Hugo Gonçalves foi, durante anos, um escritor emocionado. Em tudo o que escrevia o autor punha um deslumbramento, uma curiosidade quase infantil e um êxtase adolescente. A idade, contudo – e se tivermos sorte, claro -, bate sempre à nossa porta. E o escritor que parecia ter sempre uma roda no ar aterrou, nos últimos anos, e mostrou-se mais adulto. Tudo isto são, claro, impressões – e a culpa de as termos é dele, que nos abriu o coração, no díptico que começou com Filho da Mãe e agora se encerra com Filho do Pai.



Vencedor do Prémio Literário Fernando Namora e autor reconhecido quer pela crítica quer pelas tabelas de vendas, Hugo Gonçalves apresenta, neste livro que chegou às bancas em março deste ano, um texto tão íntimo como já o tinha sido Filho da Mãe, que foi lançado em 2019. Sem problemas em se apresentar auto-biográfica, este é um livro sobre o que significa hoje ser homem e pai, escrito no caminho entre o nascimento de um pai (Hugo Gonçalves) e a morte de outro (o pai do autor).

“Uma morte e um nascimento separados por poucos meses. Um desencontro que impediu Hugo Gonçalves de ser pai e filho ao mesmo tempo, mas que o levou a indagar a história da família e um património em que a virilidade era uma divisa”, diz-nos a sinopse do livro.

Num estilo que saltita ente o diário e o romance, Hugo Gonçalves equilibra-se entre o drama e o humor. E não se esquiva de confissões desconfortáveis, que podemos imaginar duras de escrever e seguramente difíceis de ler: “Da última vez que tinha falado com o meu pai, antes do reencontro, dissera-lhe, em jeito de despedida, que estava grato pelo que fizera por mim, mas que a nossa relação se interrompia, a bem da minha paz de espírito. Ele respondera: “És uma má pessoa, basta ler as coisas que escreves.”

A doença do pai, um cancro que começara na próstata, contemporânea da pandemia que assolou o mundo em 2020, “tudo domina e destrói”. Está lá, porém, sempre a promessa do filho: “Quando a M. falava com o bebé, na barriga, e dizia ‘pai’, referindo-se a mim, a palavra designava ainda, e apenas, o meu pai. Essa palavra-posto deveria ser dele para sempre, e o meu pai persistia em mim.” E depois estão lá as ecografias, as expetativas, as memórias de Nova Iorque e do Rio de Janeiro (onde o autor viveu) e do primeiro encontro com a mãe do filho – mas está a mãe, a mãe de Filho da Mãe, que parece nortear até este Filho do Pai. 

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