O debate entre os seis candidatos à presidência do Benfica foi como um jantar de Natal, mas com microfones: primeiro estava toda a gente de pé, depois lá se sentaram, mesmo assim ninguém se calava e por isso a sobremesa já veio fria.
Metáforas de gosto duvidoso à parte, a verdade é que durante mais de quatro horas o país viu o Benfica no seu estado puro: o clube mais emocional de Portugal transformado num coliseu de organogramas, promessas, ironias e pequenas vinganças.
No fim, ganhou o Benfica: não o dos votos, mas o dos nervos. Aquele que só existe quando seis homens discutem com paixão, porque nenhum deles suporta a ideia de viver num mundo onde a Luz não brilhe intensamente.
E sim, foi divertido.
Venha daí agora avaliar o debate através de meia-dúzia de notas, de 0 a 20, e algumas ideias que sobraram de quatro horas de argumentos.
____________________
Rui Costa
Nota: 14
Entrou no debate com tudo a perder, nada de novo a anunciar e alguma margem para ganhar: afinal de contas, era o alvo a abater e tornou-se saco de pancada. Quando assim é, e a luta acaba por ser tão desigual, qualquer reação decente parece quase uma vitória. Provavelmente por isso, no fim ficou aquela sensação de que Rui Costa foi quem mais ganhou.
A verdade, porém, é que surgiu bem preparado: trazia os dossiers e os detalhes na ponta da língua. Saiu mal, de facto, no dossier João Neves, não conseguindo provar-nos que era impossível fazer mais. Mas até aí marcou um ponto, quando Noronha dizia que um jogador assim tinha primeiro de ser campeão no Benfica e ele respondeu com um lapidar «e foi!». Touché.
A justificação da covid-19 (outra vez), soou a desculpa e não nos convenceu que o Benfica District é possível. De resto, saltou à vista postura presidencial, a voz medida, o olhar frio. Quis ser racional, e conseguiu. Até quando anunciou que não vai cortar relações com nenhum adversário, no que foi apoiado por Luís Filipe Vieira. «Há uns anos o Benfica ficou sozinho, não pode voltar a acontecer», disse o antigo presidente. Mais um ponto para Rui Costa.
Falou em «credibilidade financeira» e em «planeamento», atirou com números que sustentam a aposta na formação (por exemplo, aquele da taxa de utilização dos jovens) e ainda deu outro soco em Noronha Lopes, quando este criticava o apoio do Benfica a Proença: Rui Costa lembrou-lhe então que Nuno Gomes foi dos mais ativos nesse apoio. No fim faltou-lhe o rasgo emocional e a gargalhada genuína. Foi, na verdade, o candidato da responsabilidade.
Momento para a história:
«Se falarmos das pessoas que saíram, talvez o recorde seja seu: 58 dias» – Rui Costa até estava a gerir mal as críticas às muitas saídas na SAD, mas esta resposta a Noronha Lopes foi o golpe técnico do debate.
Momento negativo:
Quando permitiu que Luís Filipe Vieira lhe falasse em tom paternalista, como se ainda estivesse a ensiná-lo a ser presidente.

____________________
Luís Filipe Vieira
Nota: 13
Dá a ideia que foi o único candidato que se apresentou no debate sem ter lido um documento que fosse antes. Porquê? Porque não precisa. Conhece como ninguém os últimos vinte anos do Benfica e tem a experiência que nenhum outro candidato sequer sonha ter. Por isso foi uma espécie de senador, com aquele ar paternalista.
Criticou às vezes, elogiou outras, explicou a Noronha Lopes que uma estrutura grande não ganha campeonatos, disse a Rui Costa que devia ter feito com João Neves o que o Benfica fez com Ruben Dias e garantiu a Martim Mayer que uma Cidade das Modalidades é incomportável financeiramente e só dá prejuízo.
Pelo meio fez uma revelação: vai propor a Mourinho a renovação por quatro anos, e lembrou o sucesso que foi a experiência com Jorge Jesus. Só lhe faltou sublinhar que essa estabilidade foi possível porque, contra tudo e contra todos, decidiu renovar com o treinador. Devia tê-lo feito para esta conversa não parecer apenas mais uma promessa eleitora.
De resto, apareceu no debate como uma personagem saída de um romance realista português: austero, teimoso e convicto. Foi, de longe, o mais genuíno, e talvez também o mais anacrónico. Eu já lá estive, eu já fiz, eu já sei como isso é. Ao contrário de outros candidatos, garantiu que não há fórmulas mágicas para salvar as finanças, para além de fazer tudo o que já se faz, mas melhor. Não é entusiasmante, mas é pelo menos realista.
Momento para a história:
«Manda esta ata fora, está tudo rasurado», atirou a Noronha Lopes, num instante revivalista dos anos 90, que foi cómico, mas não deixa saudades.
Momento negativo:
Após quatro horas de debate, é certo que todos nós tivemos vontade de o fazer. Mas aquele longo e genuíno bocejo de Luís Filipe Vieira nos minutos finais do debate foi talvez demasiado sonoro.

____________________
João Noronha Lopes
Nota: 10
Apresentou uma grande capacidade de retórica, o que significa que as sessões de media training têm feito milagres: a evolução ao longo da campanha é admirável. Foi o candidato do discurso ensaiado, do verbo inflamado e da tese. Se Rui Costa parecia o contabilista do clube, Noronha foi o agitador da plateia: falou alto, interrompeu, gesticulou muito.
Usou várias muletas de discurso: por exemplo, quando começou uma série de respostas a sublinhar estima que tinha por Rui Costa, o que irritou o presidente. «Pare de dizer isso, passou os últimos três meses a atacar-me», disse-lhe Rui Costa. E nessa altura ficou no ar aquela sensação de hipocrisia, que não beneficiou em nada Noronha Lopes.
De resto, insistiu que o Benfica precisa de símbolos, de estabilidade e de cultura de vitória. Nem sempre foi claro no «como», mas foi lapidar no «porquê». Carregou sobre a estrutura que definiu há meses e que cobre vários ângulos importantes para o futebol do clube: uma estrutura de cinco homens, com Nuno Gomes e Pedro Ferreira acima de Mourinho, Tomás Amaral a liderar o scouting e Vítor Paneira ao lado da equipa no banco.
«O Benfica não pode ter cinco treinadores em quatro anos e este carrossel de jogadores que entram e saem. Como se consegue isso? Consegue-se com uma estrutura coesa, estabilidade e e visão de longo prazo», defendeu.
Depois foi atacado por quase toda a gente.
«Não é com muita gente que ganhamos campeonatos. Há muita teoria, um organograma muito bonito, mas nada funciona. Há aqui pessoas sem preparação para os cargos que querem desempenhar», atirou-lhe Vieira, já depois de Rui Costa e Mayer terem insistido na mesma crítica: «Se o futebol está na SAD, explique lá o que faz o vice-presidente para o futebol.» Mesmo assim manteve a convicção e a serenidade, voltou a falar na estrutura, estrutura, estrutura e saiu por cima quando olhou mais além para pedir um clube unido.
Momento para a história:
«Você escolheu um comentador televisivo como diretor desportivo [Rui Pedro Braz]», atirou Noronha a Rui Costa, num dos momentos da noite, para obrigar o adversário a acabar com a falta de preparação de Nuno Gomes e Pedro Ferreira.
Momento negativo:
Quando permitiu que Luís Filipe Vieira lhe tirasse as folhas da mão, para anunciar que aquela ata de uma reunião da direção há mais de vinte anos não era a verdadeira. «Pode deitar isto fora, está tudo rasurado», atirou-lhe.

____________________
Martim Mayer
Nota: 10
Está algures entre a austeridade de um cidadão sueco e a fantasia de Dom Quixote. Alguém escreveu, e com razão, que é um sonhador, a caminhar contra moinhos de vento. De resto, foi Jonker, Jonker, Jonker. O neerlandês é o ás de trunfo de Martim Mayer e o candidato usou-o em todas as circunstâncias. Usou-o tanto, aliás, que deixou de ser um trunfo.
«Temos uma política que não serve. Já combinei com Jonker, 50 por cento da equipa A será da formação de forma consistente. Isso é possível de fazer», referiu, antes de acrescentar que existe uma forma melhor de trabalhar a integração da formação na equipa principal: «Jonker já fez isso no Barcelona, no Arsenal, com Arsene Wenger, no Bayern Munique com Van Gaal, e vai fazê-lo também no Benfica.»
De resto, brilhou num aspeto em que mostrou pensar muito acima de todos os outros candidatos: quando explicou a todos que o Benfica não pode abandonar a centralização dos direitos tv. «Não estamos todos de acordo, Rui, e a questão é simples. O que está na natureza de centralizar é poder vender o futebol português para fora de Portugal. Como vendemos um produto se quando vamos jogar à Amadora ao fim de 10 minutos temos um campo que parece um campo de cebolas?».
Lapidar, de facto. Ou é preciso fazer um desenho?
Momento para a história:
«Você também não diz, está a criticar uma coisa e faz igual», atirou em direção a Noronha Lopes, quando esteve criticava Rui Costa por não explicar como iria duplicar as receitas.
Momento negativo:
O debate não correu nada bem ao candidato, mas aquele momento no fim em que pediu para dizer mais uma coisa e foi calado por Luís Filipe Vieira foi demasiado subserviente.

____________________
João Diogo Manteigas
Nota: 8
João Diogo Manteigas foi… João Diogo Manteigas. O que não é propriamente bom. Tem o dom da frase popular e a aspereza da revolta voz, por isso critica, critica tudo, critica todos, critica muito bem. Mas raramente apresenta uma solução.
Apontou as derrotas de Luís Filipe Vieira, criticou a renovação de Otamendi, censurou a falta de troféus nas modalidades, sobretudo no hóquei em patins, sublinhou que o Benfica é o clube do povo e desafiou os sócios a defenderem um Benfica com princípios.
De concreto, falou do regresso do ciclismo ao clube, da suspensão do decreto-lei sobre os direitos televisivos e da diminuição dos quadros competitivos na Liga. Muito pouco, não é? É. Mas, verdade seja dita, ninguém chega tão certeiro ao coração dos adeptos.
Momento para a história:
Aquela camisola do ciclismo foi inesperada, sem dúvida. Mas Manteigas fez mais do que isso: disse que tinha um parceiro para devolver o Benfica à estrada em 2026 e deixou o acordo disponível para qualquer outro candidato que vença as eleições.
Momento negativo:
Na ânsia de criticar, João Diogo Manteigas disse até que não valia a pena ser o número um na formação se depois não se coloca os jogadores a jogar. O que abriu espaço a Rui Costa para sublinhar o óbvio: «Não se pode dizer a um pai que o filho vai ser titular. Não queiram ser treinadores do Benfica.»

____________________
Cristóvão Carvalho
Nota: 8
Desta vez falou menos em Jurgen Klopp, até porque diz que o Benfica já tem uma espécie de Klopp: José Mourinho, que ganha mais ou menos o mesmo, mas ganhou mais títulos na carreira. O que nos deixou sem perceber se Klopp continua a ser a prioridade ou não.
De resto, falou de um projeto a 12 anos, prometeu um Benfica vencedor, com ambição de voltar a ser campeão europeu. Garantiu que o clube devia comercializar os direitos de tv sozinho, sem entrar na centralização, e disse que não devia meter-se na arbitragem. No que foi muito diferente de João Diogo Manteigas, por exemplo.
Apesar das boas intenções, foi quase uma nota de rodapé num guião de novela, mesmo quando criticou (e fê-lo muitas vezes) os adversários. Noronha Lopes, por exemplo, respondeu à acusação de que vai cortar nas modalidades com um sintomático «nem percebi nada do que disse». Mas todos percebemos. Só não lhe apeteceu responder-lhe.
Momento para a história:
«Falo agora para os dois sócios que estão no Alasca. Vou conseguir que vocês votem», disse no final do debate, por volta da uma da manhã, numa mensagem que foi seguramente ouvida. Até porque o Alasca beneficia da diferença horária.
Momento negativo:
«Não vale a pena estar à espera da Liga ou da FPF. Não temos obrigação de resolver os problemas do futebol português», disse sobre a centralização dos direitos de tv, mostrando que não é muito diferente dos outros.
