Iara Lobo é, aos 17 anos, uma das grandes promessas do futebol feminino. A prova disso é que já representa o Barcelona, que é quase unanimemente considerado o melhor clube do mundo no futebol feminino. Em dez anos, aliás, foi do Ferreiras, no Algarve, ao Sporting e do Sporting ao Barcelona.
Agora a viver em La Masia, a lateral direita já costuma ser chamada aos treinos da equipa principal e até foi inscrita na Liga dos Campeões, naquele que é um sinal claro da aposta que o Barcelona faz nela. Ao olhar para trás, recorda as dificuldades do início e a perda da infantilidade que o futebol dá em criança.
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Começou a jogar ainda criança, como é que o futebol entrou na sua vida?
Eu gostava muito de jogar futebol e sempre disse à minha mãe que era algo que queria fazer. Entretanto, aos sete anos, disseram-me que precisava de arranjar um sítio onde gastasse a muita energia que tinha e a minha mãe inscreveu-me no futebol.
Que importância teve esse primeiro clube, o FC Ferreiras?
Foi muito importante, porque são experiências que nos marcam e nos criam as melhores memórias. É uma altura em que somos realmente felizes. Até hoje lembro-me de todos os amigos que fiz. É uma memória feliz e é justamente isso que me faz gostar tanto do futebol. Naquela altura a minha maior preocupação era ir para o treino e aproveitar.
Começou numa equipa mista, provavelmente porque durante muito tempo o futebol foi um desporto de rapazes. Sentiu discriminação nesse sentido?
Eu era a única rapariga e sempre fui tratada por igual pelos meus colegas, que eram os meus amigos da escola. Mas no início, o meu primeiro treinador não me punha a jogar por ser rapariga. Não me convocava para os jogos e todos os treinos me dizia «vai para casa brincar com as bonecas, o teu lugar não é aqui». Pelo que na minha primeira época eu não joguei. Lembro-me da minha mãe me perguntar todos os dias «tens a certeza que não queres mudar?» e eu dizia sempre que não. Era difícil treinar, mas eu tinha lá os meus amigos. Na época seguinte veio um outro treinador [Carlos Mateus], que me ajudou muito.
Como é que a ajudou?
Marcou-me com uma frase. Eu costumava dizer muito «eu não consigo» e ele dizia-me sempre «se tu disseres eu não consigo, eu não te ponho a jogar, essa frase não existe». Ele foi uma das principais peças para chegar ao Sporting.
E ao longo deste trajeto, quem mais a marcou?
No Sporting tive outro treinador, nas sub-15, que foi como um pai para mim. Dizia-me sempre: «Iara, eu tenho a certeza, tu vais chegar lá em cima, mas promete-me que vais ter sempre os pés no chão. Tens qualidade para fazer o que quiseres, mas o mais importante é a humildade». Ele foi como um pai para mim, foi a pessoa a quem pedia conselhos, a quem depois de um jogo mau telefonava ou mandava mensagem.
Foi para o Sporting em 2019. Como é que isso aconteceu?
Eu ainda estava na escola quando a minha mãe começou a falar com o Sporting para ir fazer captações. Quando as inscrições abriram, inscreveram-me, mas não me disseram nada. No dia antes a minha mãe vira-se para mim e diz: «Vamos para Lisboa e vais fazer as captações para ver se queres entrar no Sporting». Como se tratava do meu clube de coração, aceitei.
Sendo você tão nova, por quem passou a decisão final de ficar no Sporting?
A palavra final foi minha, a minha família sempre me deu muita liberdade. Diziam-me «se é o que tu queres vai, porque é o teu sonho» e eu sem pensar duas vezes disse que sim, porque era o futebol, era o Sporting e era o meu sonho. Além disso, os meus avós também viviam em Lisboa, e eu acabei por ficar com eles e tinha algumas coisas mais facilitadas.
Caso não tivesse os seus avós, o clube dispunha de algum tipo de apoio em termos de alojamento?
Hoje em dia o Sporting tem muito melhores condições. Dão casa e dão todas as condições às jogadoras que vêm de longe. Na minha altura o futebol feminino não era tão evoluído e o Sporting não tinha condições para alojar raparigas que vinham de fora. Portanto, essa foi uma questão que se falou muito na reunião, eles diziam «A Iara é de muito longe, nós não temos condições». Isso acabou por não ser um problema para mim, porque tinha os meus avós.
«Cheguei à equipa B do Sporting com 15 anos e senti que perdi um pouco da diversão do futebol»
Nessa altura tinha apenas 11 anos. Custou-lhe deixar o Algarve?
No primeiro ano, a minha ideia era voltar para o Algarve no final da época. Estava sempre a pensar «eu quero voltar, eu não quero ficar aqui». Apesar das coisas estarem a correr bem e eu estar feliz no Sporting, eu era muito pequena e tinha os meus amigos, a minha família, tinha tudo no Algarve. No entanto, eu depois percebi que o que eu realmente queria era jogar futebol e um dia ser profissional, pelo que decidi manter-me no Sporting, onde fui muito feliz.
Conseguia ir ao Algarve com alguma regularidade?
Era difícil, porque tinha jogos ao fim de semana e treinos durante a semana. A minha mãe é que costumava ir a Lisboa, quase todas as semanas, o que também tornou as coisas mais fáceis. Eu só conseguia ir lá de três em três meses, e às vezes nem isso.
No espaço de cinco anos deixou o Algarve, foi para Lisboa e agora vê-se a viver em Barcelona. Em algum momento sentiu que as coisas aconteceram rápido demais?
Senti isso algumas vezes, principalmente quando passei das sub-15 para as sub-19 no Sporting. Senti que perdi um pouco da infância e da diversão que se dá ao futebol quando somos mais pequenos. Não que não me tenha divertido, mas parecia que estava a subir muito rápido. Cheguei à equipa B com 15 anos e senti que me faltava um pouco dessa infantilidade.
Sentiu o mesmo em relação à seleção nacional?
Na seleção não senti tanto, porque o que eu queria era jogar competição, e isso só há nas sub-17 e nas sub-19. Quando me chamaram para as sub-17 fiquei completamente surpreendida, tinha apenas 15 anos e não estava nada à espera. Como sempre tive o objetivo de jogar uma qualificação e jogar um Europeu, não senti que tivesse sido demasiado depressa.
Acredita que a evolução no futebol feminino em Portugal poderá um dia refletir-se na conquista de títulos pela seleção?
Há muita qualidade, a começar desde logo na formação. Este Europeu sub-19 foi a prova disso. Chegámos às meias-finais, perdemos 4-3, mas tivemos quase a chegar à final. Passámos por um grupo muito difícil, com todas as potências europeias. Acho que tudo isto veio provar que o sonho de ganhar um Europeu ou Mundial é possível.
Do Algarve ao Barcelona, muita coisa mudou, mas o apoio da família não foi uma delas. Qual a importância disso no seu percurso?
A minha mãe, os meus avós e os meus irmãos foram a base de tudo. Sem eles, nunca poderia ter ido jogar para o Sporting, porque não tinha casa em Lisboa e teria de continuar no Algarve. Também não poderia ter vindo para o Barcelona, porque era menor. Sem eles, não teria tido o apoio que tive, para conseguir ultrapassar a época difícil que passei. Sem a minha família, nada disto teria sido possível e não seria quem sou hoje.
