Altamira, município brasileiro no estado do Pará, tem o tamanho da Bélgica e da Grécia juntas. É o mais extenso do país, um dos maiores do mundo e fica em plena floresta tropical da Amazónia.
A cidade com o mesmo nome, Altamira, é o local onde a repórter brasileira Eliane Brum escolheu viver desde 2017, comprometida com a luta contra as alterações climáticas e depois de vários anos de experiência de reportagens no local. Acompanhou nomeadamente a da hidrelétrica de Belo Monte e o impacto da mesma para a natureza e os povos indígenas.
A cerca de 800 quilómetros de Altamira, ali não muito longe – pelo menos para os padrões da maior floresta tropical do mundo – realiza-se este ano, em Belém, a principal cimeira do clima a nível mundial. A 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30) decorre entre os dias 10 e 21 de novembro, mas Eliane Brum e vários jornalistas, cientistas e ativistas já vão a caminho.
Desde dia 31 de outubro, sexta-feira, que iniciaram este trajeto de barco e fazem uma espécie de “pré-COP” para discutir os temas centrais e levar a voz dos indígenas e da natureza a este palco internacional. Nesse barco viajam também os repórteres da SUMAÚMA, um projeto jornalístico fundado por Eliane Brum em 2022, que se foca na cobertura sobre a Amazónia e que conta com jornalistas indígenas nas suas fileiras.
Nesta entrevista à RTP Notícias, Brum designa-se a si própria e aos companheiros como “correspondentes de guerra”, não só porque vê que a guerra pelo clima é a grande batalha da atualidade, mas também porque o Brasil continua como um dos países do mundo onde mais ativistas ambientais são assassinados e ameaçados.
Nascida em 1966 em Ijuí, no Rio Grande do Sul, Brum foi repórter durante vários anos para o jornal Zero Hora e a revista Época, em São Paulo. Para além da reportagem, publicou vários livros dos quais dois já foram publicados em Portugal: “Meus Desacontecimentos – A história da minha vida com palavras”, lançado em 2024, e mais recentemente “Banzeiro òkótó – Uma viagem à Amazónia Centro do Mundo”, em 2025.
A RTP conversou com a jornalista, fundadora e diretora do projeto SUMAÚMA sobre as expetativas para esta COP30, mas também sobre a experiência de ativismo e de como tem sido viver no meio da floresta.
Foto: Lela Beltrão
“Indígenas não vão ter a voz que deveriam”
Pergunta: Sobre a COP30, que expetativas tem para esta cimeira que decorre em Belém, em plena Amazónia? Acha que a proximidade em relação a um dos locais mais ameados do globo poderá levar a decisões mais certeiras e veementes em defesa do clima?
Eliane Brum: Acho muito importante que tenha uma COP na Amazónia, numa cidade amazónica, numa capital que é da Amazónia urbana, com todos os problemas que a Amazónia urbana tem. Acho muito simbólico e importante. Há muitas reclamações sobre a falta de estrutura, e claro, há a questão dos preços exorbitantes. Mas é importante que haja uma COP na Amazónia.
Vai ser uma disputa muito difícil, até pela discussão do petróleo, para além do desmatamento da floresta chegando a um ponto de não retorno e a gente ter perdido os 1,5ºC como limite. Vai ser muito difícil recuperar até porque é uma transformação em cadeia.
Mesmo zerando o desmatamento, o que está muito longe de acontecer, mesmo reflorestando a Amazónia… sem acabar com as emissões de fósseis, a floresta vai chegar ao ponto de não-retorno.
Esta semana, o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, deu uma entrevista à SUMAÚMA, em que considerou que o mundo não foi capaz de conter o aquecimento global em 1,5ºC e já falhou essa meta.
Estamos num momento muito crítico porque mais de 70 por cento das emissões de carbono, as que fizeram a gente ultrapassar 1,5ºC, são produzidas por combustíveis fósseis. E mesmo assim, está-se ampliando a produção de fósseis, o que é uma total insanidade.
No Brasil, o país que recebe a COP30, o Governo Lula acabou de autorizar a exploração de petróleo na Foz do Amazonas. Ter a Amazónia e Petróleo na mesma frase é algo completamente absurdo. Estamos a caminho da extinção e a gente tem petróleo e Amazónia na mesma frase e há a dificuldade de discutir o petróleo e a transição energética nessa COP.
Mas mesmo assim, essa cimeira é muito importante. Ela vai ser disputada. Seria muito pior não ter. Tem gente que pergunta: para que serve a COP? Se não tivesse a COP estaríamos com as mineradoras e o agronegócio decidindo, pessoas como Trump decidindo tudo sem sequer uma instância de debate e negociação global.
Nos últimos três anos, as cimeiras do clima
decorreram em Sharm El Sheikh (Egito, 2022), Dubai (Emirados Árabes
Unidos, 2023) e Baku (Azerbaijão, 2024).
A COP é muito importante. As últimas três COP foram em países que não permitiam manifestações. O Brasil é um país que também explora petróleo, está ampliando sua produção de petróleo, está investindo quase nada em transição energética, mas é um país que permite manifestações. Eu acredito que a sociedade civil vai ter um papel ainda mais forte nas ruas, embora elas ainda estejam muito mal representadas nas negociações.
Pergunta: E os indígenas, terão alguma voz na cimeira?
Eu acho que os indígenas não vão ter a voz que deveriam ter e que deveriam ter por direito, porque são eles que protegem a floresta e todos os biomas. Se estamos aqui conversando é porque os indígenas estão protegendo a natureza. Se não existisse natureza, não estaríamos aqui.
Acredito que eles vão ter mais protagonismo do que costumavam ter, mas muito menos do que seria o justo. Essas populações que protegem as populações tradicionais, as populações originárias, que protegem não só a Amazónia mas todos os biomas, elas deveriam ter o protagonismo nas negociações. Mas não têm.
Cada vez mais os lobistas dos combustíveis fósseis, da mineração, do agronegócio, vão tomando conta, vão estando cada vez mais em maior número, inclusive porque têm muito dinheiro.
Mas nós na plataforma de jornalismo SUMAÚMA, jornalismo no centro do mundo, baseada na Amazónia, a gente vai fazer a nossa parte como jornalistas para esse debate, como já vimos fazendo desde o nosso dia um.
“Jornalismo é instrumento para combater a extinção”
A Eliane é fundadora e diretora deste projeto de jornalismo com jornalistas indígenas. Qual é o balanço que faz do trabalho que tem sido feito pela SUMAÚMA? Qual é a importância de um projeto como este?
Acho que a importância de plataformas como a SUMAÚMA é fundamental. Nós acabámos de completar três anos e a gente já tem respeito no mundo. É uma plataforma trilingue: espanhol, português e inglês, em breve também terá tradução para francês, porque a gente quer que as pessoas da floresta, as vozes da floresta, possam conversar com o mundo e influenciar o mundo.
SUMAÚMA é um projeto de transmissão de poder. Os jornalistas que o fundaram, nós somos jornalistas há 40 anos e a nossa experiência é com jornalismo tradicional, a que a gente tem muito respeito. Um jornalismo ético, preciso, que investiga e verifica, que respeita as fontes.
Os quilombolas são descendentes das comunidades
formadas por escravos fugitivos desde 1500 até à abolição da escravatura
no Brasil, em 1888.
Mas nesse momento o jornalismo também precisa de mudar. Temos um programa de co-formação, o Micélio. No Micélio a gente co-forma jornalistas indígenas, quilombolas, ribeirinhos, das populações tradicionais, mas também das periferias das cidades amazónicas. Ensinamos para eles o jornalismo que a gente sabe fazer e eles nos ensinam como eles contam histórias, no caso dos indígenas, há mais de dez mil anos, na floresta. É criado outro jornalismo que parte daqueles que não se separaram da natureza, que se consideram natureza porque são natureza e vivem com natureza, numa horizontalidade.
SUMAÚMA não nos trata como os únicos humanos. Para a maioria dos indígenas, os humanos são todos: os animais, plantas, fungos, os rios, as montanhas. A gente jamais vai dizer dez toneladas de peixe ou tantas arrobas de boi, porque eles são seres vivos e a nossa visão é de horizontalidade. A partir de toda essa linguagem, dessa conceção do mundo, essa conceção que mantém o que existe da natureza em pé, que nunca destruiu a natureza, é que a gente faz jornalismo.
A linguagem que nos trouxe ao colapso do clima e da natureza é a linguagem dos que se separaram da natureza. A gente retoma a linguagem dos que são natureza, vivem com natureza e protegem todos os biomas.
Esses jornalistas que a gente está co-formando, já estamos na segunda edição. Na primeira edição eram 11 e a gente contratou três. Os outros participam de outras iniciativas e criam as suas próprias iniciativas. A gente tem três jornalistas-floresta na nossa base aqui em Altamira, no centro da destruição da floresta, e agora a gente está com nove sendo co-formados, que são de diferentes partes da Amazónia. Eles também vão trabalhar na COP.
E assim, o SUMAÚMA vai crescendo até daqui a sete anos, em que maioria de nós vai estar fora e eles vão comandar [o projeto]. Vai ser inteiramente composto e comandado por jornalistas-floresta, por essa outra linguagem.
Nós defendemos que os centros do mundo são onde a natureza ainda resiste e não os centros políticos e económicos onde a nossa vida é levada ao colapso, que nos trouxe a ameaça de extinção. A Amazónia, os oceanos, as florestas tropicais, e não Washington, Pequim, Londres, Frankfurt. E isso não é uma retórica. A gente vive isso.
Nós estamos aqui num dos epicentros da floresta, a 800 quilómetros de Belém – onde vai ser a COP -, como correspondentes de guerra. Porque a gente entende que é uma guerra movida contra a natureza que nos está levando à extinção. E essa guerra começou muito anos antes, começou há 500 anos e vai muito além das nossas vidas. O jornalismo é o nosso instrumento para combater a extinção.
Vamos estar na COP com uma das maiores equipas, com quase 40 jornalistas, muitos deles da floresta, indígenas, das populações tradicionais, das cidades amazónicas. Vamos sair daqui na próxima sexta-feira, no dia 31 [de outubro]. Vamos de barco até Belém, um barco organizado por nós e a organização Saúde e Alegria. Vamos com quase cem lideranças indígenas, cientistas da floresta e da academia, artistas, fazendo uma discussão, uma pré-COP no barco, navegando contra o fim do mundo.
Falou nos três idiomas da SUMAUMA. Como funciona a questão da língua quando há povos indígenas que podem não dominar tanto o português?
Infelizmente, por conta do colonialismo, a língua é um instrumento de dominação e grande parte dos povos indígenas hoje falam português, alguns deles como primeira língua. Eles estão tentando retomar, voltar a falar a sua língua. A gente tem alguns povos que estão com o último falante de sua língua. Então, quando a gente vai entrevistar indígenas cuja primeira língua não é o português, a gente leva um tradutor da língua dele e também tem um tradutor local. Esses dois tradutores trabalham juntos e a gente entrevista os grandes líderes mas também a comunidade nas suas línguas nativas. Porque a gente sabe que eles só vão poder-se expressar bem com a sua própria língua. A gente trabalha nisso também e espera colaborar dessa forma com o fortalecimento das línguas indígenas.
A gente vai fazer debates agora no barco, são vários debates que vão acontecer durante a nossa navegação. E tem vários indígenas, mas tem apenas uma delas cuja primeira língua é o Yanomami. Ela tem sempre uma tradutora de Yanomami com ela para que se possa expressar. Às vezes, no primeiro impacto, na primeira fala, a gente deixa sem tradução para que os não indígenas entendam que esta é uma outra forma de conceber o mundo e que eles precisam de se esforçar para alcançar.
“A seca agora é muito mais extrema”
Desde 2017 que a Eliane vive em Altamira. Escolheu este local por designar a Amazónia como a grande luta do nosso tempo. Que balanço é que faz deste tempo a viver em plena Amazónia. O que é que ainda a surpreende e quais são as principais dificuldades que enfrenta?
Eu vim para cá em 2017 por coerência, por defender que a Amazónia é um dos centros do mundo. Mas eu já cobria a Amazónia há 30 anos. Já faz mais de 30 anos que eu cubro as diferentes Amazónias. Neste lugar, como eu já tinha feito algumas reportagens aqui na região de Altamira e depois acompanhei toda a destruição promovida pela Hidrelétrica de Belo Monte, eu entendi que como é um dos epicentros era aqui que eu teria de ficar.
Belo Monte é a segunda maior hidrelétrica do Brasil e
foi uma das construções mais polémicas do país nas últimas décadas, não
só pela sua implicação na Operação Lava Jato, mas também pelo profundo
impacto para a biodiversidade e a vida das comunidades indígenas e
ribeirinhas do rio Xingu.
Uma pessoa não amazónica não pode vir de repente. Eu tenho uma base, tenho trabalho e escolhi Altamira para ficar. Vim principalmente para estar na linha de frente, como aliada, nessa guerra que é movida contra a natureza. Na linha da frente com os povos-floresta.
Mas eu vim também para me reflorestar. Porque toda a minha estrutura, toda a minha linguagem é daqueles que se separaram da natureza. Por mais que eu combata o capitalismo, o capitalismo é uma linguagem e eu fui formada nessa linguagem.
O reflorestamento é a parte mais difícil. Nesses oito anos eu mudei muito, eu passei a me entender como natureza. Por exemplo, eu estou aqui na casa. A gente reflorestou um pedaço de pasto e construiu uma casa o mais organicamente possível. Mas essa casa não é minha, a casa é uma invasora. Eu sou uma invasora e tenho de me comportar como tal.
A floresta está sempre contra esta casa, que é uma casa coletiva. Eu divido essa casa de forma igualitária com aranhas, com sapos, com lagartixas, com milhões de formigas, abelhas. Com as árvores, com as plantas. Com tudo o que é vivo. E tudo aqui é muito vivo, tem uma enorme força de vida. Eu sou colega de casa de todas essas pessoas, que para mim são pessoas. Isso já está incorporado na minha forma de entender o mundo.
É difícil explicar com coisas concretas essa mudança. Mas é uma mudança profunda e que dá muito trabalho, precisa de aceitar os riscos e aceitar me entregar a essa mudança. E eu estou muito longe ainda. Vou morrer me reflorestando, é um trabalho permanente.
O mais difícil é porque a gente está perdendo nessa guerra. Isso a que se chama humanidade – e que eu tenho muitas ressalvas – está perdendo e está caminhando para a extinção, correndo para a extinção.
Nesse pouco tempo que estou aqui, nesses oito anos, eu já vi a floresta a mudar. A seca agora é muito mais extrema do que era. A gente está em plena seca agora e sabe que na seca é a estação dos fogos.
E todos os fogos na Amazónia são criminosos. O mais difícil é ver a floresta queimar. Porque quando se entende que a gente está em relação com tudo, quando vê uma floresta queimada não vê mais “tantos campos de futebol”, como os jornalistas gostam de dizer. A gente não vê só árvores.
A floresta não é um espaço com árvores dentro, isso é um jardim botânico. A floresta não é um espaço com animais dentro, isso é um jardim zoológico, coisa que eu abomino. A definição de floresta é a relação. Tudo está em relação, todos os seres estão em intercâmbio, contágio, contaminação, interdependência. A floresta é uma relação, a natureza é uma relação.
Nós somos uma relação com tudo o que nos habita. Não somos um corpo com bactérias com outros vivos dentro. Nós somos essa relação. Então, quando se passa a entender dessa maneira, a viver em outros entendimentos, quando se vê uma floresta a queimar, tu entendes que tu queimas também. Tu entendes que, naquele momento, estão acontecendo holocaustos. São milhões de vida queimando, cada árvore é um planeta com milhões de vidas. São onças queimando em dor excruciante, preguiças, tatus, cobras, pássaros, insetos e fungos queimando em dor excruciante.
E isso acontece durante dias porque há muita resistência em acabar com o fogo, mesmo que a lei diga que não pode fazer e que obrigue a combater o fogo.
Porque há quem lucre com o fogo…
Quem lucra com o fogo são os destruidores da Amazónia. Ela é destruída pelas grandes corporações internacionais e pelo crime organizado, que também está em relação com muitas dessas corporações internacionais. Ela é destruída pelo que a gente chama de grileiros, os destruidores históricos da Amazónia e muito ativos hoje, ainda. Eles chegam num pedaço da floresta e expulsam com pistoleiros e cada vez mais com policiais. As milícias hoje são formadas por policiais e pistoleiros.
Expulsam as populações, matam, cortam as árvores, exportam essas árvores para a Europa muitas vezes, para o norte global. Esse corte das árvores é feito na maioria das vezes com trabalho escravo. Esses trabalhadores depois são mortos, enterrados por ali. Depois disso, colocam bois para dizer que têm a posse da terra, que estão produzindo. Esses bois do desmatamento são passados até serem legalizados e vão parar em grandes corporações, como a JBS. E vão ser vendidos e exportados para a China e Europa. E aí se vende essa terra. É um grande negócio porque tu não gastou nada, não gastou quase nada.
Esses são os beneficiários. Esse crime organizado do tráfico de drogas hoje, na Amazónia, faz muitas outras coisas. Ele faz pilhagem, garimpo, e vai para esse outro crime legalizado, que é das grandes corporações transnacionais que comem a Amazónia, contaminam e matam as populações da floresta. É muito complexo. Todos eles ganham com os fogos. Na cabeça deles é lucro, é transformar a floresta em monoculturas de soja, de palma.
O maior rebanho bovino do Brasil fica na Amazónia. Fica numa cidade que para os padrões amazónicos até é perto de Altamira, que é São Félix do Xingu. Dois milhões e meio de bois só numa cidade amazónica. Quando as pessoas pensam na floresta e pensam na onça…mas o animal de grande porte mais numeroso da Amazónia é o boi, outro escravo contemporâneo. Quando se come carne na Europa tem de se pensar está a comer a carne com sangue da floresta, sangue dos povos da floresta.
“Escolha é entre planeta hostil ou ruim”
Perante tudo isto, devemos olhar para o futuro com pânico ou com esperança? Ter esperança que algo mude, mas sentir o pânico de que já não vai ser possível mudar grande coisa.
Nesse momento em que a gente vive, que é um momento limite, a gente realmente está a caminho da extinção. Não faz sentido nem pânico nem esperança. Primeiro tem de dizer que os povos da floresta, de todos os biomas, estão lutando em nome de todo o mundo. São eles que estão morrendo. E eles estão lutando, não estão pensando em pânico nem em esperança. Estão lutando, porque eles lutam pela vida.
Acho que a esperança é supervalorizada. Porque talvez seja um momento em que a gente não tenha mais por que ter esperança e isso não é o mais importante. O mais importante é a vida.
O capitalismo deu uma ideia de vida para a gente que não tem nada a ver com a vida. Quando a gente está na natureza, vivendo com a natureza, a gente entende a força imensa da vida. A gente tem de recuperar essa força imensa da vida e lutar.
Todos nós temos de lutar, não dá para delegar essa luta. Todos nós lutamos fazendo o que não sabemos a partir do que sabemos, como a gente está fazendo no jornalismo.
Todos temos de lutar porque a gente não luta para ganhar, a gente luta para viver. Pode observar que quem não está lutando, está paralisado, está zumbizando, esperando a extinção a chegar – o que é uma grande traição às novas gerações, que não escolheram isso – tem olhos mortos.
Quem está lutando, está vivo. Porque a gente luta também com a imaginação e com alegria. A gente luta com tudo isso misturado, porque a vida tem tudo isso.
O capitalismo sequestrou o nosso instinto de sobrevivência. Aqui na floresta, a gente vê qualquer ser vivo, não importa o tamanho que tenha, a ser ameaçado. Ele imediatamente reage, porque ele quer viver. A gente está ameaçados de extinção e não reage, perdemos o nosso instinto de sobrevivência, mas tem de se recuperar. Nem que seja por respeito às novas gerações, e todo o mundo está ligado a alguma criança que já nasceu. Não estou falando das que ainda não nasceram, mas das que já nasceram num mundo pior.
A nossa escolha, agora, é entre um planeta hostil e um planeta ruim. A gente já está num planeta muito pior para o que a gente chama de humanos, para a humanidade. Mas a diferença entre um planeta ruim e um planeta hostil é muito grande. Num planeta hostil muita gente vai morrer. E a gente sabe quem são as pessoas que vão morrer, maioritariamente.
Pessoas como Trump ou Elon Musk, eles não estão interessados porque acreditam, como sempre se salvaram, que se vão salvar, mesmo que seja indo para Marte. E com a inteligência artificial, não vão precisar mais de tanta gente trabalhando, porque vão ter robôs. Então eles não estão se importando com isso. Então não faz sentido pessimismo, otimismo, pânico, esperança. A gente tem de lutar para viver.