Pokrovsk, no leste da Ucrânia, está sob cerco e tornou-se o foco da ofensiva russa. Para Moscovo, a sua conquista representa uma vitória militar e simbólica. Para Kiev, é uma perda que pode comprometer toda a linha defensiva do Donetsk

A Ucrânia está a reforçar desesperadamente as defesas na cidade de Pokrovsk, um dos últimos bastiões da frente oriental, onde o avanço russo ameaça abrir uma brecha estratégica no coração da região de Donetsk. O exército russo tem vindo a aproximar-se há mais de um ano e, segundo Kiev, intensificou nas últimas semanas os ataques com drones e artilharia, isolando as tropas ucranianas que ainda resistem dentro da cidade.

A cidade que segura Donetsk

A cidade, que antes da invasão russa tinha cerca de 60 mil habitantes, é hoje uma das peças-chave do dispositivo defensivo ucraniano no Donbass.

Situada “numa encruzilhada ferroviária e rodoviária”, Pokrovsk funcionou durante anos como centro logístico das forças ucranianas que abasteciam as linhas da frente em Donetsk. Agora, esse papel mudou, mas a sua importância estratégica mantém-se, explica à CNN Portugal o major-general Agostinho Costa.

“Pokrovsk é uma das cidades da última linha de defesa do Donetsk. Não é ainda o último bastião, mas é uma das peças fundamentais dessa linha, juntamente com Konstantinivka, Kramatorsk e Sloviansk. A queda de Pokrovsk vai permitir aos russos contornar Konstantinivka e, depois, avançar para terreno aberto. A partir daí, praticamente não há povoações até ao Dniepre.”

O especialista militar recorda que toda esta linha foi fortificada desde 2015, após o início da guerra no Donbass e a assinatura dos Acordos de Minsk. “É uma linha defensiva que existe há quase uma década. A Ucrânia estruturou a sua defesa em torno de cidades-fortaleza, centros urbanos onde a resistência é organizada, com redes subterrâneas, abrigos, fortificações. Se uma destas cidades cai, toda a estrutura fica fragilizada.”

De acordo com o major-general, Moscovo tem seguido uma estratégia metódica: “cercar primeiro, atacar depois”.

“O que os russos estão a fazer é cercar as cidades, cortar os itinerários de rotação das tropas ucranianas e impedir a substituição das forças. Depois, esperam pela rendição”, descreve.

Pokrovsk e Mirnograd, duas cidades “praticamente coladas”, são o novo alvo dessa tática. “Os russos já terão cercado Pokrovsk numa zona de morte por drones e, agora, fisicamente também. Há várias brigadas ucranianas dentro da cidade, possivelmente milhares de soldados. Kiev está a tentar uma rutura de cerco, mas com pouco sucesso.”

Mesmo assim, os ucranianos continuam a ser reabastecidos por drones, explica o major-general. “Há drones de grande porte, capazes de transportar munições, comida e medicamentos. Mas as rotações de tropas são quase impossíveis e isso desgasta muito a defesa.”

Para a Rússia: vitória militar e moral

A ofensiva sobre Pokrovsk é mais do que uma operação militar. Para o Kremlin, é também uma questão de prestígio e propaganda.

“Para a Rússia, significa muito. Capitaliza em termos de imagem e propaganda, porque foi um esforço de muito tempo até conseguir essa vitória sobre a Ucrânia. Constitui uma vitória não só objetiva, mas também moral. Anima as forças russas, que se sentem agora com mais energia para progredir no terreno”, afirma o tenente-general Rafael Martins, em declarações à CNN Portugal.

Desde a conquista de Avdiivka, no inverno de 2024, que Moscovo não consegue tomar mais nenhuma grande cidade.

“A captura de Pokrovsk seria um trunfo político e militar. É uma conquista que o Kremlin pode apresentar internamente como prova de avanço no Donbass, num momento em que o desgaste da guerra se faz sentir tanto nas tropas como na opinião pública russa”.

Para a Ucrânia: um golpe na moral e na estratégia defensiva

Se para Moscovo a tomada de Pokrovsk é uma vitória, para Kiev a perda seria um duro golpe moral e estratégico, considera o tenente-general.

“Para a Ucrânia significa exatamente o contrário. É uma derrota simbólica e operacional. Tomadas as fortificações, será mais difícil retomá-las. Não é impossível, mas é mais difícil. Estas cidades foram fortificadas durante anos. Perdê-las é perder também as infraestruturas defensivas que sustentavam toda a linha.”

O especialista militar salienta, contudo, a capacidade ucraniana de resistência: “A Ucrânia tem-se revelado extraordinariamente resiliente e, por vezes, consegue reverter situações muito adversas. Mas este caso é particularmente complexo porque o terreno que se segue é mais aberto, com menos obstáculos naturais. Isso favorece o avanço russo.”

De acordo com as autoridades locais, cerca de 1.200 civis ainda permanecem na cidade, que antes da guerra tinha uma população de cerca de 60 mil pessoas. Kiev acusa Moscovo de atacar diretamente zonas residenciais, enquanto a Rússia nega atingir civis. 

A batalha que pode redefinir o mapa do leste

Os especialistas ouvidos pela CNN Portugal consideram que a queda de Pokrovsk pode redefinir o equilíbrio militar no leste da Ucrânia. Do lado russo, a vitória teria o efeito imediato de consolidar o controlo quase total do Donbass, algo que Moscovo reivindica como objetivo desde o início da invasão, em fevereiro de 2022. Do lado ucraniano, significaria perder um dos últimos pontos estratégicos da região e enfrentar a necessidade de reorganizar a defesa em zonas menos favoráveis.

Apesar da pressão, o comando ucraniano insiste que as suas forças continuam a lutar dentro da cidade e que as tropas não estão cercadas, contrariando a versão russa.

“O principal objetivo é salvar as vidas dos nossos soldados”, afirmou o general Oleksandr Syrskyi, chefe do Exército, garantindo que as defesas estão a ser reforçadas.

No entanto, a realidade no terreno é cada vez mais dura. De acordo com a Reuters, que cita fontes militares ucranianas, cerca de 200 soldados russos já terão entrado na cidade, travando combates de rua com armas ligeiras.