O piloto regular de Nicolás Maduro recebeu uma proposta sedutora de um agente federal norte-americano: precisaria apenas de fazer divergir, secretamente, o avião do Presidente venezuelano para um local onde as autoridades dos EUA tivessem a oportunidade de o deter. Em troca, “tornar-se-ia um homem muito rico”.
A trama é relatada pela Associated Press (AP), que diz ter sabido dos detalhes do plano a partir de entrevistas com funcionários do Governo dos EUA, bem como junto de um dos adversários de Maduro. Todos escolheram manter o anonimato, já que não estavam autorizados a discutir o esquema e temiam retaliação por divulgá-lo. Além disso, escreve a agência, foram analisadas várias mensagens entre o agente Edwin Lopez e o piloto.
Depois de contactado, o piloto, um general venezuelano identificado como Bitner Villegas, abandonou a conversa sem se comprometer com qualquer acordo, mas acabou por fornecer o número de telefone a Edwin Lopez — um sinal de possível interesse em auxiliar o Governo dos EUA.
Nos 16 meses seguintes, mesmo depois de se aposentar do seu cargo no Governo, em Julho, Lopez continuou a comunicar com o piloto através de uma aplicação de mensagens encriptadas.
Desde que tomou posse como Presidente dos EUA, em Janeiro, Donald Trump tem vindo a adoptar uma postura rígida em relação ao Governo de Maduro — no Verão, enviou milhares de soldados, helicópteros de ataque e navios de guerra para as Caraíbas para atacar barcos de pesca suspeitos de transportar cocaína venezuelana. Pelo menos 57 pessoas morreram nos 13 ataques levados a cabo pelo executivo norte-americano.
A Administração Trump culpa Maduro pela destruição da democracia da Venezuela e acusa-o de oferecer refúgio a traficantes de droga, grupos terroristas e à Cuba comunista.
Este mês, o Presidente norte-americano foi mais além: autorizou a CIA a realizar operações secretas em território venezuelano, e dobrou o valor da recompensa pela captura de Maduro, que está a ser acusado de narcotráfico pelo Governo dos EUA. Na troca de mensagens com o piloto, Lopez menciona o tema.
“Ainda estou à espera da sua resposta”, lê-se na mensagem enviada pelo agente federal a 7 de Agosto, e citada pela AP, na qual anexou um link para um comunicado de imprensa do Departamento de Justiça que anunciava o aumento do valor da recompensa para 50 milhões de dólares (cerca de 43 milhões de euros).
O esquema começou a ganhar forma ainda durante a Administração Biden: a 24 de Abril de 2024, um informador dirigiu-se à Embaixada dos EUA na República Dominicana alegando ter informações sobre a frota aérea de Maduro. Na altura, Lopez exercia funções como adido da embaixada e agente do Departamento de Segurança Interna, onde liderava as investigações sobre redes criminosas internacionais com presença na região das Caraíbas, depois de ter construído carreira no combate ao narcotráfico, branqueamento de capitais e fraude. Antes disso, foi soldado do Exército norte-americano.
O cargo de Lopez na embaixada seria o último antes de abandonar o executivo. No dia em que recebeu o informador, a embaixada estava fechada, mas Lopez ainda se encontrava na secretária. Ter-lhe-á sido entregue um cartão com um nome e um número de telefone: quando ligou, o delator revelou-lhe que dois aviões usados por Maduro estavam na República Dominicana para reparações.
Lopez ficou com a pulga atrás da orelha. Sabia que qualquer manutenção seria, muito provavelmente, uma violação criminal da lei dos EUA, pois envolveria a compra de peças norte-americanas, proibida devido às sanções do país contra a Venezuela. Os aviões também estariam sujeitos a apreensão.
As aeronaves foram, sem grande esforço, localizadas no aeroporto executivo La Isabela, em Santo Domingo. À medida que tentavam construir o caso e ligá-las a Maduro, os agentes federais descobriram que o Presidente venezuelano tinha enviado cinco pilotos para a ilha, para que recuperassem os jactos multimilionários — um Dassault Falcon 2000 EX e um Dassault Falcon 900EX.
Foi aí que, como um raio, a resposta caiu na cabeça de Lopez: e se fosse possível convencer o piloto a levar Maduro para um local onde os EUA pudessem detê-lo? Num ápice, o agente obteve permissão dos superiores e das autoridades dominicanas para questionar os pilotos. O interrogatório aconteceu numa pequena sala de conferências localizada no hangar do aeroporto onde se encontravam os jactos. Durante cerca de uma hora, os representantes norte-americanos conversaram individualmente com cada um dos cinco pilotos, deixando o principal alvo para o fim — Villegas, que já havia sido identificado como sendo o piloto regular de Maduro.
Villegas estava há 15 minutos na sala de conferências quando sentiu que o chão lhe tremia sob os pés. Até então, a conversa com Lopez não se tinha desviado muito de perguntas de rotina — porém, a pressão instalou-se assim que o agente lhe perguntou se já tinha transportado Hugo Chávez ou Nicolás Maduro. Inicialmente, o piloto tentou evitar as questões, mas acabou por admitir ter trabalhado para ambos, tendo mesmo mostrado no telemóvel fotografias nas quais aparecia ao lado dos dois presidentes, em viagem, assim como detalhes sobre instalações militares venezuelanos que tinha visitado. Sem o conhecimento de Villegas, um dos agentes gravou a conversa.
Lopez decidiu então colocar a proposta em cima da mesa: em troca de levar Maduro até debaixo da asa dos Estados Unidos, o piloto ficaria muito rico e seria amado por milhões de compatriotas. Poderia até escolher o local do encontro — República Dominicana, Porto Rico ou a base militar dos Estados Unidos em Guantánamo, Cuba.
Sem chegar a qualquer acordo, Villegas e os outros pilotos regressaram à Venezuela sem a aeronave, que, segundo os agentes, não teria as autorizações necessárias. Na verdade, o Governo dos EUA estava a preparar um processo federal para apreender os jactos. Um deles foi confiscado em Setembro de 2024, em São Marino, e o outro foi apreendido já em Fevereiro de 2025, durante a viagem ao estrangeiro do secretário de Estado, Marco Rubio.
Numa conferência de imprensa no aeroporto da República Dominicana, Lopez disse a Rubio que o avião continha “um tesouro de informações”, incluindo nomes de soldados da Força Aérea venezuelana e informações detalhadas sobre os seus movimentos. Lopez afixou um mandado de apreensão ao jacto. O Governo de Maduro reagiu negativamente e divulgou, na altura, uma declaração em que acusava Rubio de “roubo descarado”.
O agente federal continuou a tentar persuadir Villegas a fazer parte do plano, mesmo depois de se aposentar. Após a mensagem de Agosto sobre o valor do prémio pela cabeça de Maduro, Lopez enviou outra em que afirmava que o piloto “ainda tinha tempo para ser o herói da Venezuela e ficar do lado certo da história”, mas não obteve resposta.
A 18 de Setembro, Lopez estava a ver as notícias sobre o reforço militar de Trump nas Caraíbas quando viu uma publicação no X de um observador de aviões anónimo que acompanhava as viagens do jacto de Maduro. O utilizador @Arr3ch0 publicou uma captura de ecrã de um mapa de rastreamento de voos que mostrava um Airbus presidencial a fazer um loop estranho. Lopez enviou a publicação a Villegas, perguntando para onde se dirigia a aeronave. Quando o agente o pressionou sobre o assunto que tinham discutido na República Dominicana, o piloto chamou-o de “cobarde”, e afirmou que os venezuelanos não eram “traidores”. O plano foi por água abaixo.
As tentativas de localizar o piloto foram infrutíferas. O Departamento de Segurança e o Departamento de Estado dos EUA recusaram-se a comentar o assunto, assim como o Governo venezuelano.