O Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves e Acidentes Ferroviários (GPIAAF) não recolheu, até ao momento, qualquer indício de que o cabo foi um dos fatores do acidente. «Neste momento, não se pode afirmar se interveio, ou que intervenção teve, a utilização deste tipo de cabo na rotura ocorrida aos 337 dias de utilização», está escrito, preto no branco, no Relatório Preliminar.
O que a investigação dá como certo é que «houve outros fatores que tiveram forçosamente de intervir». Pelo menos dois, estão já bem documentados: a violação de normas técnicas europeias, tanto no processo artesanal de selagem do cabo à cabine, como na manutenção e inspeção periódica aos funiculares.
Também há causas estruturais claramente identificadas. Desde logo, a escandalosa falta de travões eficazes em caso de rotura do cabo. E a igualmente vexatória omissão de supervisão por parte do Estado central. O GPIAAF recomenda ao Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres a «promoção de um quadro legislativo», para assumir de vez essa competência, tanto nos funiculares como nos elétricos de rua históricos.
Em lugar de seguirem as normas europeias, os operários seguem instruções manuscrtitas num caderno
A controvérsia em torno da alma do cabo, por ser de fibra, é considerada um «lamentável disparate» pelas nossas fontes que melhor conhecem o processo. «Este é um tipo de cabo de uso corrente e que não é invulgar ser utilizado em funiculares», sustenta igualmente o Relatório Preliminar, que até identifica os normativos onde estão previstos, provavelmente com o propósito de pôr um ponto final à enganosa polémica.
Para além disso, o recurso a cabos com núcleo em fibra, nos elevadores da Glória e do Lavra, resultou da «recomendação feita por uma entidade acreditada e especializada na matéria». Em 2011, essa entidade até deu luz verde à instalação de um cabo com alma de fibra têxtil, nesse caso sem certificação industrial para funiculares.
Também é falso que a Carris tenha mudado a tipologia para poupar dinheiro. Só o terá feito devido à «dificuldade de encontrar no mercado» cabos com núcleo de aço.
A compreensão destes mecanismos alternativos de certificação é importante para pesar o significado da conclusão do relatório mais glosada nos últimos dias: «o cabo instalado não estava certificado para utilização em instalações para o transporte de pessoas». Na prática, isto significa que o fabricante, antes da comercialização, nunca o sujeitou aos testes, previstos nas normas, necessários a essa certificação, que são obviamente os mais exigentes.
Isso não faz do cabo, necessariamente, um perigo. O GPIAAF esclarece que «a sua força de rotura mínima, de 662 kN [quilonewton], declarada no certificado de inspeção do fabricante, embora abaixo do requerido pela norma acima referida, era largamente suficiente para a carga a que estava sujeito no Ascensor da Glória». De facto, este valor indica que foi projetado para suportar, no mínimo, 67,5 toneladas de força. A resistência do cabo que colapsou no acidente «ultrapassava bastante o fator de segurança» requerido na norma EN12927, relativa aos requisitos dos cabos para funiculares, teleféricos e quaisquer outras instalações de transporte de pessoas.
Há um aspeto que o GPIAAF vai sujeitar a análises. O cabo não era indicado pelo fabricante para ser introduzido em ‘destorcedores’, peças que fazem parte do sistema de fixação às cabines dos funiculares da Glória e do Lavra. Contudo, o relatório esclarece que os cabos com alma de aço, usados até 2022, sendo mais robustos, padeciam da mesma contraindicação.
Há uma razão prosaica em favor da absolvição desta tipologia de cabo. Um primeiro exemplar entrou ao serviço em 20 de dezembro de 2022, no Elevador da Glória, e em 22 de março de 2023, no Lavra. Foram substituídos no ano passado, sem registo de problemas. «Cabos iguais estiveram em uso durante 601 dias no Ascensor da Glória (e 606 dias no Ascensor do Lavra), sem incidentes. Por esse motivo, não é possível neste momento afirmar se as desconformidades na utilização do cabo são ou não relevantes para o acidente», conclui o Relatório Preliminar.
A ‘pinha’ é executada
na extremidade do cabo