O príncipe André não paga renda há mais de 20 anos na mansão de Royal Lodge, em Windsor. O contrato de arrendamento do duque de York, divulgado pelo Times, está a gerar polémica no Reino Unido, onde cresce o descontentamento com o facto de o príncipe manter oficialmente o ducado e os títulos, que só podem ser retirados por acção do Parlamento, com o apoio do Governo. O Partido Nacional Escocês (SNP, na sigla original), independentista de esquerda, apresentou uma moção não vinculativa sobre o tema, mas não há expectativas de que seja concretizada pelo Executivo liderado por Keir Stamer.
O contrato de arrendamento de André recua até 2003, um ano depois da morte da sua avó, a rainha Isabel, que viveu na casa de Windsor até morrer aos 102 anos. A decisão de Isabel II de atribuir a mansão ao segundo filho surpreendeu, até porque já tinha oferecido a casa de Sunninghill ao duque de York aquando do casamento com Sarah Ferguson — apesar de se terem divorciado em 1996, a ex-mulher continua a viver com André no Royal Lodge.
O Royal Lodge não é uma casa privada da família real, mas propriedade da Coroa. Ou seja, a sua gestão é feita pela Coroa, mas as receitas dos arrendamentos vão para o Tesouro nacional. Mas, neste caso, o arrendamento de André traduz-se apenas no pagamento de “um grão de pimenta (se exigido) por ano”. O termo histórico (em inglês, “one peppercorn”) é apenas um acto simbólico.
Ou seja, André não paga renda, mas investiu no Royal Lodge para lá viver, explica o jornal londrino. Em 2003, foi o príncipe a pagar a remodelação da propriedade que custou 7,5 milhões de libras (8,6 milhões de euros), como parte do acordo original com a Coroa, aprovado pelo Gabinete Nacional de Auditoria. Mais: acrescentou a esse investimento um milhão de libras (1,15 milhões de euros) para arrendar a casa por 75 anos — até 2078.
O contrato também determina que se, por algum motivo, André desistir do arrendamento a Coroa teria de lhe pagar 558 mil libras (641 mil euros). Além disso, até ao 25.º ano do contrato (em 2028), deve-lhe mais de 185 mil libras (212 mil euros) por ano. Assim, é pouco provável que o príncipe caído em desgraça possa ser expulso do Royal Lodge, diz unanimemente a imprensa britânica.
A Coroa tem rejeitado as acusações de que o contrato de arrendamento beneficie André e justifica que teria sempre de ser um membro da família real a habitar a mansão de Windsor, dada a sua “localização sensível” que poderia criar “preocupações de segurança” pela proximidade à capela real, cita o The Guardian.
O Royal Lodge foi construído em 1662 como casa de campo para o topógrafo e artista Thomas Sandby e passou para as mãos da família real no século XIX, quando começou a ser usado pelo rei Jorge IV durante a época de caça. A casa original foi demolida e reconstruída com 30 divisões em 1830 por Guilherme IV, antes de se tornar residência oficial dos pais de Isabel II, Jorge VI e a rainha Isabel, quando ainda eram duques de York.
Apesar de polémico, o contrato de André não é inédito: o irmão Eduardo também vive na mansão de Bagshot Park, em Windsor, por “um grão de pimenta” desde 2007. Em 1998, quando se mudou, pagava 90 mil libras (103 mil euros) de renda anual, mas, depois de fazer remodelações de 1,3 milhões de libras (cerca de 1,5 milhões de euros), renegociou o contrato — pagando ainda mais cinco milhões para assegurar o arrendamento.
Vista aéra do Royal Lodge
Reuters/Stringer?
O que se segue para André?
Mas a trama do Royal Lodge é só “um grão de pimenta” na vida do príncipe André, que, no final da semana passada, anunciou que decidiu renunciar aos títulos reais de duque de York, Cavaleiro Grã-Cruz da Real Ordem Vitoriana (GCVO) e Cavaleiro Real Companheiro da Nobilíssima Ordem da Jarreteira, na sequência de anos de escândalos sexuais ligados a Jeffrey Epstein, que criou uma rede de exploração de menores.
Contudo, André não pode deixar de ser príncipe (título que recebeu ao nascimento por ser filho da rainha) e o ducado também só lhe pode ser removido num acto oficial do Parlamento britânico, explica a BBC. O SNP interpôs uma moção não vinculativa nesta terça-feira para pressionar o Governo a tomar acções, mas não é expectável que esta venha a ser aprovada ou sequer concretizada.
“A única questão que se coloca é: de que é que o Governo de Keir Starmer está à espera? As pessoas sabem que esta é a coisa certa a fazer e, mais importante ainda, as vítimas no centro do escândalo Epstein sabem que é a coisa certa a fazer. É preciso fazê-lo sem mais desculpas e sem mais atrasos”, apelou Stephen Flynn, líder da bancada parlamentar do SNP na Câmara dos Comuns, através da moção que é a única ferramenta que a câmara baixa de Westminster tem para falar sobre a conduta dos membros da família real no Parlamento.
Uma sondagem conduzida pela YouGov dá conta que quatro em cada cinco britânicos querem que o príncipe seja oficialmente destituído do ducado de York. Entre os 6700 adultos questionados, 63% diz-se “fortemente a favor” da medida por parte do Governo, enquanto apenas 6% se opõe. O príncipe André também é das figuras da família real britânica com menor aceitação por parte dos ingleses com uma popularidade de 13%, quando comparado com os 68% de Kate ou mesmo os 54% de Carlos III.
A decisão de André de abdicar dos títulos foi celebrada “como uma vitória” por Amy Wallace, co-autora do livro de memórias de Virginia Giuffre, a mulher que acusou formalmente o duque de York de abusos sexuais em 2021 — chegaram a acordo extrajudicial no ano seguinte. “Virginia queria que todos os homens a quem ela tinha sido traficada, contra a sua vontade, fossem responsabilizados, e este é apenas um dos homens”, declarou a escritora em entrevista à BBC.
Virginia Giuffre, que se suicidou em Abril aos 41 anos, descreve no livro Nobody’s Girl as três vezes em que terá tido relações sexuais com o príncipe André a mando de Epstein. Em 2011, o filho de Isabel II terá ordenado ao seu segurança oficial espiar a norte-americana, depois de ser divulgada uma fotografia de ambos, quando Giuffre tinha 17 anos. Agora, pode enfrentar a justiça por usar meios do Estado para conseguir informações confidenciais.
Carlos III tem estado em silêncio sobre os escândalos do irmão, que já não tinha deveres reais desde 2019, quando deu uma desastrosa entrevista à BBC onde confessava a amizade com Epstein, mas negava as acusações de abusos sexuais ou ter alguma vez conhecido Virginia Giuffre. A BBC escreve que o rei se prefere focar “nos deveres e no serviço” e não se “distrair com outros temas”.