Pedro Passos Coelho é uma daquelas personalidades políticas que me provoca sentimentos contraditórios. Tão depressa consigo estar 100% de acordo com ele, como consigo estar nos antípodas do que defende. No caso em apreço, aplica-se a primeira opção.
Na sua última aparição pública, Passos Coelho assumiu uma crítica ao atual primeiro-ministro, extensível a muitos outros, em Portugal e no resto da Europa. Começou por avisar que “chegámos ao fim das margens de manobra que nos permitem adiar decisões importantes”, numa alusão clara aos últimos anos de crescimento económico e de excedentes orçamentais, para rematar dizendo que “agora não vale a pena haver mais cálculos eleitorais nem perder tempo com preocupações distributivas”.
O “alerta”, nas palavras do próprio, serve, naturalmente, para memória futura, não vá um dia Passos ser novamente candidato a alguma coisa. Assim já pode dizer: ‘Lembram-se do que eu disse há uns tempos? Pois é. Eu avisei’. Quem não gosta de Pedro Passos Coelho dirá que ele anda sempre com o diabo na boca. Que já anunciou a sua chegada várias vezes e que o diabo nunca apareceu. E talvez essa crítica tenha alguma razão de ser. O diabo está para Passos Coelho como o lobo estava para Pedro. Tantas vezes disse que vinha aí o lobo que…
Os nostálgicos da geringonça olharam para a última década com orgulho. Ficaram todos contentes por ver a economia portuguesa crescer 2%, “acima da média da União Europeia”, repetiam de peito feito nos debates televisivos e no Parlamento. Distribuiu-se dinheiro pela função pública e pelos pensionistas, o salário mínimo subiu, o desemprego caiu para mínimos históricos e tudo isto, aliado a uma elevadíssima carga fiscal, ainda deu para uns belos excedentes orçamentais. Portugal parece ter sobrevivido a tudo: a uma pandemia à escala global, à guerra na Ucrânia e até a uma crise inflacionista. Nunca faltou dinheiro, viesse ele de onde viesse. De Bruxelas, dos impostos, do turismo, ou das cativações orçamentais que deixaram os cofres do Ministério das Finanças forrados.
Mas esta realidade não pode esconder uma outra, bem mais preocupante. Todos os problemas estruturais que têm impedido a competitividade da economia portuguesa ficaram por resolver. Quando não ficaram piores.
A justiça é disso um bom exemplo. É, aliás, muito irónico ouvir agora pessoas como Augusto Santos Silva, com um dos maiores currículos de ministro do país, virem pedir uma reforma da justiça. Parece que está a gozar com a nossa cara.
E há outros exemplos.
O que foi feito nos últimos anos para garantir a sustentabilidade da Segurança Social a longo prazo, sabendo todos que a pirâmide demográfica está cada vez mais invertida e que mesmo os imigrantes — mão de obra crítica para manter a economia de pé — um dia deixarão de ser contribuintes líquidos e passarão a ser, também eles, beneficiários?
E o que fizeram os governos nos últimos 10 anos para arrumar o Estado? Para o tornar mais ágil, menos burocrático, menos dependente de corporações e menos centralista? Quantas promessas de vacas voadoras foram feitas e quantas, de facto, levantaram voo?
É por isso que Passos Coelho, nisto, tem razão. A última década foi mesmo uma oportunidade perdida. O crescimento económico e a brutal carga fiscal não só não serviram para fazer as reformas que precisavam de ser feitas como não conseguiram impedir que quase dois milhões de portugueses continuem a viver no limiar da pobreza. E que a classe média continue sem conseguir viver com dignidade.
Se Luís Montenegro não quiser ficar na história como o António Costa da AD, talvez esteja na altura de começar a mostrar alguma centelha de reformismo. Não basta apresentar um ministro da reforma do Estado. É preciso ter um plano, um calendário de execução e começar a mostrar resultados. Não basta querer crescer 3% ao ano. É preciso ter uma visão para a economia portuguesa, encontrar novos mercados e tornar o país um destino competitivo para o investimento. Não basta acenar com dinheiro às corporações, é preciso arte para trabalhar com elas ou coragem para as afrontar. Porque, se nada disto for feito, de nada adianta andar a distribuir 20 ou 30 euros no IRS, para daqui a uns tempos termos todos de pagar estas descidas de impostos com juros.