Até 22 de Novembro, “Vespeira 100 – surrealismo, corpo e liberdade”, uma exposição a não perder na Galeria Municipal do Montijo. Marcelino Vespeira completou o centenário do seu nascimento no passado dia 9 de setembro, data a que não poderia passar despercebida. Porque se trata de uma figura incontornável da pintura surrealista em Portugal mas acima de tudo pela forte ligação afetiva do artista à cidade do Montijo.

Esta ligação ao Montijo ficou marcada pela doação de um importante conjunto de serigrafias ao município, gesto que reforçou a necessidade de preservar o seu legado artístico, sendo parte da nossa identidade cultural. Nesta exposição terá a oportunidade de conhecer ou rever estas obras, assim como algumas outras que são parte da colecção do seu filho, Pedro Vespeira.

Dotada de grande coerência, a obra de Marcelino Vespeira revela um universo plástico harmonioso, poético e teatral, conjugando um desenho preciso e uma paleta sensual, com rigoroso sentido da luz e com uma inesgotável ironia e alegria de ser.

Este corpo de trabalho tem a sua origem em três cumes fundamentais. São eles, a apetência artística como uma herança tripla: da mãe, tecedeira de rendas (que descrevia como dotada de “geometria interior”), viria a inventiva e o gosto pelas letras; do pai, o saber da natureza; e da infância moldada na mutável paisagem da beira-rio, com a sua diversidade cultural, o gosto da irreverência e o fascínio pelo mundo.

O caminho rumo às artes inicia-se na Escola António Arroio, que começa a frequentar com 12 anos e onde conhece Mário Cesariny, Fernando Azevedo e João Moniz Pereira, futuros companheiros surrealistas, e prossegue na Escola de Belas Artes. Aos 18 anos com o inacabado curso de Arquitectura, começa a trabalhar em artes gráficas.

A pintura, a que também chega cedo, sem contudo a ter estudado, manter-se-á sempre presente na sua vida. Conhece António Pedro, Pedro Oom, Cruzeiro Seixas, Leonel Rodrigues, António Domingues e Fernando José Francisco no mundo tertuliano centrado no café Herminius.

O ano é 1945, o pintor regista o seu encontro com a estética neorrealista, de curta duração em “Apertado pela fome”, título emprestado de um poema de Paul Éluard. No ano imediato, Vespeira apresenta já uma linguagem formal de pendor expressionista que indicia a sua futura e fiel adesão ao movimento surrealista, que se dará em 1947.

A partir de então, sem nunca abdicar do seu sentido crítico, da ironia e do sarcasmo, a sua paleta abre-se. Pintura e objetos expressam um notório carácter erótico, dotado de grande sensualidade formal, lumínica e cromática.

Na sequência do 25 de Abril de 1974, envolve-se em inúmeras campanhas cívicas e artísticas, como a pintura de murais colectivos. Ficou também célebre a sua máxima “A Arte fascista faz mal à vista” — manifesto compacto e irónico de um programa artístico de liberdade expressiva. A sua simpatia pelo Movimento dos Oficiais fá-lo criar o símbolo do Movimento das Forças Armadas. A sua obra seria homenageada pela Câmara Municipal do Montijo, com a criação do Prémio Vespeira, em 1985.

Esta é, de facto, uma exposição que não pode perder até 22 de Novembro na Galeria Municipal do Montijo, de 3ª feira a sábado das 9h às 12h30 e das 14h às 17 horas.