“Sei que a minha beleza é o livro, as pessoas olham para mim e veem páginas no meio”, disse Valter Hugo Mãe logo no início da mesa “O escritor de dois mundos”, mediada pelo jornalista Walter Porto, que lotou o Auditório da Matriz às 13h30 desta sexta-feira na Flip 2025. A reflexão, em tom de brincadeira, se deu porque o português, que volta a Paraty depois de 14 anos depois de primeira e única participação na festa, estava “nervoso” e preocupada com a aparência no vídeo, já que todas as palestras da programação principal são transmitidas no Auditório da Praça, no canal da Flip no YouTube e pela TV, no Arte1.

— Estou muito nervoso, vou escrachar logo. Parece que estou num precipício. Estou consciente de que estou muito gordo. Eu já estou encalhado que chega. Não tem como encalhar mais — disse ele, para a risada geral e, depois, gritos de “lindo” vindo dos mais animados. — Não adianta dizer que eu estou lindo, eu é que sei. Não acredito em nada. Sei que a minha beleza é o livro, as pessoas olham para mim e veem páginas no meio.

A ideia da mesa, anunciada como extra, depois que a toda a programação já havia sido divulgada, era falar sobre a adaptação cinematográfica de “O filho de mil homens”, da Netflix, e o lançamento de “Educação da tristeza” (Biblioteca Azul), mas o português passeou por uma infinidade de assuntos. Em todos, levou os leitores-fãs às gargalhadas.

Teve elogios a Niterói, cidade vizinha do Rio onde ele costumava passar férias: “Detesto que falem mal, Niterói é lindo, chique”. Metáforas sobre a família: “É uma empresa, às vezes você está na presidência, às vezes na limpeza” e “adoro os meus irmãos, mas eles são meus patrões”. Lembranças da cantora Elza Soares: “Eu beijei na boca Elza Soares, depois descobri que ela beijou muita gente na boca também”. E sonhos não concretizados com… Elza Soares: “Gostaria de ter feito filhos com Elza”.

Valter, porém, não fugiu dos assuntos principais do dia — apenas entrecortou-os com as observações que deram o tom de show à mesa. Sobre o filme “O filho de mil homens”, com Rodrigo Santoro no papel do protagonista Crisóstomo, homem que, aos 40 anos, sente a urgência de ter filho, Valter explicou porque a produção só podia ser brasileira. A direção é de Daniel Rezende e a estreia acontece ainda neste ano.

— O livro tem sido bem acolhido, mas no Brasil teve gente que deu aos filhos nomes de Camilo, Crisóstomo. A maneira como os leitores brasileiros reagiram foi muito espantosa, teve uma dimensão descomunal — disse o autor, que assistiu ao resultado final pela primeira vez assim que chegou a Paraty, na última quarta-feira. — Amei o filme, vi há dois dias, mas hoje não estou amando muito (risos). Porque acho que é possível que filme seja melhor do que o livro.

Para ele, só existe um caso em que a adaptação cinematográfica é melhor do que a obra original impressa.

— Era uma coisa do David Lynch, que fez o “Coração selvagem”, um filme que eu adoro. E o livro é uma porcaria. É um segredo só nosso que estou dizendo isso, mas o livro não é bom. E eu achava que esse era um caso paradigmático, que não ia ter mais. Agora acho que vou ficar junto de “Coração selvagem”. Vai estar eu e Barry Gifford, o norte-americano, os dois desolados, naquele contingente, dos livrs que foram superados por um filme.

O autor contou detalhes também sobre o livro mais recente, “Educação da tristeza”, não ficção em que aborda os temas do luto e da saudade a partir doas mortes do sobrinho Eduardo, aos 16 anos, e da amiga Isabel Lhano, de 70. A artista plástica morreu seis meses antes do menino, e os textos do livro, que misturam reflexões sobre a morte e a convivência com eles com histórias simples do cotidiano, ajudou a elaborar o luto e ressignificar a saudade.

— Como eduquei a tristeza, preciso conseguir voltar à felicidade. Estou num tempo bem louco, estou catando maravilhas. Meu patrimônio, minhas memórias, meus mortos vão ser de muita felicidade na minha vida sempre.