Com 62 anos e várias décadas de carreira como deputado do PCP, António Filipe afirmou, nesta entrevista à RTP Notícias, que não pretende esconder “convicções políticas”, mas sublinhou que a Presidência da República é um “órgão suprapartidário”.
No Palácio de Belém, António Filipe garantiu que “cumpriria a Constituição”, usando a “magistratura de influência” para suscitar, por exemplo, a fiscalização da constitucionalidade de diplomas aprovados.
Perante um Governo de direita, António Filipe garante que “seria vigilante” quanto ao cumprimento da Constituição.
“Tudo farei” para evitar extrema-direita no Governo
Questionado sobre uma eventual governação que incluísse o Chega, o
candidato lembrou que a direita “tem vários partidos”, mas reconhece que
“não poderia inventar um primeiro-ministro que não existisse”, até
porque o Governo tem de contar com apoio parlamentar.
Em caso de uma hipotética vitória do Chega em eleições legislativas, António Filipe lembrou o exemplo de “Geringonça”, em 2015, com uma solução governativa que foi alternativa à liderança por parte do partido mais votado.
“Tudo farei para que não haja governos em Portugal com a participação da extrema-direita”, assumiu.

No limite, o chefe de Estado “tem de cumprir a Constituição seja qual for a solução governativa” e deve respeitar o documento constitucional mesmo “se tiver de conviver com um Governo que políticamente lhe desagrade”.
O candidato voltou a assinalar os “poderes de vigilância” e de “salvaguarda do funcionamento das instituições democráticas”. Para António Filipe, o inquilino de Belém é o “último reduto” e o “guardião último do regime democrático”.
“O Presidente da República tem, inclusivamente, um poder que nunca foi usado, e eu espero que não haja necessidade de ser, que é a própria demissão do Governo”, lembrou.
“Portugueses fizeram opções erradas”
Num cenário político em que a direita domina todos os órgãos de poder, António Filipe assinalou portugueses não costumavam colocar “os ovos todos no mesmo cesto”. Com a sua candidatura à presidência sugere uma Presidência à esquerda e que “haja órgãos noutro cesto”.
O candidato não questiona a legitimidade dessas escolhas passadas por parte do eleitorado, mas assumiu: “Os portugueses fizeram opções que eu considero erradas”.
“É legítimo pretender reequilibrar isso pela vontade popular”, acrescentou.
António Filipe propôs-se a ser “um contraponto” que “não se conforme” com a situação da saúde ou do acesso à habitação, por exemplo, ou dos trabalhadores “que empobrecem a trabalhar”.
O candidato anunciou ainda que irá participar, este sábado na manifestação da CGTP contra a lei laboral que o Governo pretende fazer aprovar.
A esse respeito, António Filipe adiantou que “enviaria para o Tribunal Constitucional” o que considerasse questionável nessa legislação e que “agiria” se a lei laboral fosse aprovada.
“PR cometeu um erro quando dissolveu o Parlamento”
Confrontado com as críticas recentes ao atual Presidente da República, António Filipe vincou que Marcelo Rebelo de Sousa não é “adversário” nestas eleições, mas considera que “cometeu um erro” ao dissolver a Assembleia da República “quando a proposta da Orçamento do Estado foi rejeitada na generalidade”, em 2021.
“Não havia razão, do ponto de vista constitucional, para dissolver o Parlamento”, argumentou o candidato, até porque “havia um Governo minoritário”.
António Filipe criticou Marcelo Rebelo de Sousa por estar “comprometido com o rotativismo” que levou o país a vários problemas da atualidade.
Questionado pelo jornalista Vítor Gonçalves sobre o eventual impacto da quebra eleitoral do PCP em eleições recentes, António Filipe sublinhou que se apresenta como candidato a “um órgão unipessoal” e que estas eleições “são tão diferentes e transcendem o quadro partidário”.
“Tem dias”, observou o candidato apoiado pelo PCP.
“Faltava alguém que pela esquerda tivesse condições para transcender as fronteiras partidárias”, acrescentou.
“Portugal deve ter voz independente”
Ao nível da política externa, António Filipe garantiu que não estaria em Belém com uma “camisola partidária” quando questionado sobre a posição do PCP em relação à NATO.
“As responsabilidades internacionais do povo português têm de ser assumidas pelo Presidente da República”, reconheceu.
António Filipe assegurou que “defenderia a política do Estado Português”, até porque é o Governo “quem dirige a política externa”.
No entanto, assinalou que o chefe de Estado “tem funções de representação que não são despicientes” e considerou que Portugal “deve ter voz própria”, “independente e soberana” nas organizações internacionais a que pertence.
Defendeu, no entanto, que o país não deve ter “uma posição subserviente” em relação a todos os ditames das grandes potências que fazem parte dessas organizações, dando o exemplo dos Estados Unidos ou a Alemanha.
“Posição da UE na Ucrânia tem sido errada”
Questionado sobre o apoio da União Europeia à Ucrânia, António Filipe afirmou que “a posição da União Europeia tem sido errada” e que devia ter privilegiado a via diplomática para “evitar qualquer guerra” e negociar na mesa das negociações.
“É do interesse de todos que haja uma arquitetura de paz na Europa e portanto quando essa paz é quebrada deve-se fazer tudo para que cesse qualquer foco de conflito na Europa cesse o mais rapidamente possível do ponto de vista negocial que é assim que as coisas têm que ser resolvidas”, defendeu.
O candidato a Belém rejeitou a necessidade de ajudar a Ucrânia, militarmente e financeiramente, e disse que “a melhor ajuda que Portugal devia dar à Ucrânia era colaborar para que haja, de uma vez por todas, um esforço que ponha termo aquela guerra”.
Questionado sobre se a União Europeia deve abandonar o apoio à Ucrânia, António Filipe defendeu a necessidade premente de resolver o conflito à mesa das negociações.
“Só há duas maneiras de se acabar uma guerra: ou à mesa das negociações ou com a capitulação de uma das partes”, observou. “E como é evidente, há muitos anos, num confronto aberto entre a Ucrânia e a Federação Russa, a haver capitulação é do lado da Ucrânia”.
“Não vou desistir”
Questionado sobre a disponibilidade de desistir de uma ida à segunda volta em prol de uma candidatura de esquerda melhor colocada, António Filipe respondeu: “Longe de mim”.
O candidato presidencial apresentou-se como o candidato de esquerda, que tem ambição de ir à segunda volta e não tem a intenção de “desistir a favor de ninguém”.
“Perentoriamente, e que fique aqui claro que eu não vou desistir”, sublinhou. “Eu vou à primeira volta com a ambição de passar à segunda”.
“Ramalho Eanes teve um papel importante”
Sobre a ação política dos presidentes da República que Portugal teve em democracia, António Filipe destacou o papel importante de Ramalho Eanes quando não aceitou uma revogação da Constituição por via referendária.
“Recusou um golpe constitucional e teve um papel muito importante nessa altura decisiva”, afirmou. “A sua reeleição de 1980 foi muito importante”.
No final da Grande Entrevista à RTP, António Filipe recordou o seu desempenho, como vice-presidente da Assembleia da República, e como presidente durante um dia e meio até à eleição do novo presidente do Parlamento, José Pedro Aguiar-Branco: “Eu fui 12 anos vice-presidente da Assembleia da República e dirigi os trabalhos muitas vezes e nunca sofri crítica nenhuma quanto à minha isenção”, disse.
Sobre a sua breve missão de presidir os trabalhos na Assembleia República, na qualidade de deputado mais antigo, o candidato apoiado pelo PCP lembrou que foi “muito elogiado nessa altura”.
“Fui muito elogiado nessa altura, as pessoas acham que correu muito bem e eu também acho, acho que não me sai mal dessa tarefa”, concluiu.