Cabeça, tronco, joelho e pé: assim como na música infantil, a saúde é, muitas vezes, estratificada. Sete passos simples, porém, podem contribuir com o organismo de forma global, segundo uma revisão de quase 500 estudos publicada pela Associação Norte-Americana do Coração (AHA). Três comportamentos — não fumar, aderir a uma alimentação saudável e ser ativo — além do controle de quatro fatores clínicos — índice de massa corporal, colesterol, glicemia e pressão arterial — favorecem não apenas o coração, mas garantem que outros órgãos, como cérebro, olhos e músculos sejam beneficiados.

 

O 7 Simples da Vida (Life’s Simple 7, em tradução livre) é um conceito proposto há 15 anos pela AHA, para avaliar e promover a saúde cardiovascular. A ideia é priorizar a prevenção, mais do que o tratamento de doenças, e estimular uma mudança de comportamento com base em sete metas alcançáveis. Recentemente, a Associação atualizou as recomendações e incluiu um oitavo fator — o sono de qualidade, com base no reconhecimento cada vez maior de que dormir bem é um fator-chave para o funcionamento da mente e do corpo.

Em um estudo publicado na Jaha, a revista da sociedade médica, um estudo da Universidade de Emory, nos Estados Unidos, concluiu que o estilo de vida proposto pelos 7 Simples resulta, como o esperado, em um risco significativamente menor de desenvolvimento de doenças cardiovasculares, como infarto e acidente vascular cerebral (AVC). Estar próximo às metas, porém, também mostrou-se eficaz para a menor incidência de câncer, diabetes, demência, depressão, doenças hepáticas, renais e oftalmológicas, entre outros. “Os efeitos positivos vão da cabeça aos pés”, escrevem os autores.

Medicamentos

Segundo a análise, quanto mais alto o escore cardiovascular — medido pela pontuação no 7 Simples —, menor o uso dos serviços de saúde e o gasto com medicamentos. Além disso, maior a expectativa e a qualidade de vida, incluindo a independência física na velhice. Em um dos estudos avaliados, manter ao menos três métricas no nível ideal foi suficiente para reduzir o risco de eventos cardíacos, mesmo entre pessoas com alto risco genético. “Esses resultados indicam que o estilo de vida pode superar a genética”, destaca Liliana Aguayo, autora principal da revisão. “A mensagem é clara: nunca é tarde para melhorar sua saúde cardiovascular.”

O cardiologista Firmino Haag, coordenador de Cardiologia do Hospital Albert Sabin (HAS), acredita que o 7 Simples é uma ferramenta poderosa para motivar pacientes, especialmente os com dificuldade em modificar hábitos. “Para usar essa informação de maneira eficaz, é necessário enfatizar que as melhorias serão graduais, estabelecer metas acessíveis,  reforçar a relação entre esforço e benefício, além de personalizar o planejamento, facilitando a adesão”, diz. “Essas abordagens reforçam que qualquer avanço, mesmo que pequeno, é valioso e que o esforço cumulativo leva a benefícios significativos, incentivando os pacientes a perseverar na mudança de hábitos.”

A adoção de comportamentos saudáveis beneficia até a visão, confirma a oftalmologista Nubia Vanessa, do CBV-Hospital de Olhos. “Hábitos como exercício físico, alimentação e sono adequado garantem uma fonte de energia adequada, além de vitaminas e minerais, que melhoram a saúde ocular, pois há um fluxo sanguíneo melhor, um aprimoramento no aporte de oxigênio nos olhos”, diz. “O diabetes, por exemplo, é uma doença que pode causar retinopatia, levando à perda irreversível da visão ou à diminuição da qualidade visual. Mas se você tem a doença e passa a fazer exercícios e a melhorar a alimentação, é possível elevar a qualidade da saúde dos olhos.”

TRÊS PERGUNTAS PARA…

MATHEUS AZEVEDO, médico especialista em nutrologia e medicina antienvelhecimento

Como a medicina pode se tornar mais integrada, considerando que o cuidado cardiovascular impacta tantos outros sistemas do corpo?

A medicina moderna precisa evoluir para um modelo mais integrativo e preventivo, reconhecendo que o corpo humano funciona como uma rede interconectada. A saúde cardiovascular, por exemplo, influencia diretamente o funcionamento de órgãos como cérebro, rins, olhos e até a pele. Inflamação sistêmica, resistência à insulina e disfunções endoteliais são pontos comuns entre doenças cardiometabólicas e outros distúrbios crônicos. Portanto, uma abordagem integrada, que considere nutrição, estilo de vida, exames precoces e avaliação metabólica ampla, é essencial para promover a saúde global.


Matheus Azevedo, médico especialista em Nutrologia e Medicina Antienvelhecimento

Matheus Azevedo, médico especialista em Nutrologia e Medicina Antienvelhecimento
(foto: Bruno Van Enck/Divulgação )

O estudo mostra que há benefícios mesmo para quem atinge apenas parte das metas. Isso significa que pequenas mudanças já fazem diferença?

Sim. A revisão confirma o que a prática clínica já evidencia: pequenas mudanças consistentes têm impacto significativo. Melhorar o sono, iniciar uma caminhada diária ou reduzir o açúcar já melhora marcadores inflamatórios e metabólicos. Mesmo sem atingir todas as metas do Life’s Simple 7, há redução de risco para doenças cardíacas, neurológicas e metabólicas. A chave é a constância.

Quais são os principais obstáculos enfrentados por médicos e pacientes para atingir essas metas no dia a dia? 

A desinformação, o excesso de medicalização curativa e o pouco tempo nas consultas dificultam a personalização do cuidado. Além disso, o sistema de saúde, muitas vezes, não prioriza a prevenção. Por parte do paciente, a rotina acelerada, o estresse, o sedentarismo digital e o fácil acesso a alimentos ultraprocessados tornam o desafio ainda maior. A solução passa por educação em saúde, políticas públicas e um modelo clínico mais focado em promoção de saúde do que apenas em tratar doenças. (PO)

PARA ALÉM DO CORAÇÃO

A adoção de um estilo de vida que prioriza a saúde cardiovascular é benéfica para diversos órgãos e sistemas: 

Cérebro: melhora da cognição e menor risco de demência; integridade dos volumes cerebrais, incluindo da substância branca 

Olhos: menor risco de retinopatia e tortuosidade arteriolar da retina (artérias retinianas com trajetos anormais) 

Saúde auditiva: menor risco de perda auditiva

Saúde bucal: dentes mais funcionais

Sistema cardiovascular: preservação das dimensões e espessura do coração; menos risco de calcificação, aterosclerose, estenose arterial, rigidez e envelhecimento vascular. Menor probabilidade de hipertensão e tromboembolismo venoso

Pulmões: menor risco de câncer de pulmão, doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), pneumonia; menor exalação de monóxido de carbono; além de maior aptidão respiratória

Fígado: menor risco de doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA); níveis mais baixos de alanina aminotransferase (ALT) e gama-glutamil transferase (gama-GT); menos chances de acúmulo de gordura no órgão (esteatose hepática)

Glândulas suprarrenais: menor nível de cortisol e estresse

Tecido adiposo: menor risco de obesidade

Rim: menor risco de doença renal crônica e doença renal terminal

Pâncreas: menor risco de diabetes tipo 2

Músculos: maior proporção de gordura muscular/visceral, aptidão muscular, força de preensão palmar normalizada e níveis de massa muscular ajustados

Dedo do pé: menor risco de amputações de extremidades

Fonte: Associação Norte-Americana do Coração 
É possível cumprir as metas em qualquer idade

Os resultados da avaliação da implementação do programa 7 Simples da Vida indicam que a prevalência dos cuidados com o coração é alarmantemente baixa em praticamente todos os países avaliados. O estudo, da Universidade de Emory, avaliou as medidas preventivas cardiovasculares nos Estados Unidos, na Austrália e em alguns países da Europa e da Ásia. De 0% a 4% da população avaliada cumpre todos os sete critérios no nível considerado ideal. Mesmo a meta mais modesta — ao menos cinco fatores — raramente é atingida. 

O cardiologista Fabrício da Silva, da Amplexus Saúde Especializada, afirma que algumas metas são mais negligenciadas. “De maneira geral, são aquelas relacionadas ao sono e à atividade física”, diz. “É preciso conscientizar e educar a população em relação aos benefícios de ações básicas no dia a dia para a redução do risco cardiovascular. O tratamento da obesidade, da hipertensão arterial e do diabetes são eixos fundamentais para o controle da saúde da população, tendo em vista o aumento da prevalência do excesso de peso entre os brasileiros. Esse fator impacta diretamente a saúde cardiovascular”, observa. 

Tardias

No estudo, os pesquisadores observaram que, quanto mais velhas, mais as pessoas abandonam hábitos saudáveis, acumulam peso e desenvolvem fatores de risco. Porém, eles ressaltam que mudanças positivas, mesmo que tardias ou modestas, já traduzem em benefícios significativos. Entre adultos coreanos, por exemplo, melhorar apenas um dos sete fatores reduziu em 21% a chance de doenças cardiovasculares. 

Firmino Haag, cardiologista e coordenador da Cardiologia do Hospital Albert Sabin (HAS), destaca que é possível adotar hábitos saudáveis em qualquer idade. “Se o indivíduo deseja começar hoje a cuidar melhor do coração, uma das mudanças práticas mais eficazes e acessíveis é aumentar a atividade física diária”, recomenda. “Pode ser algo simples, como caminhar por 10 a 15 minutos após o almoço ou jantar, aumentar o uso das escadas em vez do elevador, ou fazer alongamentos. Essa ação ajuda a melhorar o controle da pressão arterial, o colesterol e o peso, além de reduzir o risco de doenças cardiovasculares de forma geral.” (PO)

Para além do coração

A adoção de um estilo de vida que prioriza a saúde cardiovascular é benéfica para diversos órgãos e sistemas: 

Cérebro: melhora da cognição e menor risco de demência; integridade dos volumes cerebrais, incluindo da substância branca 

Olhos: menor risco de retinopatia e tortuosidade arteriolar da retina (artérias retinianas com trajetos anormais) 

Saúde auditiva: menor risco de perda auditiva

Saúde bucal: dentes mais funcionais

Sistema cardiovascular: preservação das dimensões e espessura do coração; menos risco de calcificação, aterosclerose, estenose arterial, rigidez e envelhecimento vascular. Menor probabilidade de hipertensão e tromboembolismo venoso

Pulmões: menor risco de câncer de pulmão, doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), pneumonia; menor exalação de monóxido de carbono; além de maior aptidão respiratória

Fígado: menor risco de doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA); níveis mais baixos de alanina aminotransferase (ALT) e gama-glutamil transferase (gama-GT); menos chances de acúmulo de gordura no órgão (esteatose hepática)

Glândulas suprarrenais: menor nível de cortisol e estresse

Tecido adiposo: menor risco de obesidade

Rim: menor risco de doença renal crônica e doença renal terminal

Pâncreas: menor risco de diabetes tipo 2

Músculos: maior proporção de gordura muscular/visceral, aptidão muscular, força de preensão palmar normalizada e níveis de massa muscular ajustados

Dedo do pé: menor risco de amputações de extremidades

Fonte: Associação Norte-Americana do Coração 

Matheus Azevedo, médico especialista em nutrologia e medicina antienvelhecimento

Como a medicina pode se tornar mais integrada, considerando que o cuidado cardiovascular impacta tantos outros sistemas do corpo?

A medicina moderna precisa evoluir para um modelo mais integrativo e preventivo, reconhecendo que o corpo humano funciona como uma rede interconectada. A saúde cardiovascular, por exemplo, influencia diretamente o funcionamento de órgãos como cérebro, rins, olhos e até a pele. Inflamação sistêmica, resistência à insulina e disfunções endoteliais são pontos comuns entre doenças cardiometabólicas e outros distúrbios crônicos. Portanto, uma abordagem integrada, que considere nutrição, estilo de vida, exames precoces e avaliação metabólica ampla, é essencial para promover a saúde global.

O estudo mostra que há benefícios mesmo para quem atinge apenas parte das metas. Isso significa que pequenas mudanças já fazem diferença?

Sim. A revisão confirma o que a prática clínica já evidencia: pequenas mudanças consistentes têm impacto significativo. Melhorar o sono, iniciar uma caminhada diária ou reduzir o açúcar já melhora marcadores inflamatórios e metabólicos. Mesmo sem atingir todas as metas do Life’s Simple 7, há redução de risco para doenças cardíacas, neurológicas e metabólicas. A chave é a constância.

Quais são os principais obstáculos enfrentados por médicos e pacientes para atingir essas metas no dia a dia? 

A desinformação, o excesso de medicalização curativa e o pouco tempo nas consultas dificultam a personalização do cuidado. Além disso, o sistema de saúde, muitas vezes, não prioriza a prevenção. Por parte do paciente, a rotina acelerada, o estresse, o sedentarismo digital e o fácil acesso a alimentos ultraprocessados tornam o desafio ainda maior. A solução passa por educação em saúde, políticas públicas e um modelo clínico mais focado em promoção de saúde do que apenas em tratar doenças. (PO)

É possível cumprir as metas em qualquer idade

LEG: Trocar o elevador pela escada é uma mudança eficaz 

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Os resultados da avaliação da implementação do programa 7 Simples da Vida indicam que a prevalência dos cuidados com o coração é alarmantemente baixa em praticamente todos os países avaliados. O estudo, da Universidade de Emory, avaliou as medidas preventivas cardiovasculares nos Estados Unidos, na Austrália e em alguns países da Europa e da Ásia. De 0% a 4% da população avaliada cumpre todos os sete critérios no nível considerado ideal. Mesmo a meta mais modesta — ao menos cinco fatores — raramente é atingida. 

O cardiologista Fabrício da Silva, da Amplexus Saúde Especializada, afirma que algumas metas são mais negligenciadas. “De maneira geral, são aquelas relacionadas ao sono e à atividade física”, diz. “É preciso conscientizar e educar a população em relação aos benefícios de ações básicas no dia a dia para a redução do risco cardiovascular. O tratamento da obesidade, da hipertensão arterial e do diabetes são eixos fundamentais para o controle da saúde da população, tendo em vista o aumento da prevalência do excesso de peso entre os brasileiros. Esse fator impacta diretamente a saúde cardiovascular”, observa. 

Tardias

No estudo, os pesquisadores observaram que, quanto mais velhas, mais as pessoas abandonam hábitos saudáveis, acumulam peso e desenvolvem fatores de risco. Porém, eles ressaltam que mudanças positivas, mesmo que tardias ou modestas, já traduzem em benefícios significativos. Entre adultos coreanos, por exemplo, melhorar apenas um dos sete fatores reduziu em 21% a chance de doenças cardiovasculares. 

Firmino Haag, cardiologista e coordenador da Cardiologia do Hospital Albert Sabin (HAS), destaca que é possível adotar hábitos saudáveis em qualquer idade. “Se o indivíduo deseja começar hoje a cuidar melhor do coração, uma das mudanças práticas mais eficazes e acessíveis é aumentar a atividade física diária”, recomenda. “Pode ser algo simples, como caminhar por 10 a 15 minutos após o almoço ou jantar, aumentar o uso das escadas em vez do elevador, ou fazer alongamentos. Essa ação ajuda a melhorar o controle da pressão arterial, o colesterol e o peso, além de reduzir o risco de doenças cardiovasculares de forma geral.” (PO)

Paloma Oliveto Repórter sênior

Formada na Universidade de Brasília, é especializada na cobertura de ciência e saúde há mais de uma década. Entre as premiações recebidas, estão primeiro lugar no Grande Prêmio Ayrton Senna e menção honrosa no Prêmio Esso.