António Cotrim / LUSA

Filipe Melo, deputado do Chega

Momento tenso e troca de acusações entre Eva Cruzeiro e Pedro Pinto, com Filipe Melo a fazer uns gestos. Grégoire de Fournas ficou sem receber.

Foi na quarta-feira passada que se verificou (nova) confusão na Assembleia da República.

Eva Cruzeiro, deputada do PS, disse que está muito preocupada com uma reclamação frequente: em Portugal há “um partido de extrema-direita que tem polarizado muito a sociedade, que tem difundido muito a mensagem racista, xenófoba, o discurso de ódio e por aí adiante… Um partido que, segundo diz a nossa constituição, nem sequer deveria existir”.

Nesse contexto, Eva perguntou ao ministro da Presidência, Leitão Amaro, se o Governo vai reforçar a formação e a capacitação de todos os funcionários de instituições públicas que lidam com imigrantes, “para que essa polarização não se note no procedimento” desses funcionários.

O Chega não gostou do que ouviu e rapidamente começaram os protestos, bem audíveis por parte do seu líder parlamentar, Pedro Pinto (com microfone desligado), que apontou: “Nunca fala, falou hoje!” – dizendo que Eva Cruzeiro nunca intervém nos debates no Parlamento. Ou “Eu não sou racista!”.

Isto enquanto a Mesa ameaçava suspender a sessão. Embora o ministro Leitão Amaro tenha dito logo, também com o microfone desligado: “Eu não, que tenho de me ir embora. Peço desculpa”.

Já com microfone ligado, o líder parlamentar do Chega pediu a palavra para defesa de honra: “Eu não lhe posso admitir, senhora presidente, que tenha permitido que a senhora deputada Eva Cruzeiro tenha chamado fascistas e racistas aos deputados do Chega! Todo o Parlamento ouviu, todos os deputados aqui presentes ouviram!” – embora o que Eva Cruzeiro tenha dito foi “difundido muito a mensagem racista” e nunca tenha dito a palavra “fascista”.

“Nós não insultamos ninguém dos outros partidos políticos!”, assegurou o deputado do Chega.

Eva Cruzeiro reagiu: “O senhor deputado deveria agradecer por todas as vezes que não falei. Vocês são racistas, são xenófobos e mantenho que, segundo a nossa Constituição, não deviam existir nesta democracia. O cartaz que temos aqui à frente da Assembleia é prova do vosso racismo e da vossa xenofobia”.

“Vai para a tua terra”

Ao mesmo tempo, uns metros mais acima, Filipe Melo (Chega) fez – no mínimo duas vezes – um aparente gesto de “vai-te embora”.

Entretanto, ouve-se Eva Cruzeiro a dizer: “Eu estou na minha terra, senhor deputado. Esta é a nossa terra”. Aparentemente a olhar para Filipe Melo.

Logo a seguir, Pedro Delgado Alves avisou a Mesa: um deputado do Chega tinha dito à deputada do PS para voltar para a sua terra.

Horas depois, Eva Cruzeiro acusou Filipe Melo de ter gritado “vai para a tua terra” nesse momento. A deputada do PS vai avançar com uma queixa contra o deputado do Chega. Além disso, contou na CNN, Filipe Melo não foi o único deputado do Chega a dizer essa frase.

Nada aconteceu. Se alguém ouviu (ainda será publicada a transcrição integral desta audição), nada foi feito na mesma. Nenhuma advertência da Mesa, nenhum aviso.

2022, França

Aconteceu há precisamente três anos, lembrou Daniel Oliveira na SIC: um deputado francês foi suspenso por ter dito “volte para África!”, igualmente durante um debate no Parlamento.

O deputado em causa era Grégoire de Fournas, deputado da União Nacional. Quando falava um deputado da França Insubmissa, (LFI Carlos Martens Bilongo, de origem congolesa, Grégoire de Fournas gritou “volte para África!”.

O debate foi logo suspenso. A presidente da Mesa perguntou de imediato quem tinha sido o deputado a dizer aquela frase – que foi dita com o microfone desligado.

Depois, a Assembleia Nacional francesa aprovou uma suspensão de 15 dias, a punição máxima prevista nos estatutos. Não recebeu salário durante esse período.

Porque “o livre debate democrático não pode permitir tudo. Certamente não (permite) insultos, certamente não racismo, qualquer que seja o objectivo. É a negação dos valores republicanos que nos unem nesta Câmara”, disse Yaël Braun-Pivet, presidente da Assembleia Nacional de França.

O deputado em causa alegou que estava a falar no plural “volte” ou “voltem” é igual em francês”; assegurou que estava a falar sobre os barcos de migrantes ilegais.

“Sou totalmente inocente dos factos com que sou acusado. Sofro esta sanção de uma dureza sem precedentes como uma grande injustiça. Mas, respeitando a instituição, submeto-me a ela”, reagiu na altura Grégoire de Fournas.

De Fournas já não é deputado em França, desde o ano passado.


Nuno Teixeira da Silva, ZAP //


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