Por cima, trabalham os funcionários da dst (de Domingos da Silva Teixeira, grupo de engenharia e construção fundado na década de 1940) e foi deles que partiu a ideia de criar uma galeria de arte no rés-do-chão do edifício, em plena Baixa. Podendo parecer estranho, não é. A sede do grupo em Palmeira, Braga, está pejada de obras de arte — a começar por uma reinterpretação de A Última Ceia, de Leonardo da Vinci, na qual alguns dos trabalhadores tomam os lugares de apóstolos e José Teixeira, o presidente (e coleccionador), o de Jesus. Também há aulas de filosofia, de pintura, um cabeleireiro chamado Spot António Variações (Fiscal, onde o artista nasceu, é já ali ao lado), bibliotecas e uma discoteca. Em 2014, surgiu também a ZET, no centro da cidade, em parte como montra da aposta da empresa na cultura e na arte (que, já agora, é mecenas de vários projectos artísticos pelo país), com uma forte presença no mercado comercial online e com uma programação regular.

“Os colegas de Lisboa sentiam falta que acontecesse aqui o que aconteceu em Braga, de mostrar uma certa dinâmica cultural”, enquadra à Time Out a directora e curadora Helena Mendes Pereira, na ZET (o nome vem de Zé Teixeira) da Rua da Prata, o pequeno espaço inaugurado na quinta-feira, 6 de Novembro, com a exposição “Cartografia do Desejo”, em que Alfredo Cunha se testa abordando o corpo, o nu e a intimidade. “O nosso país é muito centralista”, continua a curadora. E na ZET a ideia é descentrar, apostando na arte contemporânea feita por quem de alguma forma não foi absorvido pelo mercado lisboeta. “Vamos ter uma abordagem muito representativa, com uma diversidade a vários níveis: de género, geográfica, com artistas nacionais e internacionais.” Na agenda, depois de Alfredo Cunha (natural de Celorico da Beira e a viver no Minho), estão os nomes de Sara Maia (Açores) ou Mariana Pimentel (Fortaleza, Brasil), a provar que é tudo verdade. “São artistas de grande qualidade, com ligação comercial com a ZET há vários anos, que escolheram continuar a produzir em locais tão diferentes como Montemor-o-Novo, Melgaço, Açores ou Cantanhede. E que o fazem com muita qualidade”, remata a curadora.

ZET, Lisboa
AlfredoZET, Lisboa

Embora ainda se esteja “a sentir o espaço”, como diz Helena Mendes Pereira, é ponto assente que a galeria receberá exposições numa cadência bimestral e que da programação farão parte conversas com os autores e outros eventos. Tudo sempre de acesso gratuito, já que o objectivo das ZET é “promover a democratização do acesso à arte, nas suas mais variadas formas de representação e suportes, a promoção da literacia cultural dos públicos, nomeadamente, os que não são consumidores habituais de arte e a discussão das questões fundamentais para a humanidade, tendo por base a produção artística contemporânea”, defende a organização. Em comunicado, o presidente do dstgroup, José Teixeira, explica a abertura do espaço na Rua da Prata por outras palavras: ela “repesca uma ideia inicial das pequenas galerias de arte nas cidades europeias e americanas”. “No início”, diz, “foram as pequenas, e muito cuidadas, galerias que fizeram chegar a arte e o seu poder transformador a quem habita e visita as cidades. É justamente nesse objectivo de democratizar o acesso à arte que abrimos, no espaço da dst em Lisboa, uma pequena e poderosa galeria. (…) A arte, para o grupo dst, é instrumental. Temos a certeza que a economia, em si, não resolve os dilemas e enigmas da humanidade. Sem uma ideia de beleza, o negócio avaria”.

Os desejos de Alfredo Cunha

A fotografar o novo espaço com o telemóvel, no dia da inauguração, está Alfredo Cunha, autor reconhecido e muitas vezes etiquetado como o “fotógrafo do 25 de Abril”. Rótulos, porém, são coisa que rejeita. “Nunca me apelidei de fotojornalista. Sempre disse que era fotógrafo e jornalista”, afirma. Depois de ter passado alguns dias pela galeria Ochre, também em Lisboa, com “Cartografia do Desejo”, o fotógrafo apresenta aqui a sua segunda prova de que abandonou o jornalismo, depois de Paraíso de Coura, e de forma assumidamente mais conceptual. 

'Cartografia do Desejo'
Alfredo Cunha’Cartografia do Desejo’

'Cartografia do Desejo'
Alfredo Cunha’Cartografia do Desejo’

O “processo de desencantamento com o estado do jornalismo actual” começou há dois anos, conta o fotógrafo (foi na ZET de Braga, aliás, que teve a sua última exposição na área, em Setembro, uma retrospectiva dos últimos 50 anos da História Mundial). O livro que agora apresenta e que se estende às fotografias expostas na ZET, é um trabalho feito com amigos, no seu universo de proximidade, desde o seu personal trainer às amigas que vinham ter com o autor porque queriam ser fotografadas, fazer parte. Nele também entra material de arquivo, desde os corpos de uma companhia de dança a retratos eróticos dos anos 70, passando pela fotografia do espelho em frente ao qual o escritor Camilo Castelo Branco se terá suicidado. Entre as imagens (e o espectador), o diálogo é constante, muitas vezes entre o corpo e a pedra ou a madeira. 

“Só depois de velho acabei a minha aprendizagem”, confessa o autor de 72 anos, que tem vários projectos na cabeça e em andamento. Fotografei de tudo e só agora estou pronto a começar.”

Rua da Prata, 176 (Baixa). Seg-Sex 10.00-18.00. Até 2 de Dezembro. Entrada livre

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