Não há dúvida: os portugueses estão a ler mais. Oiço-o nas notícias, leio-o em relatórios entusiásticos, sinto-o até nas filas das livrarias onde agora se empurra para comprar o último “fenómeno TikTok”, uma expressão que, até há pouco tempo, associava mais a coreografias com cães do que a obras literárias.

Mas deixemo-nos de ilusões. Estar a ler mais não significa, de todo, estar a ler melhor. Houve um tempo em que isso era claro: distinguia-se o livro da estação do livro de cabeceira. Hoje, tudo se confunde num só corredor — o dos tops, que grita com capas fluorescentes, títulos sensacionalistas e uma obsessão quase pornográfica com reviravoltas e cliffhangers. Puro capitalismo. A livraria tornou-se um feed de Instagram com lombadas.

Admito: também me sabe bem, num dia abrasador de praia, deitado na toalha com uma bola de Berlim colada ao umbigo, ler um thriller barato sobre criadas com segredos obscuros e amantes com agendas escondidas. Há espaço para esse tipo de leitura — há espaço para tudo. Mas não me venham depois vender a ideia de que acabaram de consumir um festim literário digno de um Nobel, só porque viram alguém no TikTok dizer que “mudou a vida” depois de três capítulos.

O mercado editorial português, hoje, parece mais interessado em algoritmos do que em argumentos. A qualidade do texto? Detalhe secundário. O importante é o número de seguidores do autor no Instagram. Escrever bem tornou-se um adereço. E editar com rigor, uma relíquia. A revisão? Mal paga, feita à pressa, à margem da dignidade que o ofício merece. Livros chegam às estantes com gralhas, erros de continuidade e personagens que não sabem o que fazem na história. A culpa? Ninguém sabe — talvez do narrador omnisciente, que também já não é o que era.


Depois há os livros que prometem mudar vidas e enriquecer em vinte e quatro horas. Têm capas apelativas, títulos arrebatadores e a promessa de um amanhã mais radiante por apenas vinte euros. São manuais de auto-ajuda disfarçados de epifanias literárias, engolindo almas perdidas que acreditam estar a investir em sabedoria quando, na verdade, compram fórmulas gastas. O problema? Para evoluir é preciso pensar — e esse tipo de leitura não convida ao pensamento. Trata o leitor como um ser mecânico, raso, que precisa apenas de ser conduzido, nunca desafiado. Não estará na hora de perceberem isso?

As escolas de escrita criativa proliferam e prometem transformar qualquer alma curiosa no próximo Saramago. O resultado, invariavelmente, são livros com uma boa ideia — apenas uma — esticada até às 300 páginas com palha, adjectivos ao molho e monólogos existencialistas de personagens a contemplar o pôr-do-sol enquanto filosofam sobre a vida e a humidade relativa do ar.

Não quero parecer elitista, embora, admito, julgue um pouco quem confunde Dostoiévski com Colleen Hoover ou Freida McFadden. Mas também não defendo que se leia apenas Dostoiévski à luz da vela, em russo e com dicionário ao lado. Há bons livros de leitura fácil, e há péssimos livros que se fazem passar por grandes obras. O problema está em quando se apaga a fronteira. Quando se confunde bestseller com qualidade literária. Quando se exige reconhecimento crítico a quem escreve como se estivesse a redigir legendas para reels.

Há uma tendência recente: a vitimização de alguns autores nas redes sociais. Que não são levados a sério e que mereciam mais reconhecimento, dizem. Não. São pouco levados a sério porque escrevem mal. Não todos, claro. Ter publicado um livro, ou ter milhares de seguidores, não confere automaticamente qualidade literária. Muitos destes novos autores exigem ser comparados a grandes nomes da literatura, mas não trazem nem a forma, nem o conteúdo, nem a densidade mínima para tal ambição. Faltam-lhes mundo, faltam-lhes leituras, falta-lhes sobretudo texto.

Sei que parece um discurso saudosista — e talvez seja. Mas lembro-me de ir à biblioteca e sair com livros da colecção Uma Aventura. Eram simples, sim, mas havia sempre um pingo de cultura, uma mensagem. Hoje, a infância literária parece resumida a histórias sobre casas com piscina e festas de influencers. Não se aprende, não se pensa — e, se não se pensa, não se forma leitor. Será que não está na hora de ensinar a ler melhor, não só mais?