Os Neandertais, assim como os primeiros humanos modernos, desempenharam um papel ativo na transformação dos ecossistemas europeus muito antes do advento da agricultura. É o que diz um estudo publicado recentemente na revista PLOS One, contrariando a visão tradicional de que essas populações eram meros forrageadores em uma natureza intocada.
A equipe internacional de pesquisadores, composta por arqueólogos, ecologistas e cientistas do clima da Holanda, Dinamarca, França e Reino Unido, utilizou simulações computacionais avançadas para investigar as interações entre clima, fauna, fogo e atividades humanas na modelagem das paisagens pré-históricas na Europa. Os resultados obtidos desafiam a teoria comum que minimiza o impacto humano sobre o meio ambiente antes do surgimento da agricultura.
Sob a liderança da arqueóloga Anastasia Nikulina, da Universidade de Leiden, os pesquisadores desenvolveram um modelo complexo denominado HUMLAND (Impacto Humano nas Paisagens), adaptado para simular como os caçadores-coletores interagiram com seus ambientes durante dois períodos quentes significativos: o Último Interglacial (cerca de 125.000 a 116.000 anos atrás), habitado apenas por Neandertais, e o início do Holoceno (cerca de 12.000 a 8.000 anos atrás), quando os caçadores-coletores mesolíticos de Homo sapiens ocupavam o continente. As informações são do portal Archaeology News.
Ao comparar as simulações do modelo com reconstruções baseadas em pólen sobre a vegetação, os pesquisadores encontraram discrepâncias marcantes entre o que o clima poderia explicar isoladamente e o que realmente aparece no registro fóssil. Mesmo após considerar ocorrências naturais de incêndios florestais, pastoreio animal e mudanças climáticas, as explicações ainda eram insuficientes, até que a variável comportamento humano foi adicionada ao cálculo.
As atividades humanas, como a queima de vegetação para manejo das paisagens e a caça de grandes herbívoros como bisões, auroques e até elefantes, mostraram ter um impacto significativo na composição e abertura da vegetação. O uso do fogo favoreceu a abertura das florestas e a manutenção das pastagens, enquanto a caça diminuiu a pressão de pastoreio, permitindo que algumas áreas se tornassem mais densas em arbustos e árvores.
Os resultados indicam que os caçadores-coletores mesolíticos podem ter influenciado até 47% da distribuição das espécies vegetais, enquanto os Neandertais afetaram cerca de 6% dessa distribuição e 14% da abertura da vegetação. Mesmo onde o uso do fogo era limitado, a caça teve um grande impacto ecológico. Isso sugere que tanto Neandertais quanto Homo sapiens primitivos modificaram áreas semelhantes ao redor de seus acampamentos e compartilhavam preferências por paisagens abertas.
O método adotado pelos pesquisadores não se destacou apenas pela utilização abrangente de dados continentais, mas também pela integração da inteligência artificial. Por meio de um algoritmo genético, foi possível explorar milhares de cenários possíveis para identificar aqueles que melhor correspondiam aos dados reais de pólen. Essa combinação entre arqueologia, ecologia e ciência computacional permitiu quantificar até que ponto os primeiros humanos moldaram seu ambiente.
As descobertas retratam uma Europa pré-histórica como um ambiente dinâmico já transformado pelos humanos. Segundo a fonte, os incêndios e as atividades de caça teriam criado efeitos cascata nos ecossistemas, alterando comunidades vegetais e estruturas paisagísticas muito antes do arado ser utilizado.
Giovanna Gomes é jornalista e estudante de História pela USP. Gosta de escrever sobre arte, arqueologia e tudo que diz repeito à cultura e à história do ser humano.