A organizadora de um livro que reúne contributos de psicanalistas e artistas de vários países sobre o impacto do colonialismo no sofrimento psíquico coletivo questiona nesta obra como pode a própria psicanálise ser descolonizada.
Colonialismo — Entre a Psicanálise e a Arte é o nome do livro organizado pela psicóloga clínica e especialista em refugiados, direitos humanos e acolhimento Sandra Roberto, que será apresentado sábado no Museu Nacional de Etnologia.
Em declarações à agência Lusa, Sandra Roberto defendeu que a psicanálise pode ser uma ferramenta importante para compreender as marcas profundas deixadas pelo colonialismo.
“Apesar de ter havido independência formal das antigas colónias, persistem feridas que são também fruto da violência, do racismo e da opressão, e que são transmitidas transgeracionalmente”, disse.
E adiantou que algumas formas modernas desta violência, nas quais é percetível que “o colonialismo não ficou no passado, está presente também sobre estas formas de opressão, de racismo e de um sofrimento que é, não só um sofrimento psíquico ou intra psíquico ou individual, mas é um sofrimento que é coletivo e é partilhado nas dinâmicas atuais”.
“Uma dinâmica que é ainda muito presente e é também presente pelo silêncio em que esteve mergulhado este assunto do colonialismo durante muitos, muitos anos, em particular em Portugal”, observou.
O livro conta com contributos específicos de psicanalistas e artistas de Portugal, Moçambique, Angola, São Tomé e Príncipe, Brasil, Peru e Argentina, dividindo-se em três partes: (Des)colonizações: Múltiplas violências, (Des) construções: Trauma e Racismo e Descolonizar a psicanálise: O colonialismo no divã.
Os psicanalistas são convidados a dialogar com formas de expressão artísticas — cinema, fotografia, artes plásticas, música — numa tentativa de encontrar muitas vezes formas de expressão daquilo que é profundamente violento.
Confrontada com uma pergunta que a própria organizadora da obra coloca na mesma — como pode a psicanálise ser descolonizada? — Sandra Roberto afirma que são deixadas “algumas pistas” no livro, com “contributos inestimáveis e muito importantes dos colegas” de outros países, como o Brasil, que têm pensado a forma como também o conhecimento da psicanálise está naturalmente toldado e moldado pelas relações coloniais.
“Aquilo que são os pressupostos base da teoria e da técnica psicanalítica estão também inscritos num modelo muito eurocêntrico”, disse.
E concluiu: “Descolonizar a psicanálise também é pôr a psicanálise e os psicanalistas a elaborarem as suas próprias subjetividades que estão naturalmente alicerçadas e muitas vezes até podem ser pontos cegos que estão presentes no trabalho analítico e no trabalho com o paciente”.
O livro Colonialismo — Entre a Psicanálise e a Arte será apresentado no Museu Nacional de Etnologia, em Lisboa, e o lançamento contará com uma mesa-redonda sobre colonialismo, incluindo a participação da historiadora Isabel Castro Henriques.
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