Ocorrida entre 1864 e 1870, a Guerra do Paraguai foi o maior conflito armado internacional vivido na América Latina. Motivado pelos choques de interesses entre as nações platinas em questões políticas, econômicas e territoriais, Brasil, Argentina e Uruguai se juntaram em uma luta contra os paraguaios.
O resultado foi um verdadeiro massacre, visto que o Paraguai teve mais da metade de sua população morta no conflito: cerca de 300 mil perdas — das mais de 400 mil que totalizaram a guerra.
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E é neste pano de fundo que se passa o longa de terror brasileiro “A Própria Carne”, que estreia hoje, 30, nas redes Cinemark de todo o Brasil.
Dirigido por Ian SBF (um dos criadores do Porta dos Fundos) e produzido por Deive Pazos e Alexandre Ottoni (do Jovem Nerd), a produção acompanha a chegada de três soldados desertores em uma casa isolada na floresta.
O que parecia ser um refúgio seguro logo se torna um cenário de pesadelo, conforme os fugitivos descobrem que o fazendeiro misterioso e a jovem que moram no local escondem segredos macabros.
Três soldados desertores durante a Guerra do Paraguai, em 1870, cada um lutando pela sobrevivência à sua maneira, encontram uma casa isolada na fronteira, habitada apenas por um fazendeiro misterioso e uma jovem. O que parecia ser um refúgio seguro se transforma em um pesadelo aterrorizante quando os soldados descobrem que a casa esconde segredos macabros, confrontando-os com um destino ainda mais horrível do que a guerra da qual fugiram”, apresenta a sinopse do filme.
Em entrevista exclusiva à equipe do Aventuras, Ian e Alexandre contam que a ideia da parceria surgiu a partir da amizade de longa data do trio. “Eu acho que foi um momento perfeito para nós três, porque eu acho que a gente chegou num momento onde a gente queria fazer a mesma coisa. Eles estavam super com vontade de fazer cinema, eles já fazem muita coisa fora do Jovem Nerd. Eles estavam fazendo coisas incríveis lá, no Spotify, em áudio, e eu acho que era o movimento natural deles”, aponta o diretor.
“E eu também faço muito, fiz muita comédia, fiz muitas outras coisas, e eu estava com muita vontade, em algum momento, de chegar no terror. E tanto que eu tinha já um primeiro tratamento escrito. Então eu acho que a vida deles e a minha, e as coisas também que a gente já fazia junto, aos pouquinhos, acho que tudo foi nesse momento que a gente chegou e aconteceu isso”.
Confira abaixo a entrevista na íntegra com Ian SBF e Alexandre Ottoni!
O filme tem uma estética muito claustrofóbica, você tem tensão a todo momento acontecendo. Qual o motivo da escolha dessa estética do filme e por que trazer o terror para essa história?
Ian: “Mais do que claustrofóbico, a palavra que a gente tinha para esse filme sempre foi a opressão.
A gente queria trazer um ambiente opressivo — e opressivo de todas as formas. E claro que um personagem negro em 1870, se tem alguém que podia se sentir ofendido nessa época, era essa pessoa.
Então ele é um escravizado, que para se libertar ele vai para a guerra, como acontecia com muitos escravizados naquela época, uma coisa que não se comenta muito.
Nesse ambiente, ele está numa guerra em 1870, uma carnificina, a opressão dessa guerra, muitos fugiam, tentavam desertar, ele deserta junto com outros, e agora ele é um desertor, então essa opressão que ele está ali.
Ele chega numa casa misteriosa no meio do nada, onde, obviamente, um senhor velho, um fazendeiro completamente racista — como provavelmente seria aquela pessoa naquela posição naquela época —; e ainda temos a opressão de todo o ambiente sobrenatural, também que começa a acontecer em certo momento. Ou seja, não tem para onde fugir, é uma armadilha constante que eles não têm o que fazer.
A Própria Carne – Divulgação
Tem uma cena que amo no filme: os dois soldados sentados no descampado, e eles estão ouvindo a guerra em volta, e a guerra não para nunca, e eles não sabem de onde vem o barulho da guerra. Eles não sabem se vem do oeste, se vem do leste, eles ficam completamente perdidos. E é uma coisa que trouxemos para o filme: a falta da noção espacial e temporal.
A gente queria que o espectador sentisse a mesma coisa que os soldados, que é: eu estou num lugar, num ambiente onde eu não tenho para onde fugir, eu não tenho para onde ir, se eu saio daqui eu morro, se eu fico aqui eu morro.
Então, a gente até mudou toda a geografia do lugar, você não sabe se a pessoa entrou por esse lugar para casa. E dentro da casa é a mesma coisa, a gente tinha até tapadeiras que a gente mudava para o espectador não entender a geografia da casa, a estrutura da casa.
É para você ter esse sentimento sempre de estar perdido e numa armadilha igual os soldados”.
Alexandre: “É meio que num labirinto, a céu aberto, sem paredes, mas é um labirinto”.
O filme é ambientado na Guerra do Paraguai, que é o maior conflito armado sul-americano, só que apesar dessa importância histórica, existe um material muito escasso sobre. Como foi o processo de pesquisa sobre esse período da nossa história? Algo, durante essa pesquisa, surpreendeu vocês?
Ian: “As pessoas sempre perguntam para a gente por que esse período histórico.
Um: eu acho que sempre vem da vontade de falar disso, porque, óbvio que tem filmes brasileiros que já falaram, não é como se a gente não tivesse feito nada, mas eu acho que é absurdamente pouco explorado, até no nosso filme mesmo. Não é um filme histórico, ele se passa durante a Guerra do Paraguai, como vários outros filmes, a gente usa como pano de fundo, porque é um pano de fundo aterrorizador.
Por que não fazer? Essa é a pergunta: por que não fazer um filme de terror numa época, provavelmente na pior época da América Latina, e foi a maior guerra da história recente que a gente tem, quase 400 mil pessoas mortas. Então é o melhor ambiente para você fazer um filme de terror.
E eu acho que a gente sempre teve essa vontade. O Jovem Nerd adora abordar momentos históricos, diferentes e interessantes, e eu também queria muito falar da Guerra do Paraguai, então acho que foi um momento propício.
Mas acho que a gente usa muito mais a guerra para criar o clima, e espero que com o filme as pessoas procurem saber, procurem conhecer um pouquinho mais a guerra. A gente quer instigar um pouquinho.
Então acho que é isso, a gente levanta — eu não digo nenhum debate, que não é um debate — interesse para as pessoas irem atrás e procurarem. Do mesmo jeito que a gente conhece mais a Guerra Civil Americana do que a gente conhece muito da nossa história”.
A Própria Carne – Divulgação
Alexandre: “É isso, tudo por causa de cultura, de soft power, de filme, etc.
Isso que o Ian falou, a gente sabe mais a história dos outros do que a nossa própria história. Não é porque a gente leu ou estudou mais a história de outros países, na escola ou etc., por conta própria. Mas porque a gente é atingido por cultura, a gente é atingido por filmes e histórias, a gente aprende com histórias.
Então, apesar da gente nem se propor a fazer um comentário geopolítico de “por que aconteceu isso”, a gente faz o Nerdcast da Guerra do Paraguai, que a gente publicou o ano passado.
Mas a história da Guerra do Paraguai está principalmente dentro da mente dos personagens que estão ali. Ela produz o tipo de perspectiva e de falta de esperança que aqueles personagens têm.
E ela dirige os personagens para o âmago da história que a gente conta. E quando a gente é atingido por isso, com esse pano de fundo, a gente adora histórias, a gente adora saber o que acontece.
Por mais que a gente esteja falando de uma história superfictícia de terror, só pelo fato da gente construir uns personagens tão legais que estão trazendo esse peso invisível dentro do roteiro, mas que estão nos personagens desse momento histórico, a gente acha que é uma boa forma da a gente também apresentar, ou reapresentar, ou reaquecer o assunto na mente das pessoas para que estude a verdadeira história que faz parte da nossa sociedade”.
Jornalista de formação, curioso de nascença, escrevo desde eventos históricos até personagens únicos e inspiradores. Entusiasta por entender a sociedade através do esporte. Vez ou outra você também pode me achar no impresso!