Faz pouco mais de 10 anos que o escritor cearense Pedro Guerra teve o “primeiro contato, digamos assim, oficial ou profissional” com a produção literária. De lá para cá, dois romances foram publicados e o mais recente deles irá, em breve, virar filme.

“O maior ser humano vivo”, lançado em 2024 pela Editora Record, será adaptado para o cinema em obra do diretor Esmir Filho, responsável pelo sucesso “Homem com H”. Em fase inicial, o projeto deve contar com Pedro na equipe de roteiro.

Ainda que essa estreia “oficial” tenha sido em 2014 — quando ele já estava radicado em São Paulo e começou a escrever o romance de estreia “Avenida Molotov”, publicado em 2018 pela Editora Quelônio —, o caminho até chegar ao projeto audiovisual remonta a memórias de Fortaleza e das leituras estimuladas pelos pais.

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“Dá para virar filme”

A obra de Pedro que será adaptada narra a ascensão vertiginosa de um talentoso, ambicioso e amoral advogado de um grande escritório de São Paulo. A produção será da Boutique Filmes.

Em entrevista por telefone ao Verso, o escritor adianta que há conversas de negociação com plataformas de streaming para a concretização do filme e que outro ponto já definido é o da participação dele na produção.

“Esmir (Filho) me convidou para participar da sala do roteiro ou para ser um consultor. “Achei sensacional e vou ter o maior prazer, quero muito participar disso, estar perto quando as coisas forem acontecendo”, celebra.

O diretor do futuro longa teve destaque recente pela cinebiografia do cantor Ney Matogrosso, “Homem com H”, lançada em 2024. Antes, já havia despontado com filmes como “Tapa na Pantera” (2006) — curta popularizado como meme na internet — e o cult “Os Famosos e os Duendes da Morte” (2009).

Ainda que não “escreva pensando que vai dar um filme”, Pedro reconhece que a literatura dele é “muito visual”.

“Tem certas passagens que realmente visualizo como se fosse cinema. O jeito que escrevo e estruturo meus romances tem certa cinematografia, são ‘filmáveis’”, aponta. “Comentavam ‘parece filme’, ‘dá para virar filme’, mas nunca fui atrás”, segue. 

Agora, após a obra ter sido lida e adquirida por uma produtora de São Paulo, a concretização da adaptação está no horizonte. “É uma coisa que não é simples e vai demorar um tempinho, mas não tô apressado, não, viu?”, ri-se. 

Da biblioteca do avô aos livretos de infância

Bem antes de chegar no atual momento, Pedro lembra de estar “próximo à literatura desde o começo da vida”. Tinha um avô, do interior do Piauí, que era poeta e dono de uma biblioteca na qual conheceu obras como “A cabana do pai Tomás” e “As Viagens de Marco Polo”.

“Meu pai e minha mãe gostavam muito de ler, meu pai sempre trazia coisas pra gente”, segue, referenciando também o irmão gêmeo. Eram de quadrinhos à coleção completa de Monteiro Lobato, passando por jornais e revistas. 

Nascido em Fortaleza, Pedro Guerra se mudou para São Paulo em 2003

Legenda:
Nascido em Fortaleza, Pedro Guerra se mudou para São Paulo em 2003

Foto:
Nuno Papp / Divulgação.

“Tinha uma montanha de coisa para ler e eu adorava, principalmente suplemento cultural”, destaca. “A minha formação literária foi muito feita não institucionalmente”, considera. Em meio às leituras, começou a se inspirar a também escrever.

O “primeiro surto de escritor”, como define, ocorreu aos 9 anos, quando ouviu uma colega de escola afirmar que estava “fazendo um livro”.

“Achei aquilo impressionante. ‘Eu também posso escrever’, então, comecei”, lembra. As historinhas resultaram em livretos que dava de presente para a mãe e o pai.

“Ambição de escrever”

Na adolescência e no começo da vida adulta, teve outros “surtos”, então voltados à produção de contos

“Não sabia muito o que fazer com isso. Primeiro, era só um jeito de exprimir algo que eu estava sentindo, mas também muito voltado para me divertir. Ficou adormecido, mas sempre continuei sendo um grande leitor”, segue.

Após se formar em Jornalismo na Universidade Federal do Ceará e começar a trabalhar com publicidade, entre o fim dos anos 1990 e início dos anos 2000, Pedro se mudou para São Paulo em 2003 buscando expansão de carreira.

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Foi já estabelecido na capital paulista que teve o “último surto, que está continuando até hoje”, como brinca. Em 2014, em meio a um período profissional de menor aproveitamento, decidiu voltar a escrever em paralelo.

“A gente tinha acabado de ter as jornadas de junho. ‘Avenida Molotov’ não é especificamente sobre os eventos, mas os três personagens do livro se desenvolvem nesse contexto”, explica.

“Foi o meu primeiro contato com a literatura, digamos assim, oficial ou profissional, se é que se pode falar desse jeito, porque eu não ganhava nada para fazer, mas tinha ambição de escrever algo mais denso e com mais propósito”


Pedro Guerra

escritor

Livros “paulistas”, mas com memórias de Fortaleza

A publicação do romance de estreia veio em 2018, pela independente Editora Quelônio. “Não passou da bolha dos amigos e conhecidos, mas foi super legal”, relembra. Tomou gosto e começou a escrever um segundo livro.

Enquanto apostava nessa produção, teve a ideia do que viria a ser “O maior ser humano vivo”, obra que “furou a fila” e foi a segunda lançada pelo escritor, daquela vez pela Editora Record.

Ambos os livros já publicados, considera Pedro, são baseados na experiência pessoal de morar em São Paulo.

“Os dois são ‘livros paulistas’, mas tem passagens que tirei de experiências no Ceará”, aponta. O passeio de bicicleta descrito no início de “Avenida Molotov”, por exemplo, vem da lembrança de ir de bicicleta visitar um amigo e passar pelas ruas do bairro Aldeota.

Já em relação a “O maior ser humano vivo” — que traz frases do português José Saramago e do cearense Belchior como epígrafes —, há passagens de lembranças de conversas e experiências vividas junto aos amigos da escola. “Embora seja tudo ambientado em São Paulo, tem muita coisa da minha vida que não foi vivida aqui”, ressalta.

“Funciona assim para todos os escritores, não só para mim. (As lembranças) vão se entremeando na sua vida de um jeito que você não pode nem mais dizer o que pertence a esse ou aquele momento. Pertence à sua existência”


Pedro

escritor

Além do campo das memórias de Fortaleza, Pedro segue visitando a cidade natal e a família que ainda mora aqui. Outra coisa que nunca deixou de lado foi a manutenção da relação com a produção literária feita não somente na Capital, mas no Ceará.

Entre nomes que destaca, estão autores como Natércia Pontes, Lorena Portela, Socorro Acioli, Tito Leite e Jarid Arraes.

“Não é uma questão de ‘vou ver o que os cearenses estão fazendo’, eu já vejo e leio naturalmente porque faz parte do meu convívio literário”, garante. 

Projetos na literatura

Equilibrando o trabalho em publicidade com a carreira de escritor, Pedro destaca que consegue escrever somente nos fins de semana.

Somando as demandas do processo de adaptação à rotina, ele compartilha que já está na produção de outro livro e tem “mais um na cabeça”

Além desses dois, há ainda o livro “engavetado” que escreveu entre “Avenida Molotov” e “O maior ser humano vivo”. “Gosto muito dele. Vou lançar em algum momento, não agora, mas vou revisitar, tem algumas melhorias que quero fazer”, explica. Tudo, repete ele, “sem pressa”.

“(O processo) demora um certo tempo, mas estou querendo lançar alguma coisa no ano que vem. É o objetivo, vamos ver se dá. Também não tenho pressa. O que quero é fazer um trabalho bem feito, contar uma história bem contada”, sustenta.