Sabe aquelas fotos do prato do almoço ou jantar que aparecem nas redes sociais? Agora essas imagens podem ter um novo destino.

Um projeto desenvolvido por pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e da Universidade de São Paulo (USP) quer usar fotos de refeições para avaliar a qualidade do que os brasileiros ingerem e, com base nisso, contribuir com políticas públicas para melhorar a alimentação e a saúde da população.

Chamado de ClicPrato, o projeto busca voluntários de todo o País dispostos a registrar imagens de seus próprios pratos e compartilhar com os cientistas.

Segundo Josiane Steluti, professora do Departamento de Políticas Públicas e Saúde Coletiva da Unifesp e coordenadora da iniciativa, a proposta é tornar a avaliação da dieta mais simples e acessível, utilizando algo comum no dia a dia das pessoas: as fotos.

Josiane Steluti, professora da Unifesp, coordena a iniciativa Foto: Daniel Teixeira/Estadão

O projeto combina conhecimentos de nutrição com técnicas de inteligência artificial, como o aprendizado de máquina (machine learning).

Josiane explica que a equipe criou um índice para rotular as imagens e dar uma pontuação para cada uma. Por exemplo, um 8. Em seguida, os cientistas repetiram o processo várias e várias vezes com novas fotos para treinar o sistema a identificar qual vale mais ou menos pontos.

Agora, ao notar a presença ou ausência de alguns nutrientes, o algoritmo entende o que é uma boa refeição. A análise também leva em conta algumas técnicas de preparo e a proporção dos alimentos.

Além de avaliar o valor nutricional das refeições, o ClicPrato também busca reunir dados sobre a sustentabilidade da produção alimentar. “A forma como consumimos os alimentos tem um impacto ambiental”, diz a professora.

“O modelo atual de consumo não é capaz de sustentar uma população superior a 8 bilhões de pessoas no futuro. Nosso planeta tem limites. É importante manter uma alimentação adequada, mas também precisamos considerar sua sustentabilidade a longo prazo”, pontua.

Essa não é a primeira captação de imagens do projeto. Em 2020, os pesquisadores fizeram uma primeira coleta, mas não obtiveram dados em nível nacional. A maior parte das informações obtidas à época foi relacionada à região Sudeste.

“(Os dados) não contemplaram a cultura alimentar do Brasil como um todo. Se você for para o Nordeste ou outra região, por exemplo, vão existir pratos diferentes. O que a gente quer é avançar no número de fotos para conseguir melhorar o algoritmo e ter um resultado mais fidedigno ao da população brasileira”, destaca a pesquisadora.

Como enviar uma foto?

A única restrição para participar do estudo é a idade. Menores de 18 anos não são aceitos. De resto, todos os brasileiros podem contribuir. Para isso, basta tirar uma foto do prato completo, sem cortar as bordas e sem talheres, do almoço ou do jantar. Lanches e o café da manhã não são avaliados pelo estudo. Também não há necessidade de fotografar as bebidas ou a sobremesa.

Queremos ter um resultado mais fidedigno ao da população brasileira, diz pesquisadora da Unifesp Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Depois, é só acessar o site neste link, preencher dados de identificação, saúde e hábitos de vida e anexar as imagens, que podem estar tanto na horizontal quanto na vertical. Todo o procedimento dura menos de 5 minutos.

Dieta dos brasileiros

De acordo com Ana Maria Maya, especialista do Programa de Alimentação Saudável e Sustentável do Instituto de Defesa de Consumidores (Idec), o Brasil enfrentou por muitos anos um quadro de desnutrição crônica, especialmente entre crianças e mulheres. Nos últimos anos, porém, o País passou por uma transição.

“Temos resultados muito positivos, como a saída do Brasil do Mapa da Fome, mas não podemos dizer que não existem pessoas desnutridas e passando fome. Elas ainda existem no País”, ressalta.

Nos dias de hoje, ela cita como preocupação o aumento de doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs), influenciado pela alimentação baseada em produtos ultraprocessados. “Temos evidências cada vez mais robustas, (de pesquisas) realizadas no mundo inteiro, que apontam que o consumo desses produtos está diretamente associado ao aparecimento de DCNTs, como hipertensão, diabetes e obesidade.”

“E isso está aparecendo de forma cada vez mais precoce, porque esses produtos têm entrado na alimentação das crianças e, muitas vezes, são direcionados e apelativos para essa faixa etária”, adiciona.

Uma em cada três crianças brasileiras tem excesso de peso, lembra Ana Maria. “Então, brasileiros cada vez mais novos têm DCNTs. Isso vai gerar impactos tanto no desenvolvimento cognitivo quanto no sistema de saúde, porque tudo isso gera um custo para o SUS de cuidado e atenção.”

Muita proteína, poucas frutas e hortaliças

Um estudo conduzido por pesquisadores da USP e publicado na Revista de Saúde Pública aponta que os brasileiros consomem mais proteína do que o mínimo recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que considera que 0,8 g do macronutriente por quilo de peso corporal é suficiente para suprir as necessidades fisiológicas.

Ao mesmo tempo, outro estudo conduzido por cientistas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e publicado na revista Cadernos de Saúde Pública mostra que menos de 25% da população adulta brasileira consome frutas e hortaliças na quantidade recomendada pela OMS, que indica ingerir 400 gramas por dia.

As proteínas têm um papel importante no organismo, mas há uma armadilha em focar apenas em um nutriente e não no conjunto do padrão alimentar, conforme os autores.

Frutas, verduras e legumes, por sua vez, são alimentos ricos em nutrientes, vitaminas e fitoquímicos, além de terem baixa caloria e contribuírem para a prevenção de doenças cardiovasculares, diabetes e obesidade.

“(O alto consumo de proteínas) também tem um impacto sobre o meio ambiente, uma vez que o sistema de produção bovina no Brasil é o principal causador de emissão de gases do efeito estufa”, pontua Ana Maria. “Olhar para o consumo de proteína tem relação com a saúde e com o meio ambiente.”