Pode ser-se bom a dormir? A realizar a simples tarefa de conciliar o sono? Só quem sofre de insónia sabe que a resposta existe, e é dolorosa e cabal. A francesa Marie Darrieusecq escreveu para um semanário mensalmente durante dois anos sobre duas décadas de vigília. O resultado é “Não Dormir”, acabado de publicar pela Zigurate, que as colige. Define que não dormir é “deambular sem sombra”, o que acontece num presente absoluto, porque “nada perturba o insone” – nada o impede de não dormir. O início de um livro é, muitas vezes, o fio que nos mantém a ele ligados. E Darrieusecq sabe tecê-lo. Conta-nos logo como a insónia tem um santo patrono – Kafka, que disse: “Medo da noite. Medo da não-noite.” -, um proprietário – Cioran – e um campeão – Proust. O volume (pouco mais de 150 páginas) é uma viagem literária que não atiça minimamente o sono, adia-o no melhor sentido, pelo menos até chegarmos ao final.

Entre soporíferos, hipnóticos e sedativos de que a autora depende para alcançá-lo, nem que seja por minutos, a saga de os arranjar não é arredada do relato: “Implica um médico e um ritual de sedução com o médico, por vezes de um farmacêutico, uma relação com este, isto é, cumplicidade. Quer se queira ou não, forma-se um laço.” Ao que se associa a própria literatura, “em busca da companhia dos agarrados aos dormitivos”, como Marguerite Duras, como Petra von Kant numa peça de Fassbinder, como Peter Handke ao contar, em “Um Adeus Mais-Que-Perfeito”, a história da sua mãe. E segue, Sadeq Hedayat, Kenzaburo Oe, Clarice Lispector, que “atordoada por soporíferos e de cigarro na mão” quase morreu num incêndio na sua própria casa no Leme, Rio de Janeiro. “Em todos os continentes”, descobre Darrieusecq, “a literatura só fala disso. Como se escrever fosse não dormir.”