Os astrónomos detetaram uma colisão entre dois buracos negros com um detalhe sem precedentes, oferecendo a visão mais nítida até hoje sobre a natureza destas estranhas entidades cósmicas e confirmando previsões antigas feitas pelos lendários físicos Albert Einstein e Stephen Hawking.

O evento, designado GW250114, tornou-se conhecido em janeiro, quando os investigadores o detetaram através do Observatório de Ondas Gravitacionais por Interferometria Laser (LIGO) — um conjunto de dois instrumentos idênticos situados em Livingston (Louisiana) e Hanford (Washington). Os instrumentos registaram ondas gravitacionais, pequenas ondulações no espaço-tempo produzidas pelo choque entre os dois buracos negros.

Procurar ondas gravitacionais — fenómenos previstos em 1915 como parte da teoria da relatividade de Einstein — é a única forma de identificar colisões de buracos negros a partir da Terra. Einstein acreditava que as ondas seriam demasiado fracas para serem detetadas pela tecnologia humana, mas, em setembro de 2015, o LIGO registou-as pela primeira vez, conquista que viria a render um Prémio Nobel a três cientistas que deram contributos decisivos para o desenvolvimento deste “telescópio de buracos negros”.

Os buracos negros recentemente detetados tinham cada um cerca de 30 a 35 vezes a massa do Sol e rodavam muito lentamente, revelou Maximiliano Isi, professor assistente de astronomia na Universidade de Columbia e astrofísico do Centro de Astrofísica Computacional do Instituto Flatiron, em Nova Iorque. Isi liderou um novo estudo do consórcio LIGO-Virgo-KAGRA com base nos dados do GW250114, publicado na quarta-feira na revista Physical Review Letters.

“Os buracos negros estavam a cerca de mil milhões de anos-luz de distância e orbitavam um ao outro quase em círculo perfeito”, afirmou Isi. “O buraco negro resultante tinha cerca de 63 vezes a massa do Sol e girava a 100 rotações por segundo.”

Estas características tornam a fusão uma réplica quase exata da primeira deteção histórica há dez anos, observou Isi. “Mas agora, como os instrumentos melhoraram imenso desde então, conseguimos observar estes dois buracos negros com muito mais clareza, à medida que se aproximaram e se fundiram num só”, acrescentou.

Isi sublinhou que esta observação oferece aos cientistas uma nova perspetiva sobre a dinâmica do espaço e do tempo.

Einstein e o toque de um sino cósmico

O LIGO — que conta também com dois instrumentos “irmãos” mais pequenos, o Virgo (em Itália) e o KAGRA (no Japão) — é gerido por uma comunidade científica global com cerca de 1.600 investigadores. Funciona detetando minúsculas variações no espaço provocadas pelas ondas gravitacionais, correspondentes a “uma alteração de distância mil vezes menor do que o raio do núcleo de um átomo”, explicou Isi. Até agora, os cientistas já o usaram para observar mais de 300 fusões de buracos negros.

No início deste ano, o instrumento detetou a colisão mais massiva até à data, entre dois buracos negros com aproximadamente 100 e 140 vezes a massa solar.

Desde o seu lançamento, vários componentes essenciais do LIGO — incluindo os lasers e os espelhos — foram modernizados para aumentar a precisão e reduzir o ruído de fundo. Esta melhoria tornou a nova observação mais de três vezes mais precisa do que a primeira, há uma década.

Essa clareza sem precedentes permitiu aos astrónomos confirmar com o GW250114 previsões sobre buracos negros formuladas há décadas por físicos de renome.

A primeira previsão, elaborada em 1963 pelo matemático neozelandês Roy Kerr, baseia-se na teoria da relatividade geral de Einstein e afirma que os buracos negros devem ser objetos paradoxalmente simples, descritos por uma única equação.

“Sim, os buracos negros são misteriosos e complexos, com implicações profundas para a evolução do universo”, explicou Isi, “mas, matematicamente, pensamos que podem ser descritos apenas com dois números. Tudo o que há para saber sobre eles depende do seu tamanho — ou seja, da sua massa — e da velocidade a que rodam.”

Para testar esta teoria, os investigadores recorreram a uma característica única das colisões de buracos negros: um “toque” ou vibração, semelhante ao som de um sino depois de ser atingido. “Se tiver um sino e o bater com um martelo, ele vai tocar”, observou Isi. “A altura e a duração do som, as suas características, dizem-lhe algo sobre a composição do sino. Com os buracos negros acontece algo semelhante — eles ‘ressoam’ em ondas gravitacionais.”

Esta ressonância contém informações sobre a estrutura do buraco negro e o espaço à sua volta, acrescentou Isi. Embora o fenómeno já tivesse sido observado de forma ténue anteriormente, o GW250114 devolveu um sinal com dois modos — um fundamental e um harmónico — com muito mais nitidez.

“Identificámos duas componentes dessa vibração, o que nos permitiu confirmar que este buraco negro é realmente compatível com uma descrição baseada apenas em dois números: massa e rotação”, explicou. “E isto é fundamental para a nossa compreensão do funcionamento do espaço e do tempo — estes buracos negros devem ser, de certo modo, desprovidos de características. É a primeira vez que conseguimos vê-lo de forma tão convincente.”
 

O teorema da área de Hawking

A segunda previsão confirmada pelo GW250114 foi feita em 1971 pelo físico britânico Stephen Hawking, e afirma que, quando dois buracos negros se fundem, a área de superfície resultante deve ser igual ou superior à soma das áreas dos buracos negros originais.

“É um teorema profundo, mas muito simples, que diz que a área total da superfície de um buraco negro nunca pode diminuir — só pode aumentar ou permanecer igual”, explicou Isi.

Embora observações anteriores do LIGO já tivessem fornecido indícios da validade do teorema, a nitidez deste novo sinal dá aos investigadores uma confiança sem precedentes, acrescentou.

“Como conseguimos identificar a parte do sinal que vem dos buracos negros ainda separados, conseguimos deduzir as suas áreas a partir daí”, detalhou. “Depois analisamos a parte final do sinal, proveniente do buraco negro resultante, e medimos a sua própria área.”

Tal como a equação de Kerr, o teorema de Hawking também assenta na obra de Einstein: “As teorias de Einstein são o sistema operativo de tudo isto”, explicou Isi.

Kip Thorne, um dos três laureados com o Prémio Nobel pelas contribuições ao LIGO, contou que Hawking lhe telefonou assim que soube da deteção de ondas gravitacionais em 2015, perguntando se o observatório conseguiria testar o seu teorema. “Se Hawking fosse vivo, teria ficado encantado ao ver a área dos buracos negros fundidos aumentar”, afirmou Thorne sobre o célebre físico, falecido em 2018, num comunicado sobre as novas descobertas.

É notável, observou Isi, como este trabalho teórico seminal está a ser confirmado décadas depois, graças a instrumentos avançados. Confirmar a equação de Hawking, acrescentou, pode ter implicações importantes para um dos grandes objetivos da física moderna: conciliar a teoria da relatividade geral, que descreve a gravidade, com a mecânica quântica, que explica o mundo subatómico.

“O LIGO criou uma nova área inteira da astronomia. Revolucionou a forma como pensamos sobre objetos compactos, especialmente buracos negros”, afirmou Isi. “Antes do LIGO, nem sequer tínhamos a certeza de que os buracos negros pudessem fundir-se e colidir desta forma.”

Este gráfico representa as descobertas feitas pela rede LIGO-Virgo-KAGRA (LVK) desde a primeira deteção do LIGO, em 2015, de ondas gravitacionais emanadas de um par de buracos negros em colisão. Caltech

Um marco esperado há muito tempo

As ondas gravitacionais são extremamente fracas, e a tarefa colossal de as detetar é frequentemente comparada a “procurar uma agulha num palheiro”, afirmou Emanuele Berti, professor de física e astronomia na Universidade Johns Hopkins, que não participou no estudo. Berti descreveu os detetores do LIGO como “aparelhos auditivos” que ajudam nesse processo.

“Um grande grupo de cientistas passou os últimos dez anos a melhorar esses aparelhos auditivos, e agora conseguimos ‘ouvir’ os sinais com muito mais nitidez”, afirmou por email. “Podemos agora testar princípios fundamentais da gravidade que há dez anos eram impossíveis de testar.”

Entre esses princípios, acrescentou, está a ideia de que os buracos negros são os objetos macroscópicos mais simples do universo. O nível de detalhe da “ressonância” produzida pela colisão GW250114 permite afirmar com confiança que o objeto final é consistente com os buracos negros previstos pela relatividade geral de Einstein — algo que Berti descreveu como “profundamente entusiasmante.”

Leor Barack, professor de física matemática na Universidade de Southampton, no Reino Unido, que também não participou no estudo, observou que, entre os mais de 300 eventos de fusão de buracos negros registados pelo LIGO, este é “particularmente espetacular” e descreveu o novo estudo como uma análise há muito aguardada. Os cientistas conseguiram extrair dois tons puros do buraco negro remanescente à medida que este se estabilizava na sua forma final.

“Isto incluiu, pela primeira vez, a extração nítida do primeiro ‘harmónico’, um som mais ténue e harmonioso do toque do buraco negro, além do tom principal”, explicou. “Este tipo de teste é o mais preciso até à data, de longe.”

O estudo representa um marco significativo na astronomia das ondas gravitacionais, afirmou Macarena Lagos, professora assistente no Instituto de Astrofísica da Universidade Andrés Bello, no Chile, que também não participou no trabalho.

Lagos concordou que a deteção de um segundo tom na “ressonância” do buraco negro é particularmente relevante, acrescentando que o GW250114 demonstra o sucesso das melhorias contínuas do LIGO e mostra que as deteções de ondas gravitacionais podem testar a física fundamental de formas nunca antes possíveis.

“Embora os testes atuais da gravidade ainda apresentem grandes incertezas, este trabalho estabelece as bases para futuras deteções de qualidade ainda superior, esperadas nos próximos anos”, afirmou Lagos num email. “Essas futuras observações prometem fornecer testes mais precisos da nossa compreensão do espaço-tempo e da gravidade.”