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Há cerca de 66 milhões de anos, durante a Primavera do hemisfério Norte, um asteróide com 9,5 quilómetros de comprimento embateu na actual península do Iucatão. O desastre daí resultante levou à extinção de 75 por cento das espécies do nosso planeta, incluindo quase todas as linhagens de dinossauros, excepto as aves com bico.

O impacto foi devastador. O rescaldo foi apocalíptico. Mas o que se passaria imediatamente antes deste acontecimento cataclísmico?

Há muito que os paleontólogos discutem se os dinossauros já estariam em declínio quando o asteróide embateu ou se ainda prosperavam e davam origem a novas espécies. Fósseis descobertos no Novo México e datados de cerca de 340.000 anos antes do embate do asteróide, pintam uma imagem vívida: segundo um novo estudo, os dinossauros prosperavam aquando do impacto.

Os dinossauros que dominavam a paisagem do Novo México pré-histórico, aquando deste evento, eram verdadeiros gigantes, como o Alamosaurus, um enorme herbívoro de pescoço comprido.

“Consigo imaginar a cena: num minuto, um dinossauro do tamanho de um avião a jacto estava a fazer o chão tremer com os seus passos. No minuto seguinte, a Terra inteira estava a tremer com a energia libertada pelo asteróide”, diz Stephen Brusatte, explorador da National Geographic, paleontólogo da Universidade de Edimburgo, na Escócia, e autor do estudo.

O autor (à esquerda) e o seu colega paleontólogo Daniel Vidal

A descoberta, publicada na passada quinta-feira na revista Science, defende que os dinossauros da América do Norte não estavam em declínio antes do seu desaparecimento estrondoso. O estudo também fornece informação sobre a diversidade das espécies de dinossauro que viviam na região sudoeste da América do Norte no final do Cretácico.

Novas datas para os fósseis do Novo México

Muito daquilo que os paleontólogos sabem sobre o destino dos dinossauros não-avianos veio de fósseis descobertos na região ocidental da América do Norte, sobretudo nas formações de Hell Creek e Fort Union. Estes afloramentos rochosos dos estados de Montana, Dacota (do Norte e do Sul) e Wyoming preservaram imagens de espécies terrestres antes e depois da colisão. Mostram que dinossauros como o Tyrannosaurus, o Triceratops, o Edmontosaurus e o Ankylosaurus viviam nas antigas planícies de aluvião preservadas em torno das Montanhas Rochosas.

Mais a sul, porém, no Novo México do período Cretácico, um grupo diferente de dinossauros deambulava pelas terras baixas. Os investigadores olharam para os dinossauros do sudoeste – que incluíam o Kritosaurus, com o seu bico em forma de pá, oTorosaurus, com os seus três cornos, e o Glyptodontopelta, com a sua carapaça – para investigar qual seria o seu estado imediatamente antes do embate do asteróide.

Montar as peças do puzzle da cronologia destes dinossauros exigiu anos de pesquisa e trabalho de campo em busca de pistas nas rochas e nos sedimentos.

“Este projecto demorou mais de uma década: algumas das primeiras amostras geocronológicas foram recolhidas antes de eu começar a pós-graduação”, diz Andrew Flynn, paleobotânico da Universidade Estadual do Novo México e primeiro autor do artigo.

Paleontólogos Luis Chiappe (à direita) e Pedro Moch
Caitlin Leslie recolhe amostras paleomagnéticas Daniel J. Peppe

A investigadora Caitlin Leslie recolhe amostras paleomagnéticas da Formação Nacimiento, do Baixo Pleistocénico, na Bacia de San Juan, no noroeste do Novo México.

Flynn e a sua equipa estudaram camadas de rocha da Bacia de San Juan, no Novo México, numa área conhecida pelos geólogos como Naashoibito Member. A idade exacta destas rochas ainda não tinha sido determinada. Investigações anteriores estimaram que teriam cerca de 70 milhões de anos – milhões de anos antes do impacto do asteróide.

Contudo, a nova investigação realizada por Flynn e a sua equipa reviu as datas, corrigindo-as para 66,4 a 66 milhões de anos, o que significa que os dinossauros encontrados nestas rochas do Novo México viveram até meio milhão de anos antes do asteróide.

Isso sugere que estes dinossauros viveram aproximadamente na mesma altura que os dinossauros descobertos nas formações de Hell Creek e Fort Union, na região ocidental da América do Norte. Com efeito, mostra que dinossauros como o Alamosaurus, do Novo México pré-histórico estavam ainda mais próximos do local do impacto, em Chicxulub, no México, do que os Triceratops que viviam no antigo Montana.

Para situar devidamente os dinossauros no tempo, Flynn e os seus colegas recolheram várias amostras geológicas em Naashoibito Member, no Novo México, e submeteram-nas a uma técnica de datação especial que analisou cristais minúsculos no interior das rochas a fim de determinar há quanto tempo tinham sido depositados. Embora estudos anteriores tivessem proposto que os dinossauros de Naashoibito tinham vivido milhões de anos antes do impacto, o novo estudo aperfeiçoou as datas, situando-as cerca de 340.000 anos antes do final do Cretácico.

Isto sugere que América do Norte era o lar de várias comunidades de dinossauros, que evoluíam lado a lado, em diferentes bacias, mesmo antes do desastre.

“Acho que o facto de os depósitos da Bacia de San Juan datarem do final do Cretácico é um contributo significativo e importante para o nosso conhecimento do final desse período”, diz Manabu Sakamoto, paleobiólogo da Universidade de Reading, em Inglaterra, que não participou no estudo.

Muitos e prósperos

Não só os dinossauros prosperavam até imediatamente antes da extinção, como Flynn e os seus colegas descobriram que os últimos dinossauros da América do Norte estavam divididos em diferentes comunidades de espécies, dependendo do sítio onde viviam.

Os especialistas chamam “provincialismo” a este comportamento, segundo o qual as espécies novas evoluem em bolsas geográficas, estando frequentemente separadas por diferenças na vegetação, temperatura e outros fenómenos naturais.

Alguns dos últimos dinossauros do Cretácico que deambularam pelo Novo México eram muito parecidos com os que viviam mais a norte. O Tyrannosaurus, mais conhecido devido aos esqueletos encontrados em locais como Saskatchewan, Canadá e Montana, também perseguiram presas no Novo México imediatamente antes do impacto do asteróide.

Outros, porém, eram surpreendentemente diferentes, como o Alamosaurus.

O maior dinossauro que viveu no Novo México durante o Cretácico, o Alamosaurus poderia ter mais de 24 metros de comprimento e pesar mais de 30 toneladas. Assinalou o regresso dos grandes dinossauros saurópodes à região ocidental da América do Norte, descendentes de antepassados titanossauros que viviam mais a sul.

“Nada ilustra melhor a forma como os dinossauros prosperaram até ao fim do que o facto de o Alamosaurus – um dos maiores dinossauros de sempre – ter assistido ao embate do asteróide”, diz Brusatte.

Daniel Peppe recolhe amostras das primeiras rochas formadas após a extinção dos dinossauros Thomas Williamson

O investigador Daniel Peppe recolhe amostras das primeiras rochas formadas após a extinção dos dinossauros na Bacia de San Juan, no noroeste do estado do Novo México.

Após a atribuição de novas datas às camadas rochosas, Flynn e os seus colegas compararam as espécies de dinossauros que viveram na região ocidental da América do Norte há entre 75 e 66 milhões de anos. Essa comparação iria revelar se o continente fora o lar de apenas meia dúzia de espécies de dinossauro antes da extinção ou de vários tipos de dinossauros.

As conclusões da equipa somam-se a um crescente corpo de evidências, segundo as quais a vida antiga formava comunidades regionais de espécies diferentes, em vez de uma única comunidade de dinossauros distribuída por todo o continente, diz Sakamoto.

A principal característica que dividia as comunidades de dinossauros do norte e do sul, propõem Flynn e os seus colegas, era a temperatura.

O herbívoro gigante Alamosaurus vivia nas regiões mais quentes do sul, no final do Cretácico, mas estava ausente dos habitats mais frescos do norte, habitado por muitos mais dinossauros com bico de pato e cornos. Uma vez que estes dinossauros eram animais de grande porte, capazes de percorrer longas distâncias, e algumas espécies, como o Tyrannosaurus, viviam em ambas as regiões, parece que a temperatura era mais importante para a criação de diferentes comunidades de dinossauro do que uma barreira geográfica como uma cordilheira montanhosa ou um sistema fluvial, dizem os investigadores.

Esta sensibilidade à temperatura e às condições naturais do continente sugerem que ainda existem comunidades de dinossauros únicas por descobrir, não só na América do Norte como noutros locais do mundo.

“Acho que o nosso novo trabalho mostra que precisamos de fazer mais investigação em novas áreas das extinções em massa K/Pg”, diz Flynn, especialmente no hemisfério Sul.

Os estudos em curso na América do Sul estão a compor uma imagem dos últimos dinossauros do continente, mostrando como se comparavam com os que viviam noutras parte do planeta. Identificar as espécies-chave e o local onde viviam é uma parte essencial da montagem de um cenário verdadeiramente global do evento de extinção.

Embora o destino dos grandes dinossauros seja bem conhecido, os paleontólogos só agora começam a descobrir os dinossauros que assistiram ao final do Cretácico.