O Kremlin negou publicamente a existência de um desentendimento ou de um cenário de perda de confiança de Vladimir Putin, Presidente da Federação Russa, em Serguei Lavrov, ministro dos Negócios Estrangeiros do país há mais de 20 anos, negociador implacável e figura muito próxima do chefe de Estado.

Respondendo aos jornalistas que o confrontaram nesta sexta-feira com as notícias veiculadas pela imprensa independente russa e internacional sobre a suposta desavença, Dmitri Peskov, porta-voz do Kremlin, declarou, citado pela Reuters: “Deixem-me dar-vos uma resposta breve: não há nada de verdadeiro nessas notícias. Lavrov está a trabalhar como ministro dos Negócios Estrangeiros, claro”.

A especulação subiu de tom quando o Moscow Times – sediado desde 2022 nos Países Baixos – noticiou que Lavrov não participou na reunião de quarta-feira do importante Conselho de Segurança da Rússia, da qual resultou um pedido de Putin às chefias militares do país para a elaboração de propostas para a realização de testes nucleares.


O Kommersant, jornal económico alinhado com o Kremlin, escreveu que a ausência do ministro, que é membro permanente daquele órgão, foi justificada com um “acordo prévio”.

A essa falta de comparência somou-se, no entanto, o facto de Serguei Lavrov também não ter encabeçado a delegação russa que viajou até à Malásia e à Coreia do Sul, no final do mês passado, para participar nas cimeiras da Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN) e do Fórum Cooperação Económica Ásia-Pacífico (APEC).

Alexei Overchu, vice-primeiro-ministro russo, foi o homem escolhido para representar Moscovo no Extremo-Oriente, num conjunto de eventos diplomáticos de alto nível que contaram, por exemplo, com Donald Trump, Presidente dos Estados Unidos, e dezenas de outros líderes políticos mundiais.

Para além disso, e ao contrário do que costuma acontecer quando Putin não quer ou não pode viajar – o Presidente russo é alvo de um mandado de captura do Tribunal Penal Internacional no âmbito das acusações de crimes de guerra na Ucrânia –, Lavrov também não vai ser o representante da Rússia na próxima cimeira do G20, agendada para daqui a duas semanas em Joanesburgo, na África do Sul.

Maxim Oreshkin, vice-chefe de gabinete da Presidência, irá em representação do chefe de Estado, numa decisão que, segundo Peskov, foi tomada pelo próprio Vladimir Putin.

Segundo o Politico, a última aparição pública de Lavrov foi no dia 28 do mês passado, quando participou numa conferência sobre segurança no espaço geográfico euro-asiático em Minsk, capital da Bielorrússia.

Os rumores sobre a suposta perda de confiança de Putin num dos seus principais aliados políticos nas últimas décadas começaram quando o Financial Times publicou uma notícia baseada em fontes oficiais e diplomáticas com conhecimento sobre um telefonema descrito como “tenso” entre Lavrov e Marco Rubio, secretário de Estado norte-americano, no dia 20 de Outubro.


Em causa, nessa conversa, estavam os preparativos para a realização de uma cimeira em Budapeste, na Hungria, entre Putin e Trump, anunciada pelo próprio Presidente dos EUA, que tinha como objectivo abrir caminho para negociações de cessar-fogo na Ucrânia.

Foi, no entanto, na sequência desse telefonema, que Trump declarou que não queria “perder tempo” numa “reunião desperdiçada” com o seu homólogo russo, uma vez que Lavrov disse a Rubio que Moscovo “não alterou a sua posição em relação aos entendimentos que foram alcançados na cimeira do Alasca”, a última reunião presencial entre os dois presidentes, em Agosto.

Dias depois, a Casa Branca anunciou mesmo sanções contra as gigantes petrolíferas russas Lukoil e Rosneft e Trump disse que as “boas conversas” com Putin nunca “levam a lado nenhum”.

As exigências russas para negociar um cessar-fogo ou um acordo de paz com Kiev são a desmilitarização da Ucrânia; a anexação do Donbass; o afastamento de Volodymyr Zelensky, Presidente da Ucrânia; e o fim do alargamento da NATO para o Leste europeu.

Fontes dentro da Administração norte-americana disseram ao FT que Lavrov foi particularmente “intransigente” com Rubio, o que foi visto tanto por Trump, como por Putin, como factor decisivo para a cimeira em Budapeste ter sido adiada e, depois, cancelada.

“Lavrov está claramente cansado e parece achar que tem coisas melhores para fazer do que se reunir ou dialogar com os Estados Unidos, independentemente do que o Presidente Putin possa querer”, disse uma das fontes ao diário britânico.

Citada pela agência noticiosa russa Tass, Maria Zakharova, porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros, disse esta sexta-feira, porém, que a notícia do Financial Times é “apenas mais um elemento da guerra híbrida travada contra a Rússia pelo Ocidente”.