“Quem vai cuidar de mim quando eu envelhecer?” Essa pergunta ecoa cada vez mais em uma sociedade em profunda transformação. Que a população está envelhecendo a passos largos já não há dúvida. A expectativa de vida, que em 1970 era de 57 anos, e nos anos 2000 não passava de 69, hoje atinge 77 anos, segundo o IBGE. Uma conquista que chega envolta em desafios diversos no campo da Gerontologia — uma questão biopsicossocial que se estende também ao tema das moradias.
Os arranjos familiares que antes funcionavam como principal rede de apoio se transformaram: famílias menores e menos pessoas disponíveis para oferecer suporte diário fazem com que a solidão surja como um novo vilão. Nesse cenário, as soluções tradicionais de cuidado nem sempre dão conta das necessidades de quem envelhece.
Estamos atrasados?
No Brasil, o desafio é ainda mais urgente. Enquanto países como a França levaram quase 100 anos para dobrar sua população idosa de 7% para 14%, aqui esse mesmo crescimento ocorrerá em apenas duas décadas, segundo dados do Banco Mundial (2024).
O envelhecimento acelerado da população ainda não é acompanhado por políticas públicas e iniciativas estruturadas capazes de responder a essa mudança — o que evidencia um atraso nas ações e a urgência de novas soluções. Contudo, o envelhecimento não deve ser visto como um problema a ser resolvido, mas como uma realidade a ser acolhida com criatividade, planejamento e solidariedade.
Diante dessa realidade, como garantir que o envelhecer signifique também manter autonomia, convívio social e cuidado mútuo — reconhecendo a moradia como uma forma essencial de cuidado, capaz de promover independência e evitar a solidão?
A resposta começou a surgir na Dinamarca, em 1970, com o nascimento do primeiro cohousing. A ideia era simples, mas revolucionária: criar comunidades colaborativas onde os moradores cuidassem uns dos outros, compartilhassem responsabilidades e permanecessem socialmente ativos, sem depender exclusivamente de familiares ou instituições.
No contexto do sênior cohousing, o foco está em pessoas idosas autônomas, com baixo grau de dependência, que desejam continuar vivendo de forma independente, mas cercadas por laços de amizade, solidariedade e propósito coletivo. Desde então, o conceito se espalhou pelo mundo, adaptando-se a diferentes contextos e propondo um novo modo de viver a velhice.
Autogestão, propósito e vida em comunidade. O cohousing, que possui características próprias — como autogestão, intencionalidade e participação ativa —, vem se apresentando como uma alternativa eficiente para apoiar as questões do envelhecimento. O modelo se assemelha a uma espécie de vila, onde cada morador possui sua própria casa, garantindo privacidade, mas também o privilégio das conexões sociais. Espaços como lavanderia, biblioteca, sala de ginástica e quarto de hóspedes são compartilhados, fortalecendo vínculos de cooperação entre os moradores.
No cohousing, as características relacionadas à autogestão garantem uma estruturação não hierárquica, na qual todas as decisões são tomadas coletivamente. Essa abordagem assegura uma vivência diária ativa e sem monotonia, pois a contribuição de cada morador, com sua experiência e saberes, torna a rotina no cohousing vibrante e cheia de propósito.
Nesse contexto, as próprias questões arquitetônicas assumem papel central nesse contexto. Para acompanhar as transformações naturais do processo de envelhecimento, as moradias não devem — e não podem — ser estáticas. Assim como nós mudamos com o passar do tempo, os espaços também precisam se adaptar às novas demandas, oferecendo segurança, acessibilidade e conforto. A casa, portanto, torna-se uma aliada do cuidado, promovendo um viver mais humano e inclusivo.
Mais acessível do que parece: o fator econômico
O fator econômico também se destaca como um ponto relevante. Ao contrário do que muitos imaginam, o cohousing não é um modelo restrito a pessoas com alta renda. O compartilhamento de espaços e serviços contribui significativamente para a redução de custos: dividir uma única conexão de internet, realizar compras coletivas que aumentam o poder de negociação ou até contratar, em conjunto, profissionais como fisioterapeutas e nutricionistas são exemplos de como a vida em comunidade pode ser mais acessível e sustentável, gerando um consumo mais consciente.
O futuro do cuidado pode estar nas pessoas
Dessa forma, o cohousing tem se mostrado como uma resposta viva e adaptável às transformações da sociedade contemporânea. Mais do que um modelo habitacional, ele representa uma inovação social que valoriza o pertencimento, a cooperação e o respeito às diferenças. Projetos voltados a públicos específicos — como o sênior cohousing, comunidades de mulheres, grupos LGBTQIA+ e arranjos intergeracionais — evidenciam como essa proposta pode se moldar a distintas realidades e trajetórias de vida, sempre com o foco em fortalecer vínculos e promover bem-estar coletivo.
Em um mundo marcado pela hiperconectividade digital e, paradoxalmente, pela solidão crescente, o cohousing resgata o sentido de comunidade. Ele propõe uma nova forma de morar e cuidar, em que a convivência se torna parte do próprio cuidado e o lar passa a ser um espaço de trocas, apoio mútuo e autonomia compartilhada.
Ao unir arquitetura, propósito social e afetos cotidianos, o cohousing reafirma uma ideia essencial: envelhecer com qualidade é, sobretudo, poder escolher estar entre pessoas, construir laços e viver de forma ativa e significativa — porque talvez o verdadeiro futuro do cuidado não esteja apenas nas instituições, mas nas redes de apoio construídas entre as pessoas.
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