Ter um propósito na vida, como Greta Thunberg, Padre Júlio Lancelotti ou Malala Yousafzai pode proteger o cérebro contra o AlzheimerTer um propósito na vida, como Greta Thunberg, Padre Júlio Lancelotti ou Malala Yousafzai pode proteger o cérebro contra o AlzheimerFoto: Reprodução/ND

Cientistas da Universidade da Califórnia em Davis (UC Davis), universidade pública dos Estados Unidos, descobriram que pessoas com um forte senso de propósito têm quase 30% menos risco de desenvolver demência e podem retardar o declínio cognitivo mesmo com predisposição genética.

O estudo foi publicado em outubro deste ano, no no American Journal of Geriatric Psychiatry, mas essa ideia não é recente. Pesquisas anteriores sobre as chamadas “Zonas Azuis”, que são as regiões do mundo onde as pessoas vivem mais e melhor, já mostravam que o “ikigai”, termo japonês para “razão de viver”, estava entre os pilares da longevidade.

Como o senso de propósito pode proteger contra a demência?

A pesquisa acompanhou mais de 13 mil adultos com 45 anos ou mais durante 15 anos. Os resultados mostram que pessoas com maior senso de propósito tiveram cerca de 28% menos probabilidade de desenvolver comprometimento cognitivo, incluindo demência e declínio leve da memória.

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O efeito protetor foi observado em todos os grupos raciais e étnicos, e persistiu mesmo após o ajuste por fatores como escolaridade, depressão e presença do gene APOE4, um dos principais riscos genéticos para o Alzheimer.

“Ter um senso de propósito ajuda o cérebro a se manter resiliente com a idade”, afirmou a psiquiatra Aliza Wingo, professora da UC Davis e autora sênior da pesquisa.

A pesquisa acompanhou mais de 13 mil adultos com 45 anos ou mais durante 15 anosA pesquisa acompanhou mais de 13 mil adultos com 45 anos ou mais durante 15 anosFoto: Canva/ND

Segundo ela, o propósito atua como um fator de proteção mesmo em pessoas com predisposição genética. “Mesmo entre quem tem risco elevado para Alzheimer, o senso de propósito foi associado a um início mais tardio e a menor probabilidade de desenvolver demência”, disse.

Os pesquisadores não pediram aos participantes que identificassem as atividades que lhes davam propósito. Ainda assim, estudos anteriores sobre envelhecimento sugerem que ele pode vir de várias fontes:

  • Cuidar de familiares;
  • Praticar a fé;
  • Ajudar os outros;
  • Construir uma carreira;
  • Manter metas pessoais.

Os resultados

Os resultados do estudo mostram que quem tem um propósito elevado apresenta declínio cognitivo mais tarde. A diferença pode parecer pequena, um atraso médio de 1,4 mês em oito anos, mas é relevante diante da evolução da demência.

“Medicamentos como lecanemab e donanemab têm benefícios modestos, além de riscos e custos elevados”, explicou Nicholas C. Howard, primeiro autor do estudo. “O propósito na vida é gratuito, seguro e acessível. As pessoas podem construí-lo por meio de relacionamentos, metas e atividades significativas”, completou.

Os resultados do estudo mostram que quem tem um propósito elevado apresenta declínio cognitivo mais tardeOs resultados do estudo mostram que quem tem um propósito elevado apresenta declínio cognitivo mais tardeFoto: Reprodução/ND

Esse efeito, ainda que discreto, é comparável ao ganho que se obtém com alguns tratamentos iniciais para Alzheimer.

A hipótese é que viver com propósito estimula redes cerebrais associadas à atenção, à memória e ao planejamento, criando uma espécie de reserva cognitiva, um estoque de conexões neuronais que ajudam o cérebro a compensar perdas com o avanço da idade.

Como o estudo foi conduzido

Os participantes faziam parte do Estudo de Saúde e Aposentadoria, projeto nacional financiado pelo Instituto Nacional do Envelhecimento dos Estados Unidos. Todos começaram com função cognitiva normal e foram acompanhados por até 15 anos.

O senso de propósito foi medido com um questionário de sete itens do Ryff Measures of Psychological Well-being. As respostas variavam de “discordo totalmente” a “concordo totalmente”, para frases como “Tenho um senso de direção e propósito na vida”. Cada resposta recebeu uma pontuação de 1 a 6. Paralelamente, a cognição foi avaliada por telefone a cada dois anos.

Entre os pontos fortes do estudo estão o tamanho da amostra e o longo tempo de acompanhamento. No entanto, os autores reconhecem uma limitação: a pesquisa mostra uma associação, mas não prova que o propósito cause a redução do risco de demência. Ainda assim, reforçam que o padrão encontrado é consistente com outros estudos sobre bem-estar psicológico e envelhecimento.

O Alzheimer no Brasil

Segundo o Ministério da Saúde, cerca de 8,5% dos brasileiros com 60 anos ou mais convivem com algum tipo de demência. O Alzheimer responde por mais da metade dos casos, aproximadamente 1,8 milhão de pessoas. Se nada mudar, esse número pode chegar a 5,6 milhões até 2050.

Cerca de 8,5% dos brasileiros com 60 anos ou mais convivem com algum tipo de demênciaCerca de 8,5% dos brasileiros com 60 anos ou mais convivem com algum tipo de demênciaFoto: Getty Images/ND

Para o neurologista Eli Faria Evaristo, do Hospital Sírio-Libanês, reconhecer sinais precoces é fundamental. “Esquecimentos ocasionais podem ser normais com a idade, mas quando começam a interferir na rotina e na autonomia, é essencial buscar avaliação especializada”, alerta.

Ele explica que o diagnóstico precoce é vital porque há causas de demência potencialmente reversíveis, como deficiência de vitamina B12, hipotireoidismo, apneia do sono e efeitos colaterais de medicamentos. “Identificar essas causas no início permite agir antes que o comprometimento se torne irreversível”, afirma.

Embora o Alzheimer ainda não tenha cura, os médicos reforçam que a prevenção depende de uma rotina equilibrada. Controlar pressão, diabetes, colesterol, obesidade e sono, evitar álcool em excesso e cuidar da saúde mental são pilares já conhecidos.

“Manter audição e visão adequadas, alimentação saudável e prática de exercícios são estratégias efetivas de proteção cerebral, independentemente da realização de exames específicos”, completa.