Pokrovsk, no leste da Ucrânia, é um dos principais focos dos confrontos entre as tropas russas e ucranianas: cerca de um terço dos combates na frente de guerra são nesta área. Localizada a cerca de 60 quilómetros da linha que separa os territórios controlados por Kiev e Moscovo, a cidade tem um grande valor estratégico para Volodymyr Zelensky e Vladimir Putin.
Nas últimas semanas, as forças russas intensificaram o cerco à cidade, afirmando que entraram em vários bairros. De acordo com a agência Reuters, o Ministério da Defesa da Rússia afirmou que esta segunda-feira as suas tropas “cercaram completamente” Pokrovsk e “continuam a destruir as formações cercadas das Forças Armadas ucranianas na área da estação ferroviária”.
Por seu turno, o chefe do Estado-Maior do exército ucraniano, Oleksandr Syrskyi, descreveu, segundo a mesma agência, a situação como “difícil e em evolução“, assegurando, porém, que “está em curso uma operação de grande escala para destruir e expulsar as forças inimigas de Pokrovsk”. Zelensky admitiu que a situação é complicada mas na segunda-feira disse que a Rússia tem tido dificuldades em avançar na região. Estima-se, segundo o Ukrinform, que haja entre 260 e 300 soldados russos na cidade.
A localização estratégica da cidade faz dela um ponto-chave da guerra na Ucrânia, pois é um importante entroncamento ferroviário e rodoviário que liga várias frentes do leste ao centro do país.
Instituto para o Estudo da Guerra com o Projeto de Ameaças Críticas da AEI
A cidade fica na intersecção da autoestrada T0504 — uma das maiores na região — e da linha de caminho de ferro, funcionando como porta de entrada para os comboios que vêm do resto do país e fazendo a ligação à região vizinha de Dnipro. Caso a Rússia consiga tomar controlo da cidade, pode bloquear este abastecimento, não só de alimentação, mas de todo o equipamento militar ucraniano e ocidental que chega por comboio e garante a resistência ucraniana no Donbass.
A poucos quilómetros a oeste de Pokrovsk encontra-se a única mina de coque (combustível derivado do carvão) ainda ativa da Ucrânia, essencial para a produção de aço, que era um dos pilares industriais do país antes da guerra. A perda desta mina representaria não só um golpe militar, mas também um impacto profundo na economia ucraniana.
Além disso, Pokrovsk é vista como a “porta de Donetsk”. Se as tropas russas a tomarem, facilmente poderão chegar a Dnipro, Kramatorsk e Sloviansk. Estas duas últimas são consideradas as maiores cidades da região ainda sob controlo ucraniano, funcionando como centros logísticos e administrativos do Donbass.
De Dnipro — uma das maiores cidades da Ucrânia, com uma população de cerca de um milhão de pessoas — até Pokrovsk são apenas cerca de duas horas e meia de carro. Para Kiev, perder Pokrovsk também significaria ter a guerra potencialmente mais perto da região central da Ucrânia.
O analista militar francês Olivier Kempf explica à RFI que a queda de Pokrovsk “teria consequências graves para o desenrolar da guerra”. “Atrás de Pokrovsk há apenas campos abertos — o terreno é plano e agrícola, sem grandes centros urbanos. Isto favorece o avanço russo e dificulta a defesa ucraniana”, sublinhou.
“A perda de Pokrovsk como uma fonte de abastecimento e uma importante interseção dos movimentos será uma perda dura”, argumentou também Pasi Paroinen, do Black Bird Group, um grupo de análise finlandês, ao Kyiv Independent. “Quanto mais os russos avançam, mais desbloqueiam a linha da frente e mais recursos exigem aos ucranianos para a conter”, explica o analista.
A batalha por Pokrovsk começou em meados de 2024, quando a Rússia lançou uma ofensiva gradual após a conquista de Avdiivka. Desde aí que Moscovo tem recorrido a táticas de desgaste, ao utilizar drones kamikaze, pequenas unidades móveis e ataques coordenados para provocar rutura nas linhas de abastecimento ucranianas antes de avançar com reforços mais pesados.
No entanto, antes da invasão, Pokrovsk era uma cidade universitária com uma vida cultural ativa reconhecida na região de Donetsk e com cerca de 60 mil habitantes. Hoje, as ruas estão destruídas, os prédios reduzidos a escombros e quase toda a população fugiu. Segundo as autoridades locais, todas as crianças foram retiradas e apenas algumas centenas de pessoas permanecem, muitos deles idosos.
Os relatos que chegam de Pokrovsk descrevem combates casa a casa, com as forças ucranianas a tentar impedir que as tropas russas avancem pela principal linha ferroviária. “Os russos estão a entrar em pequenos grupos, utilizando drones e granadas para limpar edifícios”, disse um oficial ucraniano à Reuters.
A ofensiva russa nesta cidade insere-se na estratégia do Kremlin de conquistar toda a bacia industrial do Donbass, composta pelas regiões de Donetsk e Lugansk. Embora Moscovo tenha declarado em 2022 que estas regiões fazem parte da Federação Russa, a Ucrânia ainda controla cerca de 10% do território de Donetsk, uma área equivalente a cinco mil quilómetros quadrados.
Para Putin, a captura de Pokrovsk representaria a maior conquista territorial desde Avdiivka e consolidaria o controlo sobre quase todo o leste ucraniano. Para Kiev, porém, a cidade é um bastião defensivo essencial e a perda deste território poderia precipitar o caminho para o exército russo em direção ao interior do país.
Com Pokrovsk no centro do conflito, a guerra entre Kiev e Moscovo poderá entrar numa nova fase de redefinição territorial e estratégica. O exército russo controla agora cerca de 19% do território ucraniano, segundo dados russos, e ameaça simultaneamente as regiões de Kupiansk, Zaporíjia e Dnipropetrovsk.
Apesar da pressão, Kiev mantém uma campanha ofensiva de sabotagem em território russo, atacando oleodutos, refinarias e infraestruturas logísticas. Na sexta-feira, os Serviços de Informações de Defesa da Ucrânia (DIU) reivindicaram a explosão de três oleodutos nos arredores de Moscovo, numa operação que descrevem como “bem-sucedida”.
Pokrovsk pode ser a batalha que define o inverno de 2025. Se a cidade cair, Moscovo ganhará um impulso estratégico e psicológico, consolidando a presença no Donbass. Se resistir, Kiev manterá uma barreira vital que impede o avanço russo para o oeste. Para já, Pokrovsk é o símbolo de uma guerra que não dá sinais de tréguas.