Uma mancha negra, de pessoas, preencheu a entrada, e outra mancha negra, que ameaçava chuva, preencheu o céu, no dia em que se prestou homenagem ao homem que dedicou a vida a afastar as nuvens da liberdade da imprensa e da democracia. Em nome de Francisco Pinto Balsemão, da esquerda à direita, políticos activos e inactivos reuniram-se no Mosteiro dos Jerónimos, em Lisboa, cujas portas se previam fechadas às 22h, mas a dimensão da fila alterou os planos.
Pelas 17h45, família, como Francisco Pedro Balsemão (um dos cinco filhos e CEO do grupo Impresa), amigos próximos e algumas figuras da SIC, como o director de programas Daniel Oliveira, já entravam ou já tinham entrado para se despedir de Pinto Balsemão para que, pelas 18h30, o mosteiro se abrisse aos restantes: figuras políticas, televisivas, jornalistas, em trabalho ou homenagem, e qualquer outro admirador.
Símbolo da liberdade democrática e, por isso, do debate plural, é o título que explica, em parte, a enormíssima fila, que se estendeu até à ponta da Igreja de Santa Maria de Belém. Fila esta na qual Pedro Passos Coelho insistiu em ficar, mesmo depois de ter sido convidado, por várias vezes, a entrar directamente no mosteiro. O também ex-primeiro-ministro, à saída, falou de Pinto Balsemão como um homem que “remou muito” e contribuiu “para acelerar a cultura democrática” em Portugal, ideia que ecoou entre todos os que quiseram prestar declarações.
Outro ex-primeiro-ministro, e actual presidente da Câmara da Figueira da Foz, cunhou Pinto Balsemão como um “cavalheiro da democracia”. Pedro Santana Lopes, depois de admitir que ele próprio chegou a ser crítico de Balsemão, à saída do velório, expressou o que se viu: o “momento muito raro de unanimidade no pronunciamento de outros sectores políticos”.
Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República, e Luís Montenegro, primeiro-ministro
Nuno Ferreira Santos
Não faltaram afiliados do partido do qual Pinto Balsemão era militante número um. O Presidente da República e o primeiro-ministro chegaram, no mesmo carro. Cerca de uma hora depois, Marcelo Rebelo de Sousa e Luís Montenegro saíram sem novas declarações. Também Paulo Rangel, ministro do Estado e Negócios Estrangeiros, Joaquim Miranda Sarmento, das Finanças, Rita Júdice, da Justiça, e Margarida Balseiro Lopes, da Cultura e Juventude — além de outros membros do actual Governo do PSD — passaram por ali.
À esquerda, o candidato presidencial apoiado pelo Partido Socialista apareceu para homenagear “um homem sempre à frente do seu tempo”. “O país deve-lhe muito pelo que deu à democracia e à luta pela liberdade”, referiu António José Seguro. A ex-candidata presidencial Ana Gomes, em 2021 apoiada pelo Livre, PAN e algumas figuras do PS, referiu que Portugal ficou “empobrecido” com esta perda. Também Ramalho Eanes, antigo Presidente da República e contemporâneo de um Pinto Balsemão enquanto primeiro-ministro, destacou-lhe o papel na “politização da sociedade e na socialização da política”.
Para Rui Tavares, líder do Livre, Francisco Pinto Balsemão deixou um contributo indiscutível “em ditadura e democracia, na imprensa e na política, na oposição e no Governo”. O fundador do PPD (agora PSD) e do grupo Impresa, que detém a SIC e o Expresso, morreu na terça-feira, com 88 anos. A missa decorrerá no mesmo local, na quinta-feira, pelas 13h.