora: o Governo quer que baste qualquer condenação, de qualquer duração, com pena de prisão efetiva, mas os socialistas argumentam que essa proposta “trata de forma desequilibrada ilícitos graves e situações que são meras bagatelas penais”.

Os socialistas frisam que na sua proposta de alteração “suprimem” a ideia da perda da nacionalidade (para quem for condenado por certos crimes a cinco ou mais anos de prisão, e dependendo da decisão posterior de um juiz), por considerarem que gera “situações de desigualdade” e apresenta “um catálogo excessivamente extenso de ilícitos que podem determinar a perda da nacionalidade”, e que vão da violação ao tráfico de drogas.

Ainda assim, a proposta de PSD e CDS também já não contém, neste momento, a norma sobre a perda de nacionalidade — como o Observador escrevia, foi separada e vertida numa alteração ao Código Penal, na prática prevendo que se essa, que é a alteração mais controversa à lei, for chumbada o resto da lei possa seguir no Parlamento e sob o crivo do Tribunal Constitucional.

Além disso, o PS introduz um período transitório, mantendo os critérios da anterior versão da lei para quem reunir os requisitos para pedir e receber a nacionalidade “que iniciem o respetivo procedimento até 31 de dezembro de 2026″.

Outros períodos transitórios que o PS quer manter são dois anos para o regime para naturalização de pessoas (e seus filhos) que perderam a nacionalidade após o 25 de abril de 1974 “nos termos da legislação que regulou a matéria aquando das independências dos países africanos de língua oficial portuguesa”; e também mais dois anos do “regime de naturalização destinado a pessoas nascidas em território nacional  cujos pais não eram titulares nesse momento de título de residência (correspondente a um conjunto ainda relevante de membros da segunda geração de migrantes) e aqui residam há pelo menos cinco anos”.

No que toca aos prazos mais relevantes, o Livre está em sintonia com o PS: quer que os prazos mínimos de residência para a naturalização sejam de cinco ou sete anos (consoante a origem do requerente); e que a pena de prisão que serve para negar um pedido de naturalização seja no mínimo de três anos. O partido acrescenta, tal como o PS, que o requerente pode ter de provar que conhece “suficientemente” a língua, mas não a cultura portuguesa, e aderir aos princípios da Constituição portuguesa.

Para o Livre, uma comissão “independente e multidisciplinar” deve avaliar esse conhecimento dos princípios, deveres e direitos da Constituição e todos os anos o Executivo deve promover a realização de uma “cerimónia pública de celebração da cultura portuguesa, de carácter simbólico e de participação facultativa, destinada às pessoas que tenham adquirido a nacionalidade nesse ano”.

O Livre introduz algumas normas novas, respeitantes a refugiados, na sua proposta, prevendo que o Governo conceda a nacionalidade portuguesa a crianças filhas de pais nessa situação e nascidas em território nacional, “nos casos em que não seja viável adquirir a nacionalidade de algum deles”; e também que o Governo conceda nacionalidade portuguesa aos “refugiados e beneficiários de proteção subsidiária, reconhecidos nos termos da lei que regula o asilo, que residam legalmente em Portugal há pelo menos quatro anos”.

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Se tanto o PS como o Livre querem eliminar a sanção que prevê a hipótese de se retirar a nacionalidade (a cidadãos naturalizados há menos de dez anos), a Iniciativa Liberal está inclinada para deixar passar essa norma, por não ser automática (depende da decisão de um juiz): “Uma vez que o PSD acabou com o automatismo desse mecanismo da perda da nacionalidade e passou a enquadrá-la como sanção acessória, cuja ponderação compete a um juiz, tudo indica que votaremos a favor “, diz ao Observador fonte do grupo parlamentar.

Já o Chega tem ainda essa decisão por fechar, tendo recuado na sua própria proposta e ficado mais próximo da do PSD e CDS — se antes previa, no que seria a medida mais polémica de todo o pacote, que a nacionalidade se perdesse automaticamente em caso de um crime com uma pena de prisão de mais de cinco anos cometido por um cidadão naturalizado há menos de dez, recuou e passou a prever que essa pena não seja automática. Ou seja, também na proposta do Chega seria preciso que um juiz decidisse que era caso para retirar a nacionalidade, “a título de pena acessória a decretar por decisão judicial transitada em julgado”, se houver uma condenação superior a três anos de prisão.

Esta é, ainda assim, a proposta que os partidos antecipam que pode trazer mais problemas e riscos constitucionais, razão pela qual PSD e CDS decidiram remetê-la para uma alteração ao Código Penal, tentando que um possível chumbo não arraste consigo todo o resto da lei.

A IL encontrou uma solução diferente para a questão dos prazos: em vez de “discriminar” em função da origem dos requerentes, quer que o prazo até seja mais alargado, mas passível de redução. Ou seja: a ideia é que o prazo para poder pedir a nacionalidade seja de dez anos de residência legal no país, mas admitindo que todos possam “adquirir a nacionalidade num prazo mais curto, de sete anos”, “mediante o cumprimento de certos requisitos mais exigentes” — esses requerentes terão de provar que conhecem “profundamente” a língua e cultura portuguesas, assim como “os direitos e deveres fundamentais inerentes à nacionalidade portuguesa e a organização política do Estado português”.

Para mais, os liberais querem implementar uma regra para suspender o processo de aquisição de nacionalidade quando o requerente for arguido num processo penal “por crimes dolosos praticados antes da aquisição da nacionalidade e que, caso o requerente fosse já naturalizado português, poderiam determinar a aplicação da pena acessória de perda da nacionalidade”. E é este outro dos pontos que geram preocupações legais junto do PSD.

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