Alexandre Santos e Miguel Aguiar são os novos rostos da liderança da Startup Portugal, a entidade, de utilidade pública, que tem como objetivo fazer crescer o empreendedorismo em Portugal e trabalhar na projeção internacional do setor.
A cúpula de liderança foi mudada em setembro, após a saída de António Dias Martins, até então diretor executivo da associação. Alexandre Santos assumiu as funções de presidente, enquanto Miguel Aguiar as de diretor executivo da entidade. A estes responsáveis ainda se juntam Filipe Alves, head of equity do Banco Português de Fomento, e José Antão, responsável de políticas de inovação da Agência Nacional de Inovação (ANI).
O presidente e o diretor executivo têm uma ligação já longa ao mundo das startups. Alexandre Santos é business angel — um investidor individual que dá apoio financeiro a empresas que estão a dar os primeiros passos — e liderou a área de investimentos da então Sonae IM, agora Bright Pixel Capital. Desde maio de 2021, é fundador e general partner da Chamaeleon, uma capital de risco focada em investimentos nos EUA e Europa, que participa em rondas seed ou série A. Já Miguel Aguiar conta com uma experiência de mais de duas décadas no setor privado, tendo liderado projetos de transformação digital e inovação na consultora PwC, na Portugal Telecom, na Nos e na CUF. Entre abril de 2024 e agosto de 2025, foi adjunto do secretário de Estado da Economia, João Rui Ferreira.
Em entrevista ao Observador, nos escritórios da Startup Portugal instalados à beira do rio Tejo, no Parque das Nações, os dois responsáveis descrevem o mundo do empreendedorismo português como “vibrante”, mas ainda com margem para crescimento. “Um dos objetivos [da direção] é ajudar na internacionalização das nossas startups, ajudar a que as startups que estão cá consigam crescer e a tornarem-se os próximos unicórnios”, diz Miguel Aguiar.
Nos escritórios, há uma sala repleta de informação sobre os trabalhos ligados à execução do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), com acesso vedado e longe de olhares indiscretos. A Startup Portugal revela que já estão definidas “cerca de 70% das verbas” dos apoios financeiros que vão para startups. A Startup Portugal está envolvida nos trabalhos de dois apoios financeiros do PRR: os vouchers para startups, com apoios de 30 mil euros por beneficiário, e os vales para incubadoras, com apoios que podem variar entre 30 mil e 150 mil euros.
E, em relação às queixas dos fundadores de startups sobre a demora na chegada dos apoios, admitem que gostariam de “conseguir ser muito mais céleres”, mas explicam-se os atrasos pela necessidade de “cumprir uma série de burocracia e de critérios”, nomeadamente validações e certificações que adicionam alguma demora ao processo. “A relação com entidades públicas, infelizmente, nunca é assim tão rápida quanto desejaríamos, mas estamos a fazer tudo o que está ao nosso alcance para que esse processo seja o mais acelerado possível”, assume Miguel Aguiar.
Os dois responsáveis acreditam que há margem para o setor crescer a nível internacional, em particular se houver uma abordagem diferente por parte do velho continente. “A Europa tem um problema, tem ficado para trás quando comparada com os EUA ou a própria China, no fomentar do empreendedorismo, no apostar na inovação, no desenvolvimento de novas tecnologias”, considera Alexandre Santos, presidente da Startup Portugal. Nesse sentido, a Europa tem de ser “muito mais agressiva, muito mais ativa e dar condições às startups”.
Assumiram funções há cerca de um mês, já estão ambientados? O que é que encontraram quando chegaram a estes cargos?
Miguel Aguiar (MA): Já estamos ambientados porque o ritmo é muito intenso, se não estivéssemos é que seria estranho. Encontrámos uma equipa muito empenhada, dedicada, com capacidade de entrega, com muitas ideias e com uma excelente relação com o ecossistema. O nosso papel agora é conseguir que isso se multiplique ainda mais, que a Startup Portugal seja cada vez mais um polo agregador de todo o ecossistema. Quando falo de ecossistema não estou a falar só de startups — estou a falar também de VC [venture capital, capital de risco], investidores, academia, corporate [empresas], business angels, tudo aquilo que pode contribuir para a inovação, com tecnologia e com o desenvolvimento das startups a nível nacional. Mas também na projeção de Portugal a nível internacional de todo este ecossistema.
Já vamos mais em detalhe à projeção internacional, mas, em linhas gerais, como é que o ecossistema de empreendedorismo português é visto lá fora?
Alexandre Santos (AS): Recentemente tivemos um evento a nível europeu [Fórum D9+, a reunião dos países líderes de transformação digital na Europa] que organizámos e que juntou várias associações de startups de vários países europeus, que são muito similares à Startup Portugal, com associações mais ligadas ao mundo empresarial e também com [a participação] de vários governos europeus. Foi interessante ver o impacto que nós, Startup Portugal, já temos a nível europeu. Veem a Startup Portugal como um exemplo, a nível europeu, de uma organização que está a fazer o seu trabalho de casa, a cumprir a sua missão de levar as startups portuguesas para o mundo e também a representar os interesses das startups neste contexto europeu, em que há muita política económica, muita regulação e muitos temas que têm de ser discutidos de forma aberta para ver se aumentamos as condições de sucesso de uma startup no contexto europeu.
Durante muito tempo Portugal era “vendido” como tendo sol, bom tempo… Já nos conseguimos descolar desta imagem, ir mais além?
AS: Acho que sim, acho que já não precisamos falar mais do Sol, sinceramente.
MA: É um bom add-on…
AS: Sim, estamos em outubro e há sol, mas acho que já nos veem além destes temas que, ao início, eram muito usados como cartão de visita. Temos unicórnios que saíram de Portugal para o mundo, temos vários casos de sucesso, temos um número crescente de fundadores a chegar a fases mais avançadas no processo de crescimento, a levantarem rondas cada vez maiores, a estarem em vários países do mundo. Acho que já não é preciso falar tanto de que Portugal é a Califórnia da Europa e que tem boas condições, bom sol, boa qualidade de vida… Já vai muito para além disso. Aliás, nos últimos anos vemos muitas startups e empresas maiores a vir cá contratar muito talento. Há muita gente que está a trabalhar aqui, remotamente, para muitas empresas espalhadas pelo mundo. Isso também ajuda a elevar a imagem de Portugal.
MA: E que estão a criar polos de desenvolvimento cá em Portugal. Mesmo os unicórnios têm cá polos de desenvolvimento grandes, acho que isso é um reconhecimento da capacidade que temos de entregar resultados. A quantidade de engenheiros que Portugal tem, em comparação com muitos outros países do mundo, faz diferença. A nossa academia tem feito um trabalho espetacular a conseguir gerar talento. Temos de conseguir reter esse talento, chamar talento português que está lá fora e também talento estrangeiro. Fiz a nota de que o sol é um bom add-on, porque realmente ajuda bastante. É mais fácil chamar pessoas para cá com este sol e com este tempo do que para o norte da Europa, onde metade do ano é noite. Mas conseguindo conciliar isso com todas as qualidades que temos a nível académico, com as leis… O facto de Portugal ter uma lei para startups vem mudar muito o panorama, fomos pioneiros nesse aspeto. Traz vantagens para as empresas, para as startups e para os fundadores. Tem sido visto lá fora como ‘as startups em Portugal não são só a Web Summit’. Temos um ecossistema vibrante, que está a atrair talento e está a conseguir criar empresas.
Relativamente à lei das startups [promulgada em 2023, reconhecendo legalmente os critérios das startups]… ambos têm um contexto ligado ao setor antes de virem para a Startup Portugal. Como é que viam esta lei das startups antes destas funções? Qual era a vossa opinião?
AS: Foi uma pedrada no charco. Permitiu pela primeira vez distinguir claramente uma pequena e média empresa (PME) e uma microempresa de uma startup. Isso permite depois orientar um conjunto de medidas.
Foi um regime que pecou por chegar demasiado tarde? Ou chegou na altura certa?
AS: Se tivesse ocorrido mais cedo, tanto melhor. Mas, mesmo tendo ocorrido na altura em que ocorreu, deixou-nos um pouco como pioneiros a nível europeu. Já se consegue ter benefícios distintivos para as startups que não se conseguia ter antes, porque nem era formalmente reconhecida como tal. Permite agora também trabalharmos num caminho de acrescentar ao que já foi construído com o nascer desta lei. Porque agora podemos fazer muito mais iniciativas e tentar ter muito mais benefícios no futuro para as startups que estão registadas como tal — e que são diferentes de uma PME. A lei tem ‘n’ coisas que podem ser ainda melhoradas numa segunda versão.