Jim Lo Scalzo / EPA

Demolição da Ala Leste da Casa Branca para construção de um salão de baile

O ato de destruição é precisamente o objetivo: uma espécie de performance destinada a exibir o poder arbitrário de Donald Trump sobre a Presidência, incluindo a sua sede física.

As fotografias da destruição da Ala Este da Casa Branca por Donald Trump provocaram choque e indignação generalizados nos Estados Unidos.

Alguns podem considerar a demolição uma ofensa relativamente menor em comparação com meses de caos económico, violações constitucionais, atropelos à justiça, crispação social e agressões gratuitas a valores morais da sociedade norte-americana.

Mas a apressada demolição da Ala Leste para dar lugar ao ostensivo salão de baile de Trump representa algo muito mais significativo: é um ataque simbólico aos próprios ideais da democracia americana, diz o conceituado escritor e crítico de arte Adam Gopnik num artigo de opinião na The New Yorker.

A arquitetura nunca é apenas uma questão de edifícios. Como observou o grande crítico vitoriano John Ruskin, uma nação escreve a sua história em muitos livros, mas o livro dos seus edifícios revela-se o mais duradouro.

Desde a encarnação da ordem e da proporção na espanhola Alhambra à celebração da modernidade na Torre Eiffel, as estruturas expressam ideais de forma mais duradoura do que as palavras alguma vez poderão fazê-lo, diz Gopnik.

Monumentos americanos como o Memorial de Lincoln captam o ideal modesto e desprovido de ego da tradição democrática — mostrando não um herói, mas um homem contemplativo, sentado em grave reflexão.

A Casa Branca sempre encarnou estes mesmos valores democráticos. Ao contrário dos palácios dos monarcas, permanece deliberadamente modesta na sua escala — uma casa imponente, certamente, mas não imperial.

Conhecida como “a casa do povo“, funcionou historicamente tanto como sede de governo quanto como residência familiar do presidente em funções.

Como Ronald Reagan observou após a sua vitória eleitoral decisiva, o Presidente é apenas o seu residente temporário, detendo as chaves do edifício durante um mandato fixo ao critério do povo. Essa era a beleza da democracia americana.

A Ala Este, agora demolida, nunca reivindicou grandiosidade. Construída durante os anos de ansiedade da Segunda Guerra Mundial, Franklin Roosevelt concebeu-a para organizar espaços de serviço e criar um refúgio seguro por baixo deles.

No entanto, rapidamente se tornou um centro de poder discreto. A então primeira dama, Eleanor Roosevelt, ali recebeu jornalistas mulheres, quebrando barreiras numa época em que as repórteres enfrentavam exclusão sistemática.

A singeleza da ala simbolizava a modéstia funcional do governo democrático — um espaço para funcionários em vez de espetáculo, para rituais cívicos em vez de glória pessoal.

E a própria destruição da Ala Este funciona como arte performativa, exibindo o poder arbitrário de Trump sobre a Presidência e a sua sede física. Não pede autorização a ninguém, destruindo o que quer, quando quer.

Os defensores de Trump, para quem os críticos são elitistas que se opõem a um salão de baile de que os americanos poderiam desfrutar, invocam precedentes: não instalou Jimmy Carter painéis solares? Não construiu George H.W. Bush um campo de jogos? Não acrescentou Barack Obama um campo de basquetebol?

Esta narrativa apologética é típica de Trump: identificar uma indignação óbvia e depois vasculhar a história em busca de atos vagamente semelhantes de Presidentes que de facto respeitaram a Constituição. É uma equiparação deliberadamente desajustada.

Quando Presidentes anteriores alteraram a Casa Branca, fizeram-no de forma gradual e após extensa deliberação. O acréscimo de uma modesta varanda por Harry Truman revelou-se controversa, mas a construção prosseguiu sob supervisão de uma comissão bipartidária.

O projeto de Donald Trump, financiado por empresas de tecnologia e magnatas das criptomoedas, representa puro excesso e autopromoção, diz Gopnik.

A diferença entre a varanda de Truman e o salão de baile de Trump abarca a diferença entre processo democrático e capricho autoritário. A democracia liberal assenta em regras em vez de fúria, em procedimentos em vez de demonstrações de poder.

Se a Casa Branca necessita de renovação, que haja um plano; que enfrente debate; que o financiamento permaneça transparente e livre de corrupção.

Este princípio está no cerne da Revolução Americana: seguir regras representa força, não fraqueza. Quebrá-las satisfaz tiranos inseguros que se sentem mais vivos através de atos de violência, tanto reais como simbólicos.

A arquitetura encarna valores em vez de meramente os conter. Proporções simples e espaços à escala humana não apenas sugerem espírito democrático — são esse espírito tornado tridimensional, com portas e janelas.

A reverência pelo passado e a relutância em destruir sem compreender todas as consequências representa sabedoria, não timidez. Conservar, afinal, define a essência do conservadorismo.

A mágoa que tantos sentem perante estas imagens não é uma reação exagerada à perda de um edifício querido. É o reconhecimento de algo mais profundo: os valores centrais da democracia a serem demolidos perante os nossos olhos.

Agora não o pressentimos apenas. Vemo-lo, conclui Gopnik.


Subscreva a Newsletter ZAP


Siga-nos no WhatsApp


Siga-nos no Google News