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“Ficámos muito felizes ao verificar que um medicamento que funcionava em células cultivadas também se mostrava eficaz num modelo animal real de lesão medular“, afirmou Erna van Niekerk, autora de um estudo recentemente publicado na Nature e cientista adjunta do Departamento de Neurociências da Faculdade de Medicina da Universidade da Califórnia. É que passar da teoria à realidade é um passo muito complicado, no qual surgem novas variáveis que não foram tidas em conta. Mas os investigadores tinham tudo bem planeado. “Isso nem sempre acontece no desenvolvimento de novos medicamentos”, afirmou.
Na verdade, trata-se de uma raridade, pois dos milhares de medicamentos criados por síntese química, apenas alguns conseguem passar nos testes de toxicidade. Embora no laboratório de Niekerk contassem com uma grande vantagem que há dez anos era impensável: o poder da tecnologia actual.
Combinando a sequenciação genética, métodos avançados de cultura celular e, acima de tudo, a bioinformática, os investigadores conseguiram identificar uma molécula que permite regenerar os neurónios adultos. Surpreendentemente, a molécula é um antidiarreico chamado Tiorfan, que, se usado em condições muito específicas, pode activar os sistemas de regeneração das neurónios.
UMA ESPERANÇA
A principal razão pela qual as lesões medulares causam uma incapacidade permanente é que os neurónios são células que raramente se dividem. De facto, durante muito tempo, pensava-se que as neurónios nunca se dividiam no cérebro adulto, embora tenha sido comprovado que algumas regiões apresentam produção de neurónios. Mas, em geral, as poucas divisões que ocorrem significam que, quando uma conexão é quebrada, é muito complexo que o tecido se recupere.
Por isso, conseguir activar esses mecanismos representa um pequeno raio de esperança para milhares de pacientes que têm alguns dos seus membros paralisados devido a uma lesão medular.
Até ao momento, as experiências realizadas em ratos com lesões deste tipo mostraram resultados muito promissores. Combinando enxertos de células precursoras de neurónios com Tiorfan, estes investigadores conseguiram melhorias significativas na função das mãos. Além disso, detectaram que os neurónios estavam a regenerar-se na área lesionada. Segundo as estimativas, essa terapia combinada poderia proporcionar até 50% mais mobilidade do que a actual, o que pode significar uma enorme diferença para as pessoas que sofrem de paralisia.
Por isso, os investigadores estão ansiosos por dar o próximo passo e testar esta tecnologia em ensaios clínicos. “Trata-se de um tratamento potencialmente útil que poderia ter levado décadas a ser desenvolvido antes que estas tecnologias convergentes estivessem disponíveis”, explica Niekerk.
ÚTIL PARA O LABORATÓRIO
A descoberta também pode ter um efeito bola de neve nos laboratórios, o que pode acelerar as investigações futuras. Um dos grandes problemas ao estudar o efeito dos medicamentos nas neurónios é que, para testar a sua toxicidade, é necessário um grande número de células em cultura. Mas, devido à sua falta de divisão, pode ser muito complicado atingir os números pretendidos.
MARK H. TUSZYNSKI / UC SAN DIEGO HEALTH SCIENCES
Amostra das neurónios cerebrais humanos cultivados na Universidade da Califórnia, em San Diego.
Mark H. Tuszynski, principal autor da investigação, também já se pronunciou: “Neste estudo, conseguimos cultivar células cerebrais humanas adultas em grandes quantidades, o que representa uma nova e poderosa ferramenta para a descoberta de tratamentos para distúrbios neurológicos. Não se trata de células estaminais, mas sim de células cerebrais adultas que antes não era possível cultivar. A capacidade de cultivar células cerebrais adultas pode ser útil para testar novos medicamentos ou terapias genéticas para muitas doenças cerebrais”.
No entanto, é importante esclarecer que esta descoberta não significa que devemos começar a consumir Tiorfan para proteger e regenerar os neurónios. Por enquanto, as concentrações eficazes e seguras para o cérebro humano permanecem desconhecidas. Como indica a Erna van Niekerk, “Estamos agora a trabalhar para optimizar o Tiorfan para futuros ensaios clínicos, uma tarefa que é simplificada pelo facto de o medicamento já ter sido utilizado com segurança em pessoas [como antidiarreico]”.
Em suma, trata-se de uma investigação muito promissora que tem muitas hipóteses de se tornar uma nova forma de abordar as paralisias que, actualmente, são incuráveis. Um modo de os neurónios voltarem a reunir-se com partes do corpo que ficaram isoladas e de facilitar aos laboratórios o estudo das doenças neurológicas.