Morreu Patrícia Saramago, montadora de cinema, e, enquanto tal, figura proeminente do cinema português do século XXI. A notícia foi confirmada pela Academia Portuguesa de Cinema, que emitiu na quarta-feira um comunicado nas redes sociais. “Com obras tão variadas e com uma presença discreta, mas vital, por detrás das câmaras, Patrícia Saramago ajudou a dar forma, ritmo e voz a histórias que nos tocam. O seu percurso dedicado à arte da montagem deixa memória e inspiração”, lê-se.
A morte é sempre injusta, mas é especialmente escandalosa quando vem assim atacar uma pessoa no ano do seu 50.º aniversário (segundo o portal Internet Movie Database, faria 50 anos a 29 de Outubro), e que tinha tanto para nos dar a todos nós, espectadores. A passagem à realização, por exemplo: Patrícia Saramago tinha acabado de dar esse salto, e deixa um filme inédito, concluído muito pouco antes de morrer, que seria (será, é) a sua estreia como realizadora.
Tinha 25 anos na entrada do século XXI e, vinda da Escola Superior de Teatro e Cinema, encontrou-se por essa altura sentada à moviola da montagem de um filme crucial como inauguração do cinema do nosso tempo (e não apenas do cinema português), No Quarto da Vanda (2000), de Pedro Costa, onde partilhou as responsabilidades da montagem com a histórica montadora francesa Dominique Auvray (que tinha estado em vários filmes de Marguerite Duras, por exemplo), e certamente absorveu muito do seu conhecimento e da sua experiência.
Patrícia Saramago voltou, várias vezes, à montagem de filmes de Pedro Costa (curtos e longos), mas por esses anos iniciais do século XXI principiou igualmente a sua mais longa e regular relação de colaboração, aquela que manteve com Rita Azevedo Gomes. Montou vários dos seus filmes, de Frágil como o Mundo (2001) a A Portuguesa (2018), neste último desempenhando também um pequeno papel (uma raridade para uma mulher que preferia largamente a discrição “invisível” da mesa de montagem).
Ao longo dos anos, tornou-se cada vez mais requisitada, e também por realizadores estrangeiros (espanhóis, franceses, alemães). Em Portugal, trabalhou ainda (a lista não é exaustiva) com João Trabulo, Teresa Garcia, Inês Oliveira, Maureen Fazendeiro ou José Barahona (este último também prematuramente desaparecido em 2024).
Patrícia Saramago mantinha-se uma espectadora curiosa, interessada e generosa, como sabem todos os que com ela se cruzavam habitualmente em salas de cinema, na Cinemateca Portuguesa e não só. Dentro em breve, quando se revelar o filme que deixou inédito, falaremos dela também como realizadora de cinema – e também por isso se sente o peso tão estúpido desta morte. Patrícia foi “interrompida”, como diria Nicholas Ray (I Was Interrupted, livro publicado em 1955); e nada pode reparar a cósmica injustiça desta interrupção.