ZAP // José Sena Goulão / Lusa

O ministro dos Negócios Estrangeiros disse esta segunda-feira que, se Portugal tiver “três Salazares”, serão quatro ou cinco milhões os portugueses a deixar o país, porque foi no seu tempo que a emigração foi maior. Mas a afirmação de Paulo Rangel parece ser ligeiramente exagerada.

Durante uma audição conjunta com três comissões parlamentares sobre o Orçamento do Estado para 2026, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Paulo Rangel, afirmou que “se tivermos três Salazares vão sair uns quatro ou cinco milhões de portugueses”.

Em resposta às 30 perguntas formuladas pelos deputados na audição, diz a Lusa que maioritariamente sobre as comunidades portuguesas, o ministro ironizou com os “três Salazares” que André Ventura defende.

“Talvez fosse de meditar, porque foi no tempo de Salazar que mais gente saiu“, salientou Paulo Rangel aos deputados das comissões de Orçamento, Finanças e Administração Pública, dos Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas e dos Assuntos Europeus.

Em outubro, o líder do Chega e candidato a presidente da República voltou a defender a necessidade de “três Salazares” para reerguer Portugal, acusando outras candidaturas de querer vender o país e ajoelharem-se diante de outros.

Segundo André Ventura, “só é preciso três Salazares porque eles deixaram isto tornar-se uma bandalheira completa, só é preciso três Salazares porque deixaram isto inundar de corrupção, deixaram entrar toda a gente sem pedir cadastro”.

Na verdade, só é preciso mais um Salazar para que Portugal tenha os tais três com que Ventura sonha — uma vez que o próprio acha que vale por dois.

Em 2024, no final de uma arruada em Braga, o líder do Chega afirmou que “quando eu era mais novo, a minha avó dizia assim: ‘isto já só vai lá com dois Salazares’. Era o que ela dizia, é verdade. E hoje eu orgulho-me muito quando as pessoas sabem que, afinal, já não é preciso Salazar nenhum, porque basta o Ventura”.

Entretanto, foi mesmo no tempo de Salazar que mais gente saiu do país, como diz Paulo Rangel?

Aparentemente, não. Uma análise rápida a dados do Banco Mundial, que o ZAP consultou no Observatório da Emigração, parece indicar que em 1960 e 1970 deixaram o nosso país, respetivamente, 933.894 e 1.282.836.

Estes números são bastante inferiores aos dos portugueses que emigraram nos anos de 2013 (2.028.597), 2017 (2,289,642) e 2020 (2.016.496).

Observatório da Emigração

Estimativas do número total de emigrantes portugueses, 1960-2024

Os dados a que o ZAP teve acesso são parciais e incompletos, além de enfermados de diversas ressalvas, salientadas pelo próprio Observatório. Mas, ao que tudo indica, foi no tempo de uma outra troika, que não de Salazares, que mais portugueses sentiram necessidade de deixar país.

Além disso, usando a mesma alegoria a que Paulo Rangel recorreu, seriam necessários não três, mas seis Salazares para levar 4 ou 5 milhões a sair de Portugal. Ou duas troikas.

Esta é naturalmente uma extrapolação grosseira, com contas de merceeiro, sem qualquer validade estatística — tal como a afirmação do ministro dos Negócios Estrangeiros. Mas a política também se faz de soundbites.


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