Em participação no “Conversa com Bial” nesta sexta-feira (31), Bete Mendes lembrou do período da sua vida em que esteve no ar na novela “Beto Rockfeller” (1968), da TV Tupi, ao mesmo tempo em que fazia parte de uma organização de resistência armada à ditadura militar:

— Eu não tinha ideia das coisas. Primeiro, que eu não sabia o que era televisão. Eu comecei no teatro, aí fui chamada para a televisão e a novela estourou. Eu não tinha noção daquilo. Concomitantemente à novela, eu estava estudando Ciências Sociais na USP e fazendo parte de uma organização de resistência à ditadura militar. Claro que não ia dar certo. Como não deu. Eles estavam caçando e prendendo todo mundo. A barra era pesadíssima.

Ela conta que seus colegas de elenco na produção não tinham ideia da sua outra ocupação:

— Eu era uma militante conscientíssima, responsabilíssima. Segredo puro. Não só pela responsabilidade e consciência, mas pela segurança dos outros. Naquela época, a situação era tão violenta em termos de repressão que, se alguém soubesse de alguma notícia e comentasse para outra pessoa, passava a ser um risco. Eu podia contribuir para arriscar a vida das pessoas. Então, eu não falava nada… (…) Eu usava o codinome Rosa, em homenagem a Rosa de Luxemburgo.

A atriz revelou também como ocorreu a sua primeira prisão:

— Foi uma história triste. Irene Ravache, que aliás foi a minha madrinha, quem me levou para a TV Tupi, tinha tido um marido que era da repressão. Ela me disse que ele queria conversar comigo, porque eu estava sob suspeita de participar (da resistência), e que se eu negasse seria tudo normal. Eu topei, tudo na ingenuidade que a gente tinha na época. Era o Capitão Maurício. Ele me levou para o DOI-CODI. Eu entrei tipo para prestar um depoimento, para dizer que eu não tinha nada com nada, que eu era uma estudante e estavam me confundindo, conforme ele havia conversado com a Irene e me instruído a fazer. Quando eu entrei, eles me prenderam. E aí não tinha nenhuma ilusão de que eu era suspeita. Eu fiquei quatro dias em solitária, sem alimentação. Foi tão traumático que eu perdi quatro quilos em quatro dias. Eles me liberaram como suspeita.

Após uma nova prisão, ela foi torturada:

— Eu fui torturada pelo mais famoso, Carlos Alberto Brilhante Ustra. Ele foi diretor, orientador e torturador em diversas regiões do país. Ele era considerado um dos campeões dos torturadores da ditadura. A história é perversa como tudo que esse homem fez.

Alguns anos depois, Bete se tornou deputada constituinte e acabou tendo um reencontro traumático com Ustra:

— Fiz uma viagem com o presidente Sarney para o Uruguai. Ao chegar lá, deparei-me com ele. E esse homem, que já estava demissionário de adido militar, vai com pompa, com uniforme de gala, e fica na recepção do aeroporto para nós. Na hora que eu o vi, a tortura inteira voltou. Eu fiquei desesperada. Passei quatro dias em Montevidéu quase sem dormir, tomando banho frio, apavorada. A única coisa que eu tinha consciência é que eu não podia denunciar lá, porque eu ia melar um programa de democratização vagarosa. Mas eu não podia me omitir. Mandei uma carta para o Sarney, fazendo a denúncia daquele adido que foi responsável pelas torturas e que estava premiado. E o Sarney veio: “Bete, por que você não me contou?”. Aí eu expliquei.

Pouco depois, ela disse ter e revelado a história à imprensa.

— No tempo em que vivi isso e depois também, eu recebi muitas ameaças. Eu tenho medo, claro que eu tenho, mas eu não sou uma pessoa apavorada. Depois que eu fiz a denúncia, para ir a Brasília, eu tinha que olhar os passageiros, porque esse homem se mudou para Brasília. Eu tinha medo de pegar o mesmo voo que ele.