Quando o assunto é construção, a maioria das pessoas pensa em cimento, tijolo e concreto. Para o artista plástico Diego Paiva, de 38 anos, bastam madeira, tinta acrílica, resina e plástico para erguer verdadeiros impérios em miniatura.
Nascido em Belo Horizonte e formado em artes plásticas pela Escola Guignard (Uemg), Diego se define como miniaturista. O trabalho do artista é criar dioramas, ou seja, representações tridimensionais de cenas e paisagens que misturam realismo e arte urbana.
A relação de Diego com as miniaturas começou cedo. Aos 15 anos, ele já produzia as primeiras peças de forma comercial, antes mesmo de entrar na faculdade. As inspirações vieram do cinema, especialmente dos filmes e clipes musicais que usavam efeitos especiais com miniaturas.
Diego Paiva se esmera para criar suas obras. Fotos: Rodney Costa
O artista cita “Titanic” (1997), pelas cenas detalhadas do transatlântico feitas em miniatura, e a trilogia original de “Star Wars” (1977) como grandes referências. “Eu sempre tive coleção de bonecos, de miniaturas. Sempre gostei”, conta. Ele também era fã dos brinquedos Comandos em Ação e Playmobil, febre nos anos 1980, além de figuras de Pokémon feitas em massa de modelar. “Desde criança eu sabia que queria ser artista”, lembra.
O processo criativo de Diego começa pela identificação cultural com o ambiente retratado. Ele visita os locais, fotografa as estruturas reais e depois as reconstrói em madeira, complementando com tinta, resina e plástico. Algumas obras levam dois dias para ficar prontas; outras, como a miniatura de uma favela, podem demorar até cinco anos, ainda que em períodos intercalados.
Além do cinema, Paiva se inspira em nomes das artes plásticas que vão de Caravaggio, mestre do barroco italiano, e Édouard Manet, um dos grandes nomes do impressionismo francês com influências realistas, a Norman Rockwell, ilustrador norte-americano, e Lucian Freud, pintor conhecido por retratar a complexidade humana.
Memória, território e afeto
“Gosto de representar locais que geralmente são invisíveis para a sociedade. As miniaturas, em geral, mostram castelos medievais europeus ou construções ricas. Eu quero mostrar o contrário”, explica o artista, ao mostrar uma miniatura com 2,2 m de comprimento, 1 m de altura e 1 m de largura retratando cenários do Aglomerado da Serra, na região Centro-Sul de Belo Horizonte, e do Morro do Vidigal e da Cidade de Deus, ambos no Rio de Janeiro. “Essa miniatura é sem dúvidas a maior que eu já fiz em termos tanto de tempo de dedicação (cinco anos) quanto de tamanho”. Por ora, Diego estima que deve concluir o projeto ainda neste ano e, ao finalizar, vai fotografar, divulgar e expor a obra.
A música tem papel central na obra de Diego. Samba e rap, gêneros que nasceram nos morros, inspiram tanto a estética quanto o discurso social presentes nas criações. De Paulinho da Viola, Caetano Veloso e Chico Buarque a Racionais MCs e MV Bill, as referências se misturam em sua rotina de trabalho. Ele já colaborou com Djonga, criando um carro em miniatura para o clipe “NÓS”, produzido pela Babylônia Filmes, e também trabalhou com Edgar e Hot (ex-Hot & Oreia).
Além disso, Diego produziu uma série com dez miniaturas de rappers brasileiros, como Sabotage, Negra Li e Mano Brown, pensada para exposição e monetização via conteúdo, e não para venda direta. “Não é meu objetivo vender essa série. É mais para exibição em exposições”, ressalta o artista. Mesmo assim, ele recebe encomendas individuais.
Algumas dessas peças são vendidas, outras ficam guardadas em casa, compondo um acervo pessoal. Diego Paiva acredita que as obras despertam emoção e revela que algumas pessoas chegam a se emocionar ao ver as miniaturas. O artista também já participou do Festival CURA (Circuito Urbano de Arte), reforçando sua conexão com a cena artística de Belo Horizonte.
Mais do que a técnica, o que move Diego é o desejo de preservar memórias. Muitos o procuram para recriar casas de família, comércios antigos ou espaços afetivos. “Um cliente me pediu a casa da avó em miniatura. Outro quis a venda do pai dele, na Serra do Cipó”, relata. A obra foi entregue por R$ 5.000.
Segundo Paiva, não há um preço fixo para suas criações, pois cada projeto é orçado individualmente segundo suas características próprias. “Durante o orçamento, são avaliados complexidade, tamanho, detalhes e investimento. É muita técnica e responsabilidade. No final de ano, para presentes afetivos, a demanda é alta”, explica o artista, que enxerga suas criações como uma forma de preservar a memória e o território ao representar o cotidiano brasileiro e as favelas urbanas, que ele observa serem frequentemente sub-representadas na arte. “Eu quero mostrar que a beleza também mora onde a sociedade prefere não olhar”, destaca.
Uso de IA é um problema?
Com um trabalho que exige técnica, paciência, dedicação e um olhar apurado para o detalhe, Diego Paiva observa que, em tempos de imagens digitais e inteligência artificial, o verdadeiro desafio para os escultores não está nos algoritmos, mas na impressão 3D. “A IA ou a impressora 3D não vão fazer algo igual ao que eu faço. Mas, como escultor, vejo que a impressão 3D prejudica, porque você não precisa saber esculpir, basta criar uma modelagem e imprimir qualquer coisa que quiser”, avalia. Para ele, o valor da arte reside no processo, na imperfeição e na emoção contida em cada peça.
Boêmio e observador, Diego Paiva encontra inspiração nas ruas e nos detalhes das cidades por onde passa, estudando com calma antes de transformá-las em miniatura. Longe das redes sociais, ele prefere o contato direto. Quem quiser encomendar ou conhecer os trabalhos do artista pode escrever para diegoparreirax@gmail.com.
BH é quem?
Diego Paiva transforma memórias e paisagens das periferias em miniaturas realistas, recriando casas sobrepostas, vielas estreitas, muros descascados, carros antigos e pequenos elementos do cotidiano, como caixas d’água, varais e relações afetivas e de poder. Entre tantos detalhes, um chama a atenção: a assinatura do artista João Goma, de 42 anos, um dos principais nomes do grapixo – arte urbana que mistura pichação e grafite – em Belo Horizonte.
Goma conheceu o trabalho de Paiva por meio desta reportagem e se emocionou ao ver sua marca reproduzida em miniatura no Aglomerado da Serra, bairro que inspira parte das criações do miniaturista.
Detalhe da homenagem a João Goma. Foto: Rodney Costa
“Fiquei muito surpreso e feliz com essa homenagem, essa releitura da cidade. O meu objetivo com o grafite sempre foi este, ter o retorno, o reconhecimento da galera. Ver o Diego usando meu nome como parte de um trabalho artístico é muito legal. Achei o trabalho dele massa demais”, conta João Goma.
*Estagiária sob supervisão de Ana Clara Brant