A Mutualista do Montepio vai a eleições a 15 de Dezembro e só uma candidatura para a administração se apresenta a sufrágio: a de Virgílio Lima, actual presidente. Desde 1988 que este deserto eleitoral não ocorria e, surpreendentemente, contrasta com a vitalidade das eleições de 2021, disputadas por quatro candidaturas. A surpresa aumenta por ser sabido, que a administração da Mutualista é uma das prateleiras mais cobiçadas no país, com cada um dos seus membros a arrecadar vários milhões em vencimentos, pensões de reforma, e pensões aos viúvos. Porquê, então, esta anemia eleitoral? Foi a excelência da liderança de Virgílio Lima, que desencorajou potenciais desafiantes? Ou estamos perante o desalento da constatação da inutilidade de enfrentar o fraudulento processo eleitoral da Mutualista?

1. Quem acompanha o Montepio sabe que a sua realidade não se alterou. Continua sem supervisão e continua um esquema Ponzi em modo de sobrevivência, ameaçado pela falta de liquidez. Continua a perder cerca de 3000 associados/mês e continua obrigada a um enorme esforço de captação de novas admissões. O grupo continua autofágico, sem remunerar a casa mãe, devorado pela marabunta cúmplice e por elevados custos de funcionamento. E as pensões mutualistas há 18 anos que não conhecem qualquer actualização.

A situação da Mutualista é atestada pelo revisor oficial de contas (PwC), pelo supervisor da actividade seguradora (ASF) e pela organização de defesa do consumidor (DECO) que desaconselha os produtos da Mutualista.

2. As eleições no Montepio motivam, mal, os 7000 trabalhadores e reformados do grupo e os grupos de interesses que nele se movimentam, um universo de 5% dos associados, que não excede os 30.000 votantes. Assim, quem tiver acesso aos boletins de voto e à base de dados dos 95% não votantes, tem a “Casa da Moeda” de produção de votos, monopólio do incumbente e dos quadros hierárquicos da sua confiança.

Acresce que a plataforma informática do processo eleitoral foi desenvolvida pelos serviços do Montepio e que a comissão eleitoral, o árbitro da equidade e da regularidade do processo, é dominada, esmagadoramente, por seis elementos do incumbente, contra um de cada lista desafiante. Por fim, o processo eleitoral não é, nem nunca foi, auditado. A título ilustrativo relembro dois dos mais escandalosos resultados eleitorais.

Recentemente os benfiquistas regozijaram-se com o recorde mundial de votação de clubes: 85.422 votantes, num universo de 400.000. Meus caros, vêm atrasados 13 anos! No Montepio, que não suscita a paixão do futebol, nas eleições de 2012, Tomás Correia e Victor Melícias tiraram da cartola 84.675 votantes, num universo de 370.000! Digno do Guinness. (Então, Tomás queria manter a gestão comum do Banco e da Mutualista, e precisava exibir ao BP a “força” da sua representatividade).

Os benfiquistas regozijaram-se com o recorde mundial de votação de clubes: 85.422 votantes, num universo de 400.000. Meus caros, vêm atrasados 13 anos! No Montepio, nas eleições de 2012, Tomás Correia e Victor Melícias tiraram da cartola 84.675 votantes, num universo de 370.000!





Em 2018, já com a idoneidade de Tomás Correia ameaçada pela ASF, a sua administração a desmoronar-se e a concorrer separada às eleições (Ribeiro Mendes teve 8563 votos), e a oposição a crescer expressivamente (15.146 votos), Tomás continuou a vencer, esmagadoramente, com 42,4%, desafiando toda a racionalidade. O carácter massivo da trapaça, obviamente, deixa rasto. Quem atentar nas actas eleitorais estranhará o registo dos milhares de votos recebidos, mas que não são admitidos (7617, em 2012 ; 3561, em 2018), que espelham as irregularidades e as falsificações mais grosseiras, e são ponta visível do iceberg da trafulhice aceite.

Esperava-se, em 2021, que o novo figurino eleitoral introduzido pelo Código das Associações Mutualistas (CAM) restituísse credibilidade às eleições. Desilusão! O site My Montepio, através do qual se vota electronicamente, não identifica com segurança o associado e é um bar aberto para a fraude, sem a trabalheira da falsificação de assinaturas e envio de envelopes, como no voto por correspondência. Apesar de estas eleições terem sido disputadas por quatro candidaturas, com três originadas no campo institucional, a tradição cumpriu-se e o enfadonho Virgílio Lima arrasou com 48% da votação. A necessária para o controlo de todos os órgãos sociais.

Eleito apenas por 11.557 “votantes”, a fraca representatividade atormenta-o. Assim, no início deste ano, trouxe de volta o voto por correspondência à moda antiga, banido nas assembleias de 2020. Doravante, conta com o exército de subordinados para arrebanhar votos a seu favor, regressando ao passado de má memória.

3. O Montepio está refém do corrupto processo eleitoral da Mutualista que perpétua o poder absoluto dos incumbentes. O CAM de 2018 foi um arranjo, bem-sucedido, de Tomás Correia e Vieira da Silva, para encerrar a Mutualista num mausoléu e continuar a mantê-la sequestrada.


A actual ministra já admitiu que está a estudar uma revisão do CAM, aparentemente para a ASF assumir a sua supervisão. Não ouvi ninguém, até agora, pronunciar-se sobre o (não) funcionamento da Mutualista, sobre a (falta de) autonomia dos diferentes órgãos sociais, nem sobre o (viciado) processo eleitoral. E estas preocupações devem estar no centro do debate para devolver ao mutualismo do Montepio a esperança no futuro.

Senhora ministra, acabe com o sequestro! Liberte o Montepio!