O debate entre Soares e Cunhal foi o mais longo de sempre, com uma duração de três horas, 40 minutos e 52 segundos. Dividiu-se por três partes – a primeira e a segunda com respostas a perguntas colocadas pelos moderadores e a terceira em que os secretários-gerais socialista e comunista puderam trocar livremente perguntas e respostas. O frente-a-frente de 6 de novembro de 1975 ficou conhecido como o “pai dos debates”, no pós-25 de Abril de 1974. Este não foi o primeiro debate entre
Mário Soares e Álvaro Cunhal. Alguns meses antes, em julho, os dois
oponentes já tinham estado frente a frente no canal francês ORTF, numa emissão apenas vista pelos telespectadores residentes em França.

O debate, que ocorreu no ano de 1975, quando o país vivia em tensão alimentada pelo clima político do Processo Revolucionário em Curso (PREC), mostrou divergências profundas entre os dois líderes partidários. E como estavam distantes as imagens de Soares e Cunhal juntos nas comemorações do 1.º de Maio de 1974.

Reunir na televisão os líderes dos principais partidos de esquerda em Portugal foi importante numa tentativa de provocar um consenso entre o Partido Socialista e o Partido Comunista Português, que na altura eram antagónicos. Apesar de defenderem o socialismo para o país, o caminho traçado por cada um era completamente distinto.

A conversa foi longa e densa. Falou-se de democracias ocidentais vs. Democracias populares, de socialismo e liberdades, de revolução e contrarrevolução, de reformas sociais, de liberdade de imprensa, ódio e intolerância. E a resposta de Cunhal – “Olhe que não, olhe que não” – , proferida sensivelmente meia hora após o arranque do debate, acabaria por entrar no léxico político nacional.

Na prática, o debate entre Álvaro Cunhal e Mário Soares corporizava a contenda que então se travava a outros níveis, envolvendo as diferentes correntes político-partidárias, os militares e a sociedade portuguesa em geral.

Em confronto estavam duas conceções de democracia, dois modelos de sociedade e diferentes propostas de solução para a crise que o país atravessava.

Mário Soares coloca o acento tónico na dinâmica eleitoral, a ponto de o Avante!, órgão oficial do PCP, o acusar de querer “meter o MFA no bolso” e de falar “como se o MFA tivesse sido inventado pelo PS, como se o PS tivesse o monopólio do MFA”.


Por seu lado, Álvaro Cunhal apresenta-se como a incarnação dos ideais e das conquistas da Revolução e do MFA, procurando arrastar atrás de si toda a extrema-esquerda revolucionária.


Apesar da hora avançada em que o debate terminou (perto da 1h30), num dia útil (quinta-feira), cerca de três milhões de portugueses seguiram-no pela televisão e pela rádio, de acordo com uma estimativa do Jornal de Notícias da época, e, segundo o jornal A Luta, as ruas “despovoaram-se completamente” e só duas das então 20 salas de cinema de Lisboa tinham números de “assistência normal”.

Um dos momentos mais marcantes de 1975
O ambiente de tensão que percorria o país desde o verão de 1975 intensifica-se consideravelmente nos primeiros dias de novembro. No dia 2 assinala-se a explosão de engenhos na Madeira, Chaves e Lisboa a que se segue, três dias depois, o rebentamento de petardos em Gaia, Porto, Águeda e no Club Naval dos Açores. A ação desencadeada a 5 de novembro por forças do
Comando Operacional do Continente (COPCON), que resultou na prisão de 11
indivíduos suspeitos de pertencerem ao Exército de Libertação de
Portugal (ELP), não faz diminuir a violência.

A 6 de novembro os confrontos entre agricultores e trabalhadores agrícolas em Santarém saldam-se por dois mortos e 22 feridos. Em Lisboa, o secretário de Estado da Informação, Ferreira da Cunha, é impedido de sair do Palácio Foz por uma manifestação de trabalhadores do Ministério da Comunicação Social.

Esta agitação quotidiana tem como pano de fundo uma verdadeira psicose golpista, com o anúncio, quase diário, de hipotéticos golpes de Estado e complots em preparação.

A 3 de novembro, os jornais O Século” e Diário de Notícias publicam um comunicado da Comissão de Vigilância Revolucionária das Forças Armadas denunciando a iminência de “manobras militares contrarrevolucionárias”.

No dia seguinte, o Jornal Novo e A Luta difundem um comunicado da Frente Militar Unida (FMU) onde se acusa o PCP querer destruir “a solução de esquerda proposta ao país pelo Grupo dos Nove”.

O país assiste incrédulo à luta em curso, tendo crescentes dificuldades em discernir qual será o seu desenlace final e o que verdadeiramente está em causa. Neste contexto, é mais fácil percecionar o amplo impacto do frente a frente televisivo entre Mário Soares e Álvaro Cunhal.

Os confrontos de novembro não serão, no entanto, só verbais. No dia seguinte ao debate entre Mário Soares e Álvaro Cunhal, numa arriscada prova de autoridade, o primeiro-ministro Pinheiro de Azevedo ordena a destruição dos emissores da Rádio Renascença.


Algumas semanas depois, as diferenças entre Soares e Cunhal traduziram-se nos acontecimentos do 25 de Novembro, uma intentona militar levada a cabo por setores das Forças Armadas Portuguesas, nomeadamente unidades alinhadas com a esquerda radical, cujo resultado levaria ao fim do PREC e a um processo de estabilização da Democracia.