A escola, que segue o currículo de Cambridge (aceite pelo Ministério da Educação, Ciência e Inovação) está aberta há 15 anos e chegou a ser-lhe atribuída licença permanente de funcionamento, em 2014. Uma decisão que parece ter sido revertida anos depois, sem ter sido comunicado à direção do estabelecimento
Na Escola Internacional de Aljezur já estudaram netos de antigos primeiros-ministros, de cineastas conhecidos, juízes e até de um prémio Nobel da Química. Mas a escola, que está em funcionamento desde de 2010, foi encerrada compulsivamente na última sexta-feira. O argumento do Ministério da Educação Ciência e Inovação (MECI), de acordo com a diretora pedagógica do estabelecimento, Sílvia Catarino, é o facto de a escola “não estar homologada” pelo sistema de ensino português.
“Na sexta-feira, dia 24, por volta das 11:00, sem qualquer aviso prévio, entraram cinco militares da GNR a acompanhar uma representante da Inspeção-Geral da Educação e uma representante da Direção dos Serviços Regionais do Algarve e ordenaram o encerramento imediato da escola. (…) Argumentámos que não seria possível o encerramento imediato, até pelo superior interesse dos menores, porque muitos pais estariam a trabalhar e não tinham como vir buscar os seus filhos e outros vão para casa de autocarro, que não estava disponível no momento. Disseram que iam voltar ao final do dia para concretizar o encerramento da escola. Assim fizeram e ficaram a aguardar que os pais viessem recolher as crianças, que o autocarro viesse e levasse as restantes”, relata à CNN Portugal Sílvia Catarino.
A responsável acrescenta ainda que foi colocada “uma fita à volta de todo o edifício” e receberam ordens para “tirarmos tudo o que era essencial da escola, por que não poderíamos voltar a entrar no edifício”. “De acordo com o a lei, os processos dos alunos têm de ser entregues na escola pública da área e tivemos de assinar um termo de confiança em como os documentos dos alunos foram levados para a escola pública da área”, diz ainda.
“Uma monstruosidade”, repete Sílvia Catarino várias vezes ao longo da conversa com a CNN Portugal.
A CNN Portugal sabe que os processos dos alunos estão no Agrupamento de Escolas de Aljezur.
15 anos de história
A Escola Internacional de Aljezur foi criada em 2010 e recebeu licença permanente de funcionamento em 2014. (Imagem: Escola Internacional de Aljezur)
A Escola Internacional de Aljezur foi criada em 2010 e provisoriamente instalada em contentores colocados num terreno agrícola cedido pela autarquia. “Foi-nos cedida uma autorização provisória de funcionamento, com efeitos a partir de 1 de setembro de 2010. Essa autorização provisória tinha de ser renovada anualmente, num máximo de três. Tivemos mais duas licenças temporárias e, em 2013, mudámos para o espaço em que hoje nos encontramos. A 24 de fevereiro de 2014, entregámos toda a documentação e fizemos o pedido oficial para a licença de funcionamento permanente. A 15 de abril desse ano, foi feita uma vistoria à escola por dois inspetores da Direção Regional do Algarve. O resultado dessa inspeção foi que se propunha a autorização de funcionamento definitiva. Ficou uma nota apenas de que faltava a listagem dos alunos para o ano 2014/2015, o que é um pouco absurdo, porque estávamos em abril e não sabíamos que alunos iriam frequentar a escola no ano letivo seguinte. Recebemos um código de seis dígitos, que é uma espécie de bilhete de identidade das escolas e que só é atribuído às escolas com a autorização definitivas de funcionamento”, relata Sílvia Catarino, avivando a memória socorrendo-se do “mar de documentos” que tem sobre a secretária e da cronologia dos factos que “teve de fazer”, para “não se perder no relato dos acontecimentos”.
Durante cinco anos, a escola funcionou normalmente, com estreita e permanente ligação com a tutela, através dos serviços regionais do Algarve. Os alunos participavam no projeto de Desporto escolar, algo que só é permitido nas escolas homologadas, e recebiam os cheques-dentista, como qualquer criança daquela idade que frequentava a escola.
“Para lhe dar um exemplo, na altura do covid, tivemos a testagem prioritária dos docentes como as outras escolas. Tínhamos toda a legitimidade para funcionar, recebendo emails da tutela como qualquer outra escola privada. A escola não esteve escondida lá num sítio a fingir que era uma escola e a enganar pais de crianças. Até porque os pais dos nossos alunos são muito exigentes e envolvem-se muito nos assuntos da escola e da comunidade educativa”, sublinha a responsável.
Só em 2019 surgiram os primeiros sinais de alerta, com a transferência de alguns alunos. “Mais uma vez não houve uma comunicação oficial a fazer-nos um alerta. Foi uma encarregada de educação que um dia nos alertou porque tinha tentado fazer a transferência da filha online e a nossa escola aparecia como ‘centro de apoio’ ou ‘centro de estudos’ no portal das matrículas. A escola tinha mudado de categoria sem haver nenhuma comunicação oficial. Para mim, aquilo só podia ser um erro informático”, recorda Sílvia Catarino.
Ainda assim, foram à procura de explicações e pediram uma reunião de emergência na delegação regional dos serviços do Ministério da Educação. “Nessa reunião disseram-nos que o processo estava suspenso e que a escola teria de reorganizar o seu processo. Teríamos de fazer novo pedido e que teríamos de começar tudo de novo”, conta.
“15 centímetros de pé-direito”
Em causa, terão os responsáveis da Delegação Regional do Algarve da DGEstE (Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares) dito a Sílvia Catarino, estavam alterações na legislação sobre os edifícios escolares que exigiam “um pé-direito mais elevado do que aquele que têm as nossas salas”.
“A escola não pode fechar por que houve uma técnica que diz que as salas deviam ter mais 15 centímetros de pé-direito do que têm”, defende Joaquim Lourenço, pai de um dos 85 alunos que, na segunda-feira, não vão poder regressar à escola onde iniciaram o ano letivo.
A escola não tem uma associação de pais constituída, até porque, salienta Joaquim Lourenço, “somos uma comunidade bastante unida”. “Somos 80 pais que sabem muito bem o que querem para os filhos”, resume, assegurando que “os pais estão completamente ao lado e solidários com a direção da escola e não colocamos sequer em causa a ideia de que haja uma melhor escola do que a nossa”.
“Nós temos a noção que a nossa escola tem razão. Para já não há uma preocupação de maior e estamos tranquilos. Acreditamos que isto vai ser revertido, porque há muitas pontas soltas neste processo de encerramento. A começar pelo modo como foi feito: até podemos encerrar uma escola, mas temos de encontrar uma solução para as crianças. Avisamos com tempo, não é de uma hora para a outra. No máximo, deixávamos chegar ao final do ano letivo”, considera Joaquim Lourenço.
Este pai lembra que “as crianças têm tido um aproveitamento efetivo excelente” e que “antigos alunos entraram em universidades internacionais de renome, nos Estados Unidos, no Canadá ou no Reino Unido, por exemplo”. Joaquim assegura que, se a situação não for revertida, vai ter “muitas reticências” em colocar o filho numa escola pública, sobretudo numa região onde há escassez de professores e onde as turmas têm, em muitos casos, “30 ou mais alunos”. “Imagine a diferença entre termos os nossos filhos em turmas de 12 alunos, onde os nossos filhos são educados para escolherem, arcarem com as consequências das suas escolhas, sem culparem o sistema. Somos 80 famílias que querem educar os filhos num modelo em que eles possam estudar em qualquer parte do mundo”, resume, sublinhando que a escola não existe para “enriquecer uma família ou uma instituição” e reforçando várias vezes que paga uma mensalidade que é “um quinto daquilo que pagam os pais em muitos colégios privados de Lisboa ou de Cascais”.
Currículo de Cambridge
A Escola Internacional de Aljezur tem como disciplinas obrigatórias Português e Cultura Portuguesa. (Imagem: Escola Internacional de Aljezur)
A Escola Internacional de Aljezur segue o currículo de Cambridge e está certificada pelas autoridades britânicas. “A escola abriu em setembro de 2010 e, a 16 de maio de 2011, recebemos inspeção de Cambridge, para certificar se a escola poderia funcionar de acordo com o currículo de Cambridge. Recebemos inspeções periódicas muito rigorosas das autoridades do Reino Unido, de surpresa, para certificar que podemos continuar a aplicar o referido currículo”, sublinha Sílvia Catarino.
As aulas são todas dadas em inglês, à exceção de Português e Cultura Portuguesa, que a direção da escola faz questão que sejam obrigatórias. “Como o currículo tem alguma flexibilidade, pudemos introduzir algumas disciplinas. É obrigatório ter Português e Cultura Portuguesa. Introduzimos também a disciplina de Agricultura, porque estamos inseridos numa zona rural. Temos animais de quinta, como galinhas e patos. E introduzimos também a disciplina de Mindfulness”, explica a responsável da escola.
Um currículo aceite pelo Ministério da Educação e até “elogiado” pela tutela. “Fomos elogiados por introduzirmos Português e Cultura Portuguesa como disciplinas obrigatórias, porque nem todas as escolas internacionais o fazem”, refere Sílvia Catarino.
A avaliação dos alunos não é feita pelos professores com quem estão diariamente. “Os exames vêm selados do Reino Unido, são resolvidos pelos alunos e enviados, selados, de volta para o Reino Unido. Nem sequer são corrigidos aqui”, diz a diretora.
Ameaça de encerramento e providência cautelar
Dois anos depois daquela alteração da designação detetada por uma encarregada de educação, em 2019, a escola recebeu pela primeira vez uma inspeção da Inspeção-Geral da Educação e Ciência (IGEC). “O inspetor veio cá e não fez inspeção do edifício. Apenas quis ver a listagem dos alunos e certificou-se que os alunos estavam divididos em turmas”, recorda a diretora pedagógica da escola.
“A 26 julho de 2022, recebemos carta registada da DGEstE com o aviso de encerramento da escola. Interpusemos uma providência cautelar e, a 7 de agosto de 2022, o juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé respondeu à providência cautelar, suspendendo o encerramento compulsivo e dizendo que podemos aceitar novos alunos e fazer novas matrículas. O juiz diz ainda que não está em causa a segurança dos alunos, nem a qualidade do ensino dos alunos”, diz Sílvia Catarino.
Desde então, até à última sexta-feira, a escola funcionou normalmente, sempre com a interação recorrente necessária com a delegação do Algarve dos institutos do Ministério da Educação, Ciência e Inovação.
A 4 de outubro, num blogue que alimenta, Fernando Lobo, pai de um antigo aluno da escola, denunciou que o seu filho tinha visto a matrícula no segundo ano do curso de Teatro anulada pela direção do Instituto Politécnico de Leiria, invalidando também a frequência do primeiro ano, apesar do aluno, Gil Lobo, que tem uma perturbação do espectro do autismo, ter terminado esse primeiro ano com uma média de 18 valores e ser muito considerado, quer por colegas, quer por professores.
Gil Lobo foi protagonista de uma reportagem emitida no último sábado, no canal Now. E Sílvia Catarino “não tem dúvidas” que a visita das autoridades na véspera está intimamente ligada com a reportagem que conta a história de Gil. “Acredito que os jornalistas terão feito, e bem, o seu trabalho e contactado o Ministério. Alguém lá no Ministério deve ter acordado e dito ‘espera lá, que temos de fazer alguma coisa’. Sabíamos que a situação do Gil, que não tem culpa nenhuma, como nenhum dos alunos tem, tinha de ter um culpado e o culpado mais fácil seria a escola”, lamenta Silvia Catarino.
A CNN Portugal questionou o MECI para saber quando foi tomada a decisão de encerrar compulsivamente a escola e quando foi comunicada essa decisão à escola. Quisemos também saber quais os motivos que conduziram ao encerramento compulsivo da escola e o que vai acontecer aos 85 alunos que frequentavam a escola e às habilitações já adquiridas por esses alunos. Até ao momento da publicação deste artigo, não obtivemos qualquer resposta.