Redefiniu a função do vice-presidente dos Estados Unidos e foi o principal arquitecto da resposta norte-americana aos atentados de 11 de Setembro de 2001, envolvendo o país num prolongado, sangrento e sobretudo desnecessário conflito no Iraque, do qual o Médio Oriente ainda hoje sente réplicas. Dick Cheney morreu na noite de segunda-feira aos 84 anos, revelou a sua família em comunicado citado pela CNN e pelo Politico.

“O antigo vice-presidente morreu devido a complicações de uma pneumonia e de doença cardiovascular”, detalha a família Cheney. Eram conhecidos de longa data os problemas cardíacos de Cheney, que foi submetido a um transplante de coração em 2012.

Nascido em Lincoln, no Nebrasca, a 30 de Janeiro de 1941, Richard Bruce Cheney foi vice-presidente norte-americano durante os dois mandatos presidenciais do republicano George W. Bush, de quem imprensa e analistas viam como uma espécie de ‘Presidente-sombra’, dada o seu nível de influência na condução da política externa e doméstica entre 2001 e 2009. Ao mesmo tempo, Cheney foi um proponente do reforço do primado do poder executivo, na figura do Presidente, face a um progressivo protagonismo do Congresso.

Um filho do Midwest, Cheney tinha chegado a Washington décadas antes, durante a era Nixon, durante a qual trabalhou no gabinete de Donald Rumsfeld, a quem sucedeu depois em 1975 como chefe de gabinete do Presidente Gerald Ford. Foi eleito para o Senado pelo Wyoming pela primeira vez em 1978 (meses depois de ter sofrido um de vários ataques cardíacos), de onde sai em 1989 para ser secretário da Defesa de George H.W. Bush (Bush pai). Num período de afirmação dos EUA como única superpotência global, ante o colapso da União Soviética, Cheney lidera o Pentágono durante a primeira Guerra do Golfo. O derrube de Saddam Hussein, que não era um objectivo norte-americano na altura, ficaria guardado para a década seguinte.

Durante a era Clinton, antes de regressar a Washington como ‘vice’ de Bush filho, Cheney foi presidente executivo da Halliburton, empresa norte-americana prestadora de serviços à indústria petrolífera que, mais tarde, faria milhares de milhões no Iraque pós-Saddam.

Cai-lhe no colo a resposta imediata aos ataques de 11 de Setembro de 2001, naquela manhã em que o Presidente republicano lia histórias para crianças numa escola na Florida. Durante várias horas, tem nas mãos a autoridade de abater qualquer avião civil suspeito de vir a mergulhar contra alvos norte-americanos. Não chega a exercê-la: dois aviões atingem o World Trade Center em Nova Iorque, um terceiro cai no Pentágono e um quarto é tomado aos terroristas pelos passageiros e despenha-se num descampado na Pensilvânia.

São os dias seguintes que selam Cheney como o mais poderoso vice-presidente da história norte-americana. Desenha e implementa a “doutrina dos 1%”: se for identificada uma probabilidade de 1% de os EUA virem a ser atacados, argumenta, o risco será assumido como uma certeza e o país terá o dever de agir preventivamente em qualquer ponto do globo. Na frente interna, são tempos de um agressivo reforço do aparelho policial e de vigilância.

O Afeganistão, então base da al-Qaeda, é o primeiro alvo da retaliação militar norte-americana. Mas é o Iraque o verdadeiro tubo de ensaio da “doutrina Cheney”: a suspeita frágil de que o regime de Saddam teria em sua posse armas de destruição maciça passíveis de serem utilizadas contra alvos norte-americanos, ou dos seus aliados, é tornada em “facto”.

Cheney é uma das principais vozes no seio da Administração Bush a defender a invasão do Iraque e impõe a sua vontade perante o cepticismo cauteloso do então chefe da diplomacia norte-americana, Colin Powell. O regime iraquiano colapsa rapidamente, mas não são encontradas as ditas armas. O país mergulha numa guerra civil, incubadora de extremistas, e arrasta o Médio Oriente para um novo ciclo de instabilidade. Também é arrastada a popularidade de Bush e Cheney, que se afasta de qualquer especulação sobre uma candidatura presidencial. Segue-se Barack Obama.

Figura de referência do neoconservadorismo intervencionista, Cheney juntou-se nos últimos anos de vida à filha, a ex-congressista republicana Liz, na crítica pública do trumpismo isolacionista, sobretudo após a tentativa de invalidação dos resultados das presidenciais de 2020 e do assalto ao Capitólio a 6 de Janeiro de 2021.