Filha do famoso velejador brasileiro Amir Klink, Tamara Klink revela que, ao atravessar o Ártico numa viagem solitária que durou dois meses, ela precisou ficar de “olho fechado e orelha acordada”, tendo que “dormir em pedacinhos curtos, de 20 em 20 minutos”. Apesar de fazer tudo isso de forma planejada, para se tornar a primeira latino-americana a ir da Groenlândia para o Canadá, ela sabe bem as consequências que a privação de sono pode provocar.
“Quando eu administro a falta de sono, estou principalmente administrando as consequências de ficar sem dormir, que são péssimas”, afirma, numa peça institucional veiculada por um banco. “Tenho perda de memória, dificuldade de tomar decisões assertivas e fico mais lento”, registra Tamara.
A situação não é diferente daqueles que sofrem de insônia crônica, hoje encarada como epidemia. A ponto de a Organização das Nações Unidas (ONU) reconhecer a privação crônica de sono como fator de risco primário. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), ela atinge entre 40% e 45% da população.
A Associação Brasileira do Sono estima que cerca de 73 milhões de brasileiros têm algum distúrbio do sono, sendo a insônia e a apneia os mais comuns. Já a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) calcula que 36% dos adultos brasileiros dormem menos de seis horas por noite, tempo abaixo do mínimo recomendado, de sete a oito horas.
“Essa sensação de acordar cansado – mesmo depois de uma noite aparentemente longa de sono – é algo cada vez mais comum e tem múltiplas causas, tanto fisiológicas quanto comportamentais e ambientais. Entre todos os vários motivos, destaco o estresse e a hiperatividade mental. Vivemos em um estado em que estamos constantemente ‘ligados’”, explica Renata Aurichio, fisioterapeuta em sono certificada pela Academia Brasileira do Sono, integrante do corpo docente do Instituto do Sono, em São Paulo, e sócia-proprietária da Primar Saúde do Sono.
Preocupações de ordens diversas levam a pessoa, segundo a fisioterapeuta do sono, a uma maior ativação do sistema nervoso simpático (modo de alerta) e impede o corpo de entrar em relaxamento suficiente para dormir profundamente. “Não estamos necessariamente dormindo menos. Estamos dormindo pior pelo excesso de tarefas e falta de pausas mentais”, salienta.
Juntam-se a isso a pouca exposição à luz natural (essencial para regular o ciclo sono-vigília) e a falta de atividade física regular. “A era industrial e, depois, o capitalismo moderno criaram a ideia de que ‘tempo é dinheiro’. Dormir passou a ser interpretado como ‘tempo perdido’”, lamenta. Desta forma, a modernidade passou a ser a grande vilã de uma boa noite de sono.
“A sociedade associou produtividade a privação e descanso a fraqueza. O sono foi visto como algo a ser reduzido, controlado ou até um ‘luxo’ para quem não tinha ambição suficiente”, afirma Renata, que lembra que o avanço da tecnologia (a luz artificial, as telas e o trabalho remoto) expandiu o “dia útil”, confundindo nossos relógios biológicos.
Ela explica que um sono ruim não tem uma única causa. Ele é o resultado de pequenos desequilíbrios que, juntos, impedem o corpo de entrar nas fases mais profundas e restauradoras do sono. “Fatores psicológicos e emocionais, como o estresse e a ansiedade, aumentam o nível de cortisol e adrenalina, dificultando o relaxamento”.
A importância menor que damos à qualidade do sono, especialmente em relação à alimentação e à atividade física, é fruto, segundo ela, de uma “negação emocional”. “O sono é um espelho, e é no silêncio e na pausa que o corpo e a mente se revelam. E muita gente teme esse confronto”, diz Renata, que também aponta a falta de mais conscientização pública sobre o papel amplo do sono.
Medicamentos podem causar dependência
Elizabeth (nome fictício) sofre de depressão, e um dos efeitos é a troca do dia pela noite. Para conseguir dormir no horário correto, ela precisa tomar um remédio tarja preta que provoca dependência e efeitos colaterais. “Já tentei várias vezes ficar sem tomar, mas a hora vai avançando e a gente entra em desespero”, observa.
Ela já tentou outros tratamentos, mais alternativos, mas acaba sempre voltando ao remédio prescrito pelo psiquiatra. “O uso de medicamentos indutores do sono – mesmo com prescrição médica – deve ser visto como recurso temporário, não como solução definitiva”, reforça a fisioterapeuta em sono Renata Aurichio.
“Embora eficazes no curto prazo, esses medicamentos podem causar dependência, tolerância e efeitos colaterais como sonolência diurna, lapsos de memória e perda de concentração. Além disso, o uso prolongado pode mascarar causas reais do problema – como estresse, má higiene do sono ou apneia não diagnosticada”, explica.
Apesar de a insônia ser a reclamação mais constante em relação ao sono ruim, a fisioterapeuta cita também a apneia (parada na respiração). “É um problema físico e respiratório: ocorre quando há obstrução parcial ou total das vias aéreas durante o sono, levando a pausas na respiração e queda na oxigenação. Trata-se de uma condição que exige diagnóstico e tratamento”, assinala.