Não gosta da palavra “vilão”, disse-o no painel em que participou [Vilões que adoramos odiar (a ascensão do anti-herói), com Joaquim de Almeida e Veronica Falcón], mas Giancarlo Esposito — cujo vilão mais icónico, Gustavo Fring, se tornou conhecido em Breaking Bad e Better Call Saul— reconhece o fascínio que prende tantas pessoas ao ecrã.

“Acho que o vilão, entre aspas, é a pessoa problemática, a pessoa com dificuldades, a pessoa com problemas emocionais como eu. Acho que são pessoas complexas e acho que representam muitas das emoções que alguns de nós podemos sentir, mas não expressamos”, explica. “Para mim, o vilão, o mau da fita, o ser humano com dificuldades, é uma forma de curar essa emoção dentro de mim”, revela o ator de 67 anos.

The Boys foi outro dos projetos em que se destacou e que o marcou profundamente. “Em primeiro lugar, adoro o Eric Kripke, criador de The Boys, e é a segunda vez que trabalho com ele [depois de Revolution]. Em segundo, o Stan Edgar [a personagem que interpreta] é alguém numa posição de poder e o que torna tudo mais interessante é que se espera que ele seja uma espécie de ama para todos aqueles super-heróis. O que adoro na série é que é sobre super-heróis e faço esta analogia porque sinto que somos todos super-heróis, só que nos esquecemos dos nossos superpoderes. Mas, para isso, precisamos de nos fortalecer. Isso significa ficar mais forte no ginásio? Significa tornar-se mais inteligente e astuto? Significa ter mais dinheiro? Na verdade, significa deixar o ego de lado e permitir que o nosso espírito se manifeste através de quem realmente somos. Sempre que me falta visão, peço inspiração para ter uma”.

O sucesso como ator chegou tarde na vida. Chegou a declarar bancarrota e a contemplar o suicídio — pensou até contratar alguém que fingisse matá-lo para que as filhas recebessem o dinheiro do seguro de vida —, e demorou a reerguer-se. Por isso, é agora muito metódico na forma como encara a vida. “Por exemplo, como é que vai ser o meu próximo ano? Terminei o meu trabalho em julho, o que deveria estar a fazer? Quero tirar férias. Estou cansado. Fiz oito filmes seguidos, todos independentes. Como está a conta bancária? Como está o meu ânimo? Ok, comecei quatro projetos, é isto que tenho de fazer. O nosso cérebro é um computador. As nossas emoções, ações e as máscaras que usamos e tiramos enquanto seres humanos são basicamente mecânicas. É preciso treinar o espírito para te apoiar espiritualmente e é preciso treinar o corpo para estar pronto quando chegar a hora.”

Além de Breaking Bad e The Boys, entrou nos universos Star Wars e Marvel. Depois de tudo isto, coloca-se a questão: há diferenças na forma como aborda os projetos? Vi o filme Seabiscuit: Alma de Herói cinco vezes e choro sempre. Da última vez, há três semanas, perguntei-me: porque estou a chorar? E percebi que uma parte de mim se identifica com a situação de quem já foi o underdog. Por isso, quando faço filmes maiores, nunca me esqueço disso e nunca me esqueço de trazer algo pessoal a estas personagens no ecrã.”

No Tribeca Lisboa, vai participar noutro painel, O peso de uma personagem, e no currículo já teve algumas tão impactantes que teve de aprender a desprender-se no final de cada dia de trabalho — o que nem sempre foi conseguido. “O corpo tem memória muscular e parte de nós funciona como uma máquina.”

Na preparação para uma personagem estuda maneirismos, treina formas de andar, colocação de voz, etc — tudo fica lá registado e certos gatilhos vão repescar essas memórias. Por isso, recorda uma história passada há uns tempos em Nova Iorque. “Uns tipos chamaram: ‘Oh, Gustavo [Fring, de Breaking Bad]!’ Virei-me e imediatamente o Gustavo já estava dentro de mim. Falei com eles, tirei umas fotos, fiz aquele olhar mortífero, porque era o que eles queriam e depois afastei-me.”

Só depois de vários metros é que percebeu: “Caminhava de forma diferente daquela que tinha antes de os encontrar”.

Parou, começou a rir às gargalhadas e depois, porque estava com pressa para se recompor para uma audição de dobragens para a qual se dirigia, começou a dizer: “Sai daqui, Gustavo. Vai-te embora, Gus”.

Para o ator, quando tem de fingir degolar ou sufocar alguém numa cena, sente que o corpo regista aquela ação como real e tem de lutar contra essa sensação. “Preciso de me perdoar por isso e aceitar que já passou porque, para mim, quando interpreto é algo mesmo real.”

Participou em Capitão América e sabe-se que adoraria colaborar com James Gunn no universo da DC — ainda não aconteceu porque “o momento não era o ideal” — e participou num videojogo, Far Cry 6. Porquê? “Queria mesmo saber como é que eles faziam aquelas coisas, foi tão simples quanto isso. Uma parte de mim é realmente curiosa e é o motivo pelo qual escolho muitos projetos.”

Isso leva-nos ao tema do futuro, que é tudo menos pacífico. Giancarlo Esposito garante que lê muito e há seis ou oito meses encontrou um conto de Stephen King. Escreveu ao autor porque queria comprar os direitos e King aceitou. “É como uma frase que existe no musical Hamilton, quero estar na sala onde tudo acontece. Nada acontece por acaso, temos de nos colocar nessa posição”, explica.

Seguiu-se o encontro com Guy Busick, realizador com o qual trabalhou no filme Abigail, a quem Esposito propôs o filme de terror que tinha em mente. Tudo se alinhou, trabalharam na adaptação durante seis meses e apresentaram-na a vários estúdios. O projeto está a avançar, mas é o único. O ator quer fazer uma comédia romântica recentemente teve uma ideia para uma novela gráfica — que já o selo da editora Simon & Schuster, ilustrador e os direitos aprovados para uma adaptação cinematográfica na qual será o protagonista.

“Eu sou meio italiano e tive uma ideia sobre um assassino contratado que é mestiço. É algo que nunca foi contado.”

Quer também um dia interpretar Alexander Pushkin, um filósofo e músico russo, e Paul Cuffe, o homem negro mais rico da América no século XIX. Como se não bastasse tudo isto, está a escrever um livro de memórias. Na passagem por Lisboa também reconhece alguns elementos que consegue perfeitamente imaginar na ficção.

“Vejo todos estes marcos históricos e sinto que este é um lugar muito especial por causa das pessoas que o habitam. À medida que este festival cresce, a esperança é que tenham mais incentivo para contar as vossas histórias, para contar a história dos portugueses.”