Crianças nascidas de mães infectadas com Covid durante a gravidez enfrentaram um risco maior de autismo e outras condições neurológicas, como atrasos no desenvolvimento motor e da fala, de acordo com um estudo publicado na quinta-feira (30).

Publicada na revista Obstetrics & Gynecology, a análise de mais de 18.100 nascimentos em Massachusetts (EUA) está entre os maiores estudos publicados até o momento sobre crianças nascidas de mulheres que contraíram o vírus desde o início da pandemia até meados de 2021, antes que as vacinas estivessem amplamente disponíveis.

Os autores da pesquisa enfatizam que o estudo é observacional e que por isso os resultados não provam que a Covid cause as condições diagnosticadas nas crianças, embora sinalizem uma ligação com a infecção materna. E o risco de tal diagnóstico permanece extremamente baixo, diz Andrea G. Edlow, cientista médica do Hospital Mass General e professora associada de obstetrícia e ginecologia da Faculdade de Medicina de Harvard.

Especialistas em saúde pública dizem que os resultados ressaltam a importância da vacinação contra a Covid durante a gravidez, observando que proteger as gestantes ajuda a salvaguardar tanto a saúde delas como a de seus bebês. Os resultados surgem em um momento em que as taxas de vacinação contra o coronavírus estão em queda.

O secretário de Saúde dos EUA, Robert F. Kennedy Jr., um cético de longa data em relação às vacinas, anunciou recentemente que os CDC (Centros de Controle e Prevenção de Doenças) não recomendariam mais a vacina contra o coronavírus para mulheres grávidas saudáveis, provocando críticas generalizadas de especialistas em saúde pública. O Colégio Americano de Obstetras e Ginecologistas continua recomendando a vacinação, e autoridades federais agora dizem que todos os americanos, independentemente dos fatores de risco, devem consultar um médico sobre receber a vacina contra o coronavírus.

A administração Donald Trump intensificou seu escrutínio das políticas de vacinas contra o coronavírus enquanto promove alegações de que tomar Tylenol durante a gravidez pode aumentar o risco de autismo. Atualmente, não existem estudos científicos que mostrem que o uso de paracetamol durante a gravidez cause autismo, segundo muitos especialistas médicos, que alertam que a febre que as mães experimentam durante a gravidez também pode ser prejudicial.

Mary Ann Comunale, professora associada da Faculdade de Medicina da Universidade Drexel, afirma que o estudo oferece informações importantes baseadas em evidências para discussão entre um médico e seu paciente.

“Isso é particularmente importante no clima atual de hesitação em relação às vacinas”, diz Comunale, que não esteve envolvida na pesquisa de Massachusetts.

No novo estudo, pesquisadores examinaram registros médicos do período entre 1º de março de 2020 e 31 de maio de 2021. Entre 861 mulheres que testaram positivo para Covid durante a gravidez, 140 deram à luz uma criança que receberia um diagnóstico de neurodesenvolvimento até os 3 anos de idade.

Poucas haviam se vacinado, afirmam os pesquisadores. Estudos futuros com populações maiores são necessários para revelar o risco potencial para mulheres que receberam vacinas contra a Covid, dizem Edlow e o coautor Roy H. Perlis, pesquisador do Mass General e professor de psiquiatria de Harvard.

A pesquisa se baseia em um crescente corpo de trabalho sobre o impacto da infecção viral durante a gravidez e a saúde fetal. Há fortes evidências de que alguns vírus como rubéola e zika podem causar lesões fetais. Em 2015 e 2016, a OMS (Organização Mundial da Saúde) declarou uma emergência de saúde pública quando o vírus zika estava se espalhando na América Latina e foi associado a centenas de nascimentos de crianças com microcefalia, uma condição caracterizada por uma cabeça anormalmente pequena e cérebro subdesenvolvido.

Cuide-se

Os cientistas afirmam que é raro que um vírus respiratórios como a gripe e o Sars-CoV-2, que causa a Covid, atravessem a barreira placentária e que o impacto no feto pode ser devido à resposta imunológica da mãe. Um possível culpado pode ser a inflamação, que resulta na liberação de moléculas sinalizadoras que podem influenciar como os neurônios —a unidade de trabalho do sistema nervoso— no cérebro crescem, se conectam e migram.

A gripe e a Covid foram associadas a complicações obstétricas como parto prematuro, mas as evidências sobre impactos a longo prazo no neurodesenvolvimento das crianças têm sido mais mistas —com alguns estudos mostrando pequenos aumentos nos diagnósticos, e outros não mostrando efeito.

Edlow explicou que, “se o sistema imunológico do feto ficar muito estimulado, isso poderia ter consequências posteriores, não apenas para o cérebro em desenvolvimento, mas também para o sistema metabólico, o fígado, o pâncreas, o coração, o tecido adiposo”.

Ela afirma que, além dos diagnósticos de neurodesenvolvimento, isso poderia levar a obesidade e síndrome metabólica ou resistência à insulina mais tarde na vida.

Os pesquisadores observaram várias fragilidades no estudo. Lisa Croen, cientista sênior de pesquisa da Divisão de Pesquisa da Kaiser Permanente do Norte da Califórnia, destacou que condições maternas como obesidade, hipertensão, diabetes gestacional não foram controladas em nenhuma das análises, “então os resultados podem ser confundidos por esses fatores”.

Ela diz que mais pesquisas são necessárias, mas os resultados “fornecem uma justificativa adicional e forte para apoiar a vacinação contra Covid na gravidez”.